NATURAL?! O QUE É ISSO?
ABERTO O COLÓQUIO
De 2.11.2003 a 21.05 2004
INICIATIVA DO PROJECTO LUSO-ESPANHOL
"NATURALISMO E CONHECIMENTO
DA HERPETOLOGIA INSULAR"
Subsidiado pelo CSIC (Madrid) e ICCTI (Lisboa)


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ANTÓNIO DE MACEDO

PORTUGAL TRANSNATURAL
Na Periferia do V Império
 

11 - Na Periferia do Império.

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Na primeira metade da década de 90 os autores portugueses de FC e Fantástico começaram a encontrar-se com regularidade, não só por ocasião do lançamento dos seus livros, mas em jantares-tertúlia onde partilhavam a entusiástica utopia de reformular o transnatural do imaginário lusitano.

Entre eles contavam-se não só os já citados Luís Filipe Silva, Daniel Tércio e Maria de Menezes, mas também, e sobretudo, João Barreiros, autor da colectânea O Caçador de Brinquedos (1994) e principal autor do extraordinário e gigantesco romance Terrarium: Um Romance em Mosaicos (1996), - «um desafio e um manifesto, uma ruptura fundadora de uma história que ainda não pode ser construída» (Almeida 1998, 19) - e José Manuel Morais, organizador da antologia luso-brasileira de FC, O Atlântico Tem Duas Margens (1993), além de mim próprio e de bastantes outros que entretanto se nos juntaram como o neo-decadentista João Botelho da Silva (prematuramente desaparecido), autor de Beduínos a Gasóleo (Prémio Caminho de FC de 1993) e da colectânea As Horas do Declínio (1996), Ana Almeida, David Alan Prescott, Ana Godinho, José Xavier Ezequiel, Luís Richheimer de Sequeira, Silvana de Menezes, João Paulo Cotrim. sem esquecer os críticos de FC Victor Quelhas e Pedro Foyos.

As nossas reflexões durante as referidas tertúlias culinário-literárias haviam começado por partir de três constatações factuais (para além doutros temas mais ligados ao «género»): primeira, que há actualmente autores portugueses de FC e Fantástico de assinalável qualidade literária; segunda, que a crítica literária mainstream persiste em ignorar esses autores; e terceira, que só os autores estrangeiros de FC, e sobretudo os consagrados do costume, são objecto de alguma referência nas páginas culturais dos jornais e revistas portugueses.

Pensámos que no dealbar do III Milénio era chegada a hora de tentar inverter esta tendência. Como? Provocando um acontecimento mediático que pela sua importância e pela sua dimensão chamasse a atenção para o tempo que vivemos e para os que em Portugal teimam em estar à frente do Milénio e do Futuro. Se bem o pensámos melhor o fizemos, e empenhámo-nos em organizar uma grande Convenção internacional de temas e autores de FC e Fantástico, o que conseguimos com a produção dos 1. os Encontros Internacionais de FC&F de Cascais , em Setembro de 1996, com o apoio da Câmara Municipal de Cascais, que trouxe a este país (trans)atlântico autores de grande prestígio internacional como Brian Aldiss, Joan D. Vinge, Christopher Priest e Joe Haldeman. Além das intervenções destes autores e de portugueses como Maria Teresa Horta, Lídia Jorge e os organizadores do evento, realizaram-se durante a semana dos Encontros múltiplas actividades - conferências, sessões de autógrafos, concursos, workshops , retrospectivas, espectáculos, exposições, etc., de que se salientou a edição bilingue (inglês/português) duma antologia de contos originais de autores portugueses: Inconsequências na Periferia do Império / Non-Events on the Edge of the Empire .

Este título inspirou-se no título de um dos contos dessa antologia, «Uma Noite na Periferia do Império», de João Barreiros, relato satírico e feroz da visita que um Embaixador alienígena faz a Lisboa, uma «visita secreta e discreta a esta capital terciária perdida num braço periférico da Galáxia» ( Inconsequências 1996, 78). A obsessão do «mistério da portugalidade», sórdido ou luminoso, transparece em quase todos os autores seleccionados na antologia.

 
12 - . e nas rotas da Nova Era
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O movimento alastrou e desenvolveu-se, e deu origem à Associação Portuguesa de Ficção Científica e Fantástico «Simetria FC&F», com sede em Cascais, agrupando autores de FC mas também simples leitores e entusiastas pelo género, com uma crescente representação de participantes das novíssimas gerações («Clube de Jovens»). Nos anos seguintes realizaram-se sucessivas edições dos Encontros Internacionais de FC e Fantástico que adoptaram a designação permanente « Na Periferia do Império » - duplo e simbólico sentido, porquanto não só o Portugal de hoje tem sido relegado para a periferia dos Impérios entre os quais estamos «entalados», Europa e E.U.A., como a FC portuguesa se sente marginalizada, até pela intelligentsia do seu próprio país, em confronto com o «Império da FC anglófona».

Curiosamente a iniciativa teve repercussões nesse tal «Império anglófono»: entre não poucas referências assaz lisonjeiras em revistas inglesas e americanas, o exigente repositório antológico anual The Year's Best Science Fiction , na sua 16.ª edição, de 1999, realça, por exemplo, a antologia portuguesa Fronteiras / Frontiers (editada pela Associação Simetria por ocasião dos 3. os Encontros, apresentando autores portugueses e estrangeiros e antecedida por um importante estudo sobre a FC portuguesa da professora universitária Teresa Sousa de Almeida) pela sua qualidade «unusual» (Dozois 1999, xxxvii).

Outros nomes de peso da FC mundial, para além dos já citados, foram convidados e participaram activamente nos subsequentes Encontros anuais: Norman Spinrad, Brian Stableford, Charles Brown, Gwyneth Jones, Robert Holdstock, Stephen Baxter, John Clute, Geoff Ryman, Gary Kilworth, bem como os consagrados brasileiros Gerson Lodi-Ribeiro (galardoado com o prestigioso Prémio Nova 1996) e Alfredo Keppler - já para não falar nas participações académicas bastante expressivas, quer de apoio, quer de crítica, mas sempre estimulantes, do Prof. José Manuel Mota, Prof. José Manuel Anes, Prof. António Manuel Baptista, Dr.ª Beatriz Lamas, Prof.ª Teresa Sousa de Almeida, Dr. Júlio Gonçalves, Prof.ª Salomé Marivoet, Prof.ª Maria do Rosário Monteiro, Prof.ª Vanda Anastácio, Prof.ª Rita Marnoto.

Mesmo além-Atlântico a mística do V Império se faz sentir entre os respectivos autores de FC: no ano 2000 os brasileiros Gerson Lodi-Ribeiro e Carlos Orsi Martinho organizaram e fizeram editar uma curiosa e insólita antologia, Phantastica Brasiliana , comemorativa dos 500 anos da Descoberta do Brasil, contendo uma colecção de contos e novelas de FC de autores portugueses e brasileiros sobre a temática desse descobrimento de um ponto de vista de speculative fiction . O «Portugal transnatural» é de facto irrestrito, e tende a prolongar-se cada vez mais pelos éteres do V Império e sobretudo pelo «Brasil transnatural», a começar pela promissora colaboração entre os autores de FC de ambos os lados do Atlântico.

O consagrado e «nobelizado» José Saramago não escapou à tentação (ou à voragem.) do vertiginoso «Portugal transnatural»: muitas das suas ficções catalogam-se sem esforço nos géneros FC e/ou Fantástico, mais ou menos alegorizantes, ainda que o seu autor não sinta particular entusiasmo em admiti-lo - vejam-se por exemplo Objecto Quase (1978), A Jangada de Pedra (1986), História do Cerco de Lisboa (1989), Ensaio Sobre a Cegueira (1995), Todos os Nomes (1997), A Caverna (2000), O Homem Duplicado (2002).

Já agora, não gostaria de terminar este incompletíssimo passeio por uma forma de portugalidade que escapa aos cânones do mainstream , sem referir três curiosos objectos que nos transportam a uma quase alucinatória visão de um outro modo de «Portugal transnatural». O primeiro, do antropólogo e ficcionista Miguel Vale de Almeida, dá pelo nome EuroNovela e foi o vencedor do Prémio Caminho de FC de 1997; o segundo intitula-se Quatro Andamentos , é da autoria de Luís Richheimer de Sequeira e ganhou o Prémio Caminho de FC de 1999; e o terceiro chama-se Os Entre-Tantos - Século XX, Cem anos, cem estórias , foi publicado em 2003 e, tal como o subtítulo indica, é uma colectânea de 100 contos - assaz bizarros, por sinal - reportados a cada um dos 100 anos do século xx português, e é seu autor o poeta e investigador José de Matos-Cruz.

 
 
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