NATURAL?! O QUE É ISSO?
ABERTO O COLÓQUIO
De 2.11.2003 a 21.05 2004
INICIATIVA DO PROJECTO LUSO-ESPANHOL
"NATURALISMO E CONHECIMENTO
DA HERPETOLOGIA INSULAR"
Subsidiado pelo CSIC (Madrid) e ICCTI (Lisboa)


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ANTÓNIO DE MACEDO

PORTUGAL TRANSNATURAL
Na Periferia do V Império
Resumo

Na Periferia do V Império Partindo dumas quantas interrogações sobre aquilo a que Francisco da Cunha Leão teria chamado "O Enigma Português" - Portugal é um país «natural»?, que desígnio «artificial» o concebeu?, a que sonho «real» temos direito?, de que caminho «transnatural» dispomos para o alcançar? - tenta-se nesta comunicação percorrer um aventuroso caminho para alcançar algumas respostas, na companhia de um estranho grupo de autores literários que se atreveram a mergulhar de cabeça nas profundezas transdimensionais deste país de mistérios. Desde as "7 Emanações Lusofânicas" até ao Portugal do século XXIII, passando pelo ADN do Infante D. Henrique e de D. João II, até às múltiplas Lisboas dum multiverso hermético que converte os Dráculas da Transilvãnia, exilados num bairro social lisboeta, às favas com chouriço e às bacalhoadas com alho, acompanhadas com uns copázios de carrascão em vez de uns decilitros de sangue arterial, tudo pode acontecer neste país "transnatural", situado na Periferia do V Império onde a "cibergnose" domina como nos mais estranhos contos virtuais de ficção científica e de fantasia.

 

. O imaginário português encontra-se, mais do que qualquer outro, sob o signo do além. Do mesmo modo todos os sonhos com asas de caravelas levantam voo na alma portuguesa: apostolado franciscano e mais tarde jesuíta, sonho grandioso do joaquimismo, cavalgada de cavaleiros em perseguição dos mouros (primeiro no solo ibérico), depois os cavaleiros que se tornaram marinheiros, passando para lá de Gibraltar, de Cabo Verde e da Boa Esperança, dando ao mundo todos os inesgotáveis mundos da aventura e do sonho, oferecendo - «até ao fim do mundo» de terra e pedra - a esperança dos outros mundos e o eterno convite à viagem.
Gilbert Durand (2000, 98-99).

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1 - Enigmas & Perguntas

Confesso que não consegui resisitir! Quando li o catálogo de perguntas de algibeira que encabeçavam o convite-proposta deste colóquio, percebi que estávamos perante um daqueles desafios semelhantes a um bom número de enigmas da Antiguidade a que provavelmente ninguém sabe responder, como os que encontramos, por exemplo, no venerando livro bíblico dos Provérbios: «Quem subiu aos céus e desceu de novo? Quem ajuntou o vento e o agarrou nas suas mãos? Quem envolveu as águas no seu manto? Quem marcou os extremos da terra firme? Qual é o seu nome? Qual o nome do seu filho? Porventura o sabeis?» (Provérbios 30, 4).

Bom, se calhar ninguém sabe. O «nome» - o verdadeiro NOME, não qualquer classificatório epíteto - é um mistério que na esmagadora maioria dos casos nem o próprio conhece! Julgais que o vosso nome - o vosso verdadeiro nome - é o que consta do bilhete de identidade? Desenganai-vos! Há-de constar, sim, mas como nomen novum inscrito sobre a «pedra branca» que nos tempos apocalípticos vos será entregue pelo Espírito. (Apocalipse 2, 17).

Pois como eu ia dizendo, as tais perguntas desafiantes com que o folheto-anúncio deste colóquio nos veio atormentar os neurónios eram deste jaez (apenas alinho algumas para nos situarmos): «O que é o natural? Que testes usou a ciência antes de garantir aos cidadãos que dada espécie é fruto de selecção natural? E o que é o naturismo? E o naturalismo dos escritores e dos artistas plásticos? [.] O natural é mais ou menos valioso do que o cultural? A inteligência artificial será não-natural? Que aconteceu à Química com a invenção dos plásticos? E os fantasmas, os anjos, os gnomos e as fadas, serão seres naturais, reais, surreais ou sobrenaturais? [.]»

Fiquei a matutar no assunto e veio-me à ideia que para além do natural, do artificial, do cultural, do surreal, do virtual e mesmo do sobrenatural, um dos mais provocatórios desafios com que corremos o risco de nos defrontar é o « transnatural » - nomeadamente no que diz respeito ao mysterium magnum da portugalidade.

Portugal é um país «natural»? Que desígnio «artificial» o concebeu? A que sonho «real» temos direito? De que caminho «transnatural» dispomos para o alcançar?

 
2 - Irrealidade & Lusofania

Em 10 de Junho de 1996, Dia de Portugal e das Comunidades, o pensador e ensaísta Eduardo Lourenço recebeu das mãos do Presidente da República, Jorge Sampaio, o Prémio Camões. Foi em Lagos. Este é um prémio típico do mainstream e do respectivo cortejo de valores convencionais (sólidos e consagrados. ou consagráveis!, o tempo o dirá). Eduardo Lourenço, com a astúcia que o caracteriza, pressentiu que lhe seria interessante - se não mesmo «inteligente» - demarcar-se algum tanto dessa conotação demasiado bolorenta e meteu uma agulha matreira na qual vale a pena reflectir.

Ao fazer o discurso da praxe, abriu-o com a seguinte frase:

«A nossa sede de realidade não tem fim. Só a mais vertiginosa imersão na irrealidade a pode satisfazer. Sonhar o que não existe e tanto nos falta, dar ao inacessível ou invisível um rosto familiar é a vocação própria dos poetas. Quer dizer, dos criadores. Todos o somos nas utopias que nos consomem e nos dão um futuro. Mas chamamos poetas aos que dão um corpo, uma melodia, à voz e aos sonhos íntimos, oferecendo-os aos outros como se fossem deles. De facto, o são» [Os realces em bold são meus ].

Claro que Eduardo Lourenço usou aqui a palavra poetas no sentido grego, isto é, não no sentido de quem faz versos como acreditam as pessoas normais, mas no sentido originário de fazedores-criadores - demiurgos?. -, seres peculiares que funcionam como micro-designers cósmicos e, ao mesmo tempo, como redes informáticas altamente especializadas e vocacionadas para descodificar e reproduzir em palavras do dia-a-dia - mas revivificadas e reinseridas em novas ultradimensões - os indizíveis sonhos de cada um. Neste caso concreto, a «imersão na irrealidade» que, só ela, pode satisfazer a «sede de realidade», prende-se obviamente com o estar e o ser Português. Cuidado, porém! A «mais vertiginosa imersão na irrealidade» pode confundir-se com a não menos vertiginosa atracção-sucção da «surrealidade».

E há que distingui-las, a tantas e tão díspares «vertiginosas atracções», sobretudo quando nelas intervém a tal surrealidade que passou a fazer parte da nossa cultura desde, pelo menos, 1924. Com efeito, foi nesse ano que o poeta André Breton redigiu o famoso Manifesto do Movimento Surrealista, mas o termo «surrealismo» já vinha de trás, surgira pela primeira vez em 1917 inventado por um outro poeta, Guillaume Apollinaire, num texto em que descrevia o estilo de Parade - um ballet concebido por Jean Cocteau com música de Erik Satie, e cujos cenários haviam sido pintados por Picasso:

« . uma espécie de sur-réalisme onde vejo um ponto de partida para uma série de manifestações daquele Esprit Nouveau que promete transformar as artes e as maneiras de alto a baixo, com uma alegria universal».

Os críticos literários costumam explicar-nos que cada artista interpretava e realizava o «surrealismo» a seu modo, embora se detectassem, para além das diferenças e ambiguidades, algumas características comuns como por exemplo uma aderência ao fantástico e ao irracional com integração do involuntário e do fortuito, sem excluir a componente psicanalítica, então em voga.

O alerta que vos anteponho está no «irracional», que não tem nada a ver com o «irreal» e muito menos com o «transnatural», e aqui voltamos às perguntas com que esbarrámos mais acima: Portugal é um país «natural»? Que desígnio «artificial» o concebeu? A que sonho «real» temos direito? De que caminho «transnatural» dispomos para o alcançar?

Tal como na Internet, não há nada como um bom «motor de busca», e o que me ocorre de momento - sem dúvida que no decurso deste colóquio muitos outros, e melhores, vão sendo farejados e encontrados - consiste na «tentativa gnósica» de descobrir uma janela que se abra ao sol duma lusofania (não é gralha, é mesmo «lusofania», como «teofania», e não «lusofonia».) orquestrada com História, Fantasia e Futuro.

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