NATURAL?! O QUE É ISSO?
ABERTO O COLÓQUIO
De 2.11.2003 a 21.05 2004
INICIATIVA DO PROJECTO LUSO-ESPANHOL
"NATURALISMO E CONHECIMENTO
DA HERPETOLOGIA INSULAR"
Subsidiado pelo CSIC (Madrid) e ICCTI (Lisboa)


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ANTÓNIO DE MACEDO

PORTUGAL TRANSNATURAL
Na Periferia do V Império
 
 
3 - As 7 Emanações lusofânicas
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Terei honestamente de confessar que esta ideia me surgiu em virtude de um maior ou menor convívio (umas vezes apenas literário, outras mais directo e pessoal) com um bom número de autores portugueses cuja condição normal de estar é a aventura, logo tendencialmente atreitos àqueles voos a que os «integrados» não se atrevem.

Começo por citar três obras de dois deles, mesmo a calhar para um bom arranque. As duas primeiras são de Agostinho da Silva: Fantasia Portuguesa para Orquestra de História e de Futuro (1982) e Portugal ou Cinco Idades (1982) (posteriormente incluídas na sua colectânea Considerações e Outros Textos , 1988); a terceira é do escritor Luís Filipe Silva: O Futuro à Janela (1991).

Eis as palavras-chave: janela, fantasia, futuro, orquestra, história, a quinta idade. e, claro, a raiz da portugalidade.

A aliança dum passado simultâneo com o futuro é um risco que apenas tem como garantia e suporte a vertiginosa Visão Divina - o que não é pouco -, e por conseguinte não está ao alcance de quem quer, mas somente de profetas, de visionários ou de descobridores.

Para Agostinho da Silva, a «primacial missão» de Portugal é «construir nações e, depois delas, o universo dos Homens», esclarecendo em seguida o que entende por este «universo dos Homens»: «Humanidade virada à poesia da acção, ou da ciência, da arte ou do mistério, ou à do sonho, a mais bela de todas; humanidade pela qual, em praia alguma velho algum se desespere e clame; em que unidos estejam, numa placa de activo e imanente e transcendente fraterno - como em tectónica se agregam no globo as variedades deste solo e aí, movendo-se, fazem da Terra ser vivo -, que bem unidos estejam todos os que se entendem nas línguas que, de início parecendo condenadas aos estreitos lugares da Ibéria, ao universo abriram suas asas.» (Silva 1988, 131).

À primeira parte desta missão - «construir nações» - já Portugal respondeu, cabalisticamente, com sete respostas, ou melhor, sete emanações (quase me atrevia a dizer sefiróticas .): Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Angola, Moçambique e Timor-Leste. Sete ! Se além disso lhe adicionarmos o país original, completaremos o oito, ou a ogdóada da tradição hermético-templária . (E também, não o esqueçamos, da tradição astrológico-cabalística: número escorpiónico de morte-ressurreição , o oito é sobretudo o número do renovo de vida : após o Dilúvio, tal como lemos no Génesis, o género humano foi reconstituído a partir de oito pessoas: Noé e sua mulher, os três filhos de ambos e respectivas esposas).

Em contrapartida a segunda parte daquele desideratum, a união misteriosa e onírica da família humana num «imanente e transcendente fraterno», falta cumprir-se como diria Pessoa (Pessoa 1986-I, 1154), ainda por cima a começar pela «Ibéria», o que poderá deixar desabalada a tribo dos abencerragens do nacionalismo ferrenho. (Para quem tenha dúvidas sobre o que é isso dos «abencerragens» e não queira levantar-se da cadeira para ir consultar qualquer enciclopédia, terei a bondade de recordar que os Abencerragens eram os componentes da derradeira tribo mourisca que resistiu até à última gota, antes do Islão ser desapossado de Granada em 1492 diante da arremetida dos Reis Católicos, cujo principal mérito não foi o de serem católicos nem o de expulsarem Árabes e Judeus, mas o de terem enfiado o barrete de assinar o Tratado de Tordesilhas que deu aos Portugueses a melhor posta da América do Sul, contribuindo assim para um começo de instauração do V Império.).

 
4 - E se, no século xxiii .?

Voltando ao tal desideratum que falta cumprir-se, ou à segunda parte dele, quem sabe se não estará afinal a pouco e pouco a cumprir-se, em ciência, arte, mistério e utopia - que tantos são os ingredientes de que se utilizam os tais autores da lusitana aventura a que aludi acima, e dos quais falarei mais adiante - ou pelo menos dalguns dos que me parecerem mais ilustrativos para o que tenho em mente dizer-vos.

Em seus voos de antecipação, Agostinho da Silva revela-nos que as cinco idades se encaminham para - e culminam com - o que já nos aconteceu depois  : «Milagre seria que Portugal tivesse escapado incólume de todos os graves, profundos acontecimentos que, durante os séculos xxi e xxii , tanto mudaram a face da ecúmena.» (Silva 1988, 99). Eis que entramos no resvalante território da antecipação, coutada tão do agrado dum expressivo número de obras da chamada «ficção científica» (FC) - e Agostinho da Silva não hesita em inventariar de seguida os tais «graves e profundos acontecimentos» que transformaram a «casa planetária», ou a grande aldeia do nosso globo, durante os séculos xxi e xxii .

Realcemos apenas um ou dois desses acontecimentos, reportados por quem já se encontraria instalado no século xxiii : Portugal e a terra eram o mesmo, coincidiam, ninguém era dono de nada, e Tomar passou a ser o centro de acção encarregado de tudo o que pelo mundo se exprime em línguas ibéricas: «Somos agora livres, não de voar, como uma cantiga do século xx , mas de criar, o que é melhor: nosso reino é o sonho, nosso palácio o concreto.» (Silva 1988, 102).

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