O conto “Frio”, de João Antônio, averigua algo muito interessante no comportamento humano e que tem a ver, justamente, com virtude e vício, valor e vilania. O protagonista, um menino que numa noite de frio paulistana terá que entregar uma (intrigante) encomenda, parece nos provocar permanentemente com sua obsessão em ser leal, amigo, admirador de um indivíduo que, para ele, é a encarnação acabada do próprio Herói. Mas ocorre que esse indivíduo é um traficante que está usando o menino como “avião” (para usar uma gíria ainda atual, do universo do tráfico). Portanto, fica aí a ambigüidade: o bem contaminado pelo mal, ou o mal compondo-se com o bem. O menino é virtuoso ao mesmo tempo que (como o seu Herói) um criminoso. Um criminoso com uma carga de bons valores que, no mínimo, assusta. Ou seja, o escritor põe em cena uma situação exemplar da verdadeira condição humana: aquela que diz que nossos valores são sempre relativos, e que as circunstâncias/conveniências é que, em boa medida, os determinam. |
A coluna "Rodapé" consta de um único parágrafo contendo um comentário crítico acerca de um autor, um romance, um conto, um poema, uma cena, um personagem, enfim, sobre um aspecto da literatura. É publicada mensalmente no Rascunho, de Curitiba/PR, e semanalmente no Correio das Artes, de João Pessoa/PB. |