Em 1968, Almada Negreiros assina «Começar», o painel do átrio de entrada do edifício principal da Fundação Calouste Gulbenkian em Lisboa. É uma construção geométrica intrincada, onde linhas rectas e linhas curvas se intercruzam na parede calcária por um processo elaborado e criativo.
Segundo José-Augusto França, o painel pode ser subdividido em quatro leituras. Numa descrição muito rápida, da esquerda para a direita, encontraremos:
- primeiro, a representação do “número de ouro”, através de um pentagrama estrelado inscrito numa circunferência;
- segue-se uma espécie de estrela de dezasseis pontas, apenas parcialmente visível e com aparente movimento giratório, o quatro vezes quatro que alimenta o desenvolvimento do homem e do universo, utilizado na suástica de errada interpretação nazi;
- a terceira parte é de novo uma estrela pitagórica de cinco pontas, a estrela flamejante com o seu centro místico bem delineado e as pontas irradiando a luz;
- finalmente, a quarta e última leitura, porventura a mais interessante e rica, refere-se à tentativa do traçado do Ponto de Bauhütte:
Um ponto que está no círculo
E que se põe no quadrado e no triângulo.
Conheces o ponto? tudo vai bem.
Não o conheces? tudo está perdido.
Este segredo da arquitectura (na Catedral de Estrasburgo, por exemplo) e da pintura clássica foi imagem obsessiva para Almada que neste painel iniciou tentativamente o seu cálculo geométrico (e daí provavelmente o nome do próprio painel: «Começar»)(1).
O traçado geométrico deste ponto simbólico vai encontrar a sua plenitude em Lima de Freitas.
Lima de Freitas, no seu percurso pré-iniciático, estabeleceu contacto com Almada Negreiros. Também em discurso directo:
(...) foram horas de conversa mas só ele (Almada) falou, com aqueles seus olhos enormes, que pareciam dois holofotes trespassando-me.
Os temas principais que uniram estes Mestres foram o número e o seu significado e a geometria (sagrada) e o seu significado. Pitagóricos, que ambos o eram ou se tornaram na conquista da tranquilidade, usaram a cor, o traço, o desenho e a pintura - a literatura, também - e a linha, o ângulo, a superfície e o sólido; e o alfabeto precioso da numerologia.
- Explique-me a razão nove sobre dez - inquiriu Lima de Freitas;
- E a importância do triângulo... – inquiriu ainda.
Almada Negreiros explicou e Lima de Freitas nada entendeu. Nada!, o que foi muitíssimo. Anos após, lido o livro ao contrário, usando uma lógica que não é a Lógica, o "novo" Mestre ultrapassava o "velho" Mestre e encontrava o traçado correcto do Ponto de Bauhütte, a fracção (ou razão) 9/10, chave alquímica do Conhecimento. |