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A PEDRA DE COBRE
A CIÊNCIA E OS SEUS OBJECTOS
Algumas questões suscitadas por um bloco de cobre
que pertence à História da Ciência portuguesa
Isabel Serra
 
4. O ESTUDO E DOMÍNIO DA NATUREZA
e os objectos da ciência actual 

Se se tiver em conta o que atrás foi dito, poderia pensar-se que o que a ciência estuda actualmente tem pouco a ver com a natureza, tal como ela existe. O seu objectivo actual é estudar o mundo artificial e sintético que criou. É fácil encontrar exemplos comprovativos da veracidade desta afirmação. O químico estuda os novos materiais, polímeros e outros que sintetizou em laboratório, com o intuito de descobrir ainda outros, cujas propriedades se ajustem às necessidades entretanto surgidas; o biólogo vai estudar as espécies transgénicas que criou em laboratório e na medecina estudar-se-ão as novas doenças resultantes da vida neste mundo artificial que o homem fabricou. E assim sucessivamente, é possível encontrar mais, e cada vez mais exemplos, que ilustrem exaustivamente a afirmação feita. 

Claro que esta forma de apresentar a questão é discutível. De facto, poder-se-ía objectar que não tem sentido distinguir natural e artificial, pois o natural não existe para a ciência. Ou melhor, que aquilo que a ciência trabalha, não é a natureza tal como ela existe. O próprio acto de reflectir, estudar, e tentar dominar o mundo exterior transforma-o de imediato em mundo "artificial". 

No entanto, mesmo antes contestar desta forma, a afirmação de que a ciência deixou de estudar o natural, poderíamos começar por negá-la, dizendo que a ciência estuda os objectos que criou apenas para compreender melhor a natureza, ou seja, não subverteu, de forma alguma, o seu objectivo primordial, apesar de, entretanto, se ter proposto objectivos adicionais. 

Embora o estudo do sintético seja uma característica importante, e por vezes eticamente preocupante, da ciência actual, é possível encontrar exemplos simples e significativos, de que um dos objectivos da ciência é ainda o estudo do comportamento da natureza. De facto, existe investigação científica, recorrendo a meios extremamente poderosos e sofisticados, destinadas a cumprir objectivos próprios da ciência do fim do século XX mas que dão, na prática, respostas a questões que o homem levantou desde os primórdios da racionalidade. É o caso da origem do Universo e dos aceleradores de partículas. Tais máquinas constituem um expoente dos OBJECTOS da ciência, e foram fabricadas com o intuito de esclarecer a estrutura da matéria, questão levantada, e pode dizer-se mesmo, resolvida, pelos filósofos gregos. 

O problema do esclarecimento da estrutura da matéria foi posto de uma forma inteiramente nova na era da chamada microfísica, cuja emergência, nos fins do séc. XIX, princípios do séc. XX, é originada pela descoberta de novos fenómenos como os Raios X e a radioactividade. A história da física nuclear, de que faz parte a construção de aceleradores de partículas, começa precisamente aí, com a descoberta desses fenómenos e continua, no momento presente, com a construção de máquinas cada vez mais gigantescas, autênticos "pesadelos" alquímicos, onde tudo é possível fazer, até transformar ferro, (ou mesmo ar) em ouro. Ora acontece que, para além de permitir estudar a natureza desse ponto de vista, ou seja, a estrutura da matéria, os resultados obtidos têm permitido também esclarecer pontos obscuros sobre a origem e a história do Universo. Ou seja, esses superartefactos estudam a natureza nos seus infinitos, o infinitamente pequeno, o infinitamente grande, o infinitamente próximo e o infinitamente distante no tempo. Eles são a maior prova, no sentido próprio e figurado, de que o grande objectivo da ciência continua a ser o conhecimento das forças do Universo e os seus maiores motores são, ainda e sempre, a curiosidade e o puro gosto de saber. Por outro lado, se existem descobertas importantes a fazer, no conhecimento da natureza, elas pertencem certamente ao domínio da física das altas energias e da relatividade.

 
Discursos e Práticas Alquímicas. Volume II (2002) - Org. de José Manuel Anes, Maria Estela Guedes & Nuno Marques Peiriço. Hugin Editores, Lisboa, 330 pp. Online no TriploV.