SÍMBOLOS GEOMÉTRICOS E ALGÉBRICOS NA ARTE:
Almada e Lima de Freitas
RAQUEL GONÇALVES

Dizia Albert Einstein que:

a mais bela experiência que podemos ter é a do misterioso. É esta a emoção fundamental que está na origem da verdadeira Arte e da verdadeira Ciência. Quem não a conhece, quem não pode mais maravilhar-se, é como se estivesse morto, com os olhos fechados.

Einstein, para além de nos fazer compreender que a experiência do misterioso é a raiz fundamental, quer da Ciência, quer da Arte, instiga-nos a ter os olhos bem abertos sobre o mundo.

Como o rapaz pintado por Paul Klee (1879-1940) em 1933 que se desenha na tela denominada «Aluno».

Quem será? Muito provavelmente o próprio Paul Klee. É um quadro de pequeno formato, 35,0 x 26,5 cm, o que acentua o seu caracter intimista e confidencial. Tem sido considerado um auto-retrato por muitos analisadores de arte.

Sobre ele escreveu Constance Naubert-Riser:

Uma simples oval repousa sobre uma linha de ombros descaídos. O ponto de contacto entre a oval e o arco de círculo parece sugerir que a “cabeça” está prestes a cair a qualquer momento. O contorno simples transmite através dum único gesto toda a ansiedade por detrás das sobrancelhas franzidas. Com uma notável economia de meios, Klee transmite na mesma imagem uma profunda insegurança perante os acontecimentos e uma determinação de, apesar de tudo, vencer. 

 
1. Oval, círculo, 3, 5, 4, 8 e o pássaro azul

As formas geométricas – linhas, ângulos, superfícies e sólidos - terão sido, ao longo dos tempos, o aspecto científico de maior influência na inspiração artística. Primeiro, pelo simbolismo a elas associado desde a Antiguidade, enriquecido através de séculos pelas metamorfoses inerentes ao estilo de cada artista. Mais tarde, como economia de meios, especialmente com o surgimento do cubismo, acentuado por jogos de cores onde o preto-e-branco não tem menor valia.

A oval e o arco de círculo, de que se serviu Klee para expressar o retrato psicológico do «Aluno», são exemplos imediatos da utilização da “economia de meios”; mas, não exclusivamente.

De forma implícita ou explícita, também a Álgebra – o alfabeto do número – tem desempenhado papel fundamental na pesquisa teórica e plástica subjacente à cultura da Arte.

A tela «Números Apaixonados», do pintor futurista italiano Giacomo Balla (1871-1958), é um bom documento do fascínio exercido, em simultâneo, pelo mistério das formas geométricas e dos números na criação artística.

Três, cinco, quatro e oito … 

Três são os elementos da Obra alquímica: o enxofre, o mercúrio e o sal. Três são as fases da Obra alquímica: a “obra ao negro” (o solve ou nigredo), destruturação e separação, a “obra ao branco” (o albedo), purificação e sublimação e, finalmente, a “obra ao rubro” (o rubedo), a coagulação que desembocará na Pedra Filosofal. Cinco é o sinal da união, do princípio celeste (3), masculino, e do princípio terrestre (2), feminino. Cinco é o algarismo da quinta-essência ou éter ou Pedra Filosofal, brilhante, fomentadora de sóis e de estrelas, alma do mundo uno e múltiplo. Quatro é o símbolo do quadrado e da cruz. Quatro são os elementos da teoria dos quatros elementos (Ar, Fogo, Água e Terra), aristotélica e alquímica, da teoria dos quatro humores vitais (mucosidade, atrabílis ou cólera negra, sangue vermelho e bílis), da teoria dos quatro temperamentos (linfático, sanguíneo, nervoso e bilioso) ou, ainda, da teoria das quatro portas (Sheriat, Tarikatt, Ariff e Hakikat) que se abrem a certos iniciados que enveredam pela via mística. E, sobrepondo-se a todos os outros, o oito, o número revelador do equilíbrio cósmico, infinito “deitado” da bem-aventurança da matemática simbólica. 

E o que dizer de «Números Imaginários» do surrealista norte-americano de origem francesa Yves Tanguy (1900-1955)? Num cenário espectral, desolado e fantasmagórico, formas polidas e regulares dispõem-se em montículos com alguma ordem e não menor inquietação. Em suma, um cemitério perturbador de pedras sob um céu cinzento de chumbo igualmente perturbador.

Tudo é disposto de acordo com o Número – disse Pitágoras (citado pelo filósofo grego Jâmblico); Os números são os invólucros visíveis dos seres – disse São Martinho.

Se o número, na sua afirmação simbólica, representar um princípio vital, então, o número imaginário pode interpretar-se em oposição: fantástico, ilusório, vão, sem realidade, isto é, sem vida. Por vezes a simbologia associada à forma geométrica ou ao número é pertença (quase) exclusiva de um artista, não tem (aparentemente) o carácter universal que antes lhe atribuímos.

O exemplo mais conhecido é, sem dúvida, o do pintor espanhol Joan Miró (1892-1983). Em «O Ouro do Azul», de 1967, como em várias outras obras do autor, a esfera azul é eventualmente um pássaro, cuja linha de voo atravessa o quadro na horizontal; uma mulher grávida - dois círculos negros de diferentes raios, um segmento de recta e uma pequena curva - observa a cena; a curva negra, pronunciada, representa metaforicamente
um abraço envolvente; e, por fim, a série de estrelas, tão característica em Miró, é conseguida com intersecções de simples segmentos de recta. 

O ineditismo simbólico, tal como o pássaro, atravessa a tela de lado a lado.

Mas o pássaro azul é a ave da felicidade, voa para o outro lado do espelho. É uma ave de sonho que desperta no homem.

O desejo de pureza e uma sede de sobrenatural – pela palavra de Wassily Kandinsky, o famoso pintor nascido russo, depois naturalizado alemão e, finalmente, por virtude do nazismo, francês como os demais seus amigos.

E o estado fisiológico da mulher, desenvolvendo o produto da concepção, lembra o forno do alquimista – o athanor – onde os metais vis amadurecem, lentamente, e se transmutam em ouro – o “ouro do azul”, como o próprio nome da tela indica. E as estrelas complementam a transfiguração: todas elas, infalivelmente com oito pontas, encerram o simbolismo da ressurreição, de Cristo como do homem.

 
 
II Colóquio Internacional Discursos e Práticas Alquímicas (1999).
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Discursos e Práticas Alquímicas". Volume II (2002) - Org. de José Manuel Anes, Maria Estela Guedes & Nuno Marques Peiriço. Hugin Editores, Lisboa, 330 pp. hugin@esoterica.pt
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