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A PEDRA DE COBRE
A CIÊNCIA E OS SEUS OBJECTOS
Algumas questões suscitadas por um bloco de cobre
que pertence à História da Ciência portuguesa
Isabel Serra
 

3. O DOMÍNIO DA NATUREZA 
e os novos objectos científicos 

O domínio da natureza, uma ideia dos cientistas do Renascimento, só adquire uma dimensão importante e visível para o homem comum com as grandes descobertas do séc. XIX e com a revolução industrial. Esse domínio é traduzido, em termos práticos, pela construção de objectos que utilizam os efeitos, fenómenos naturais, descobertos, estudados, compreendidos e analisados por vezes até à exaustão. O funcionamento de grande número dos objectos da sociedade industrial baseia-se nesses fenómenos, tais como os meios de produzir movimento, luz e calor. Também os "novos materiais" produzidos pela indústria química, ou os organismos geneticamente modificados dos biólogos, resultam dum profundo conhecimento de como funciona a natureza de uma grande capacidade de a dominar e, podemos mesmo dizê-lo, de a imitar fazendo muito melhor que o criador. Basta pensar na perfomance que consiste, por exemplo, e dando um único exemplo, em "fabricar" alimentos naturais que são se detiorem com o calor. Independentemente das consequências, e dos problemas éticos, que podem resultar desse poder, não há dúvida que o objectivo da ciência renascentista, assinalado por Lenoble, foi cumprido e mesmo largamente ultrapassado, pelo menos nalgumas áreas do saber. 

Por outro lado, a produção de objectos não serve apenas as necessidades do dia-a-dia, alimentares, energéticas ou de comunicação. Ela parece ser uma condição do próprio estudo dos fenómenos naturais. De facto, os cientistas, para estudarem a natureza, utilizam também artefactos, cada vez mais poderosos, espectaculares e sofisticados. Eles estão presentes no nosso dia-a-dia, ou na nossa paisagem, em áreas de conhecimento tão diversas, como a medicina, a astrofísica ou a física das partículas. E esses objectos, intermediários entre a natureza e o seu conhecimento pela espécie humana, tornam-se cada vez mais os objectos da ciência, pois a sua concepção, fabricação e funcionamento exige investimentos de meios humanos e materiais, que não param de crescer. 

Claro que a questão não é tão simples como a que foi descrita, pois apesar do enorme alargamento do conhecimento e do domínio da natureza, parece haver ainda muito por fazer e às vezes ainda mais do que no início desse período, o Renascimento, em que o domínio da natureza passou a fazer parte dos objectivos da ciência.

Mas, no entanto, não essa a questão principal que queria abordar aqui; ela foi-me suscitada por outra questão, já referida, a dos objectos da ciência. Do desenvolvimento e evolução desta forma de conhecimento sobre os objectos "naturais" resulta a produção de muitos outros objectos, estes "artificiais" que passam a constituir o objectivo e a principal razão de existir da nova ciência da era industrial. Parece ter havido, pelo caminho, uma deturpação desse objectivo assinalado por Lenoble como sendo o objectivo primordial da ciência - o conhecimento da natureza. Na sua febre de domínio, partir de um dado momento, os cientistas deixam de estudar a natureza para passar a dedicar-se à investigação dos objectos, "artefactos" que produziram com a finalidade de a estudar ou de a dominar. 

Frequentemente, a ciência de hoje parece afastada do que existe "naturalmente" ocupa-se essencialmente de fenómenos e de processos, e também, de materiais e de organismos sintéticos e manipulados, ou seja, artificiais. Podemos dizer que a evolução da ciência conduziu à criação do seus próprios objectos de estudo, subvertendo-se assim a sua primitiva finalidade - a de estudar a natureza.

Evidentemente, em certos casos, como por exemplo no estudo dos climas ou das galáxias, o conhecimento da natureza, tal como ela existe, aparece ainda como o objectivo principal. Mas por quanto tempo? Apenas até ser possível ao homem mudar a chuva e o vento a seu bel-prazer e controlar a evolução do Universo. 

A evolução "natural" da ciência fabricada pelos humanos parece ser sempre essa. Depois de um período, mais ou menos longo, em que acumula conhecimentos sobre uma dada realidade, o homem transforma-a, com base nesses conhecimentos e, com essa transformação, cria novos objectos para a ciência.

 
Discursos e Práticas Alquímicas. Volume II (2002) - Org. de José Manuel Anes, Maria Estela Guedes & Nuno Marques Peiriço. Hugin Editores, Lisboa, 330 pp. Online no TriploV.