REFLEXÕES EM TORNO DE UM BLOCO DE COBRE* Isabel Cruz Centro Interdisciplinar de Ciência, Tecnologia e Sociedade da Universidade de Lisboa |
Visualmente, a experiência resulta no aparecimento de uma camada sólida de coloração avermelhada sobre um artefacto de ferro (geralmente um prego), acompanhada de um marcante esmorecimento no intenso azul turquesa do líquido onde aquele se submerge. Os professores de Ciências Físico-Químicas conhecem-na bem. Utilizam-na ao nível dos ensinos básico e secundário, apostando tanto na simplicidade da sua execução como na eficácia comunicacional dos seus efeitos. A Ciência explica-a em termos de uma interacção redox (termo da gíria científica obtido por contracção das palavras redução e oxidação). O líquido azul intenso é uma solução aquosa de sulfato de cobre (os iões cobre hidratados são os responsáveis por essa cor). O objecto de ferro nele mergulhado, permite a troca das espécies: o cobre abandona o meio aquoso de que era um residente iónico e vai depositar-se na forma metálica , «aninhando-se» sobre a superfície do objecto, ao mesmo tempo que deste se desprendem iões ferro para o meio líquido. A alteração da cor da solução tem a ver com este vai-vém iónico: o esmorecimento do azul, porque perde conteúdo em iões cobre, e o amarelecimento progressivo, porque ganha em iões ferro. Os químicos abreviam, dizendo que se verificou uma transferência de electrões entre as duas espécies, sendo o cobre a reduzida e o ferro a oxidada. Naquele dia não a reproduzi para uma turma de alunos - nem sequer estava numa sala de aula ou no laboratório. Apareci com um modesto aparato - alguns pregos, um pequeno copo de precipitação e um pouco de sulfato de cobre aquoso dentro de um frasco de aspecto não muito científico - apostando numa intervenção rápida, correcta e discreta. Tinha-me sido pedido que fizesse esta experiência como demonstração do processo químico subjacente a parte de um procedimento mineiro, praticado, com maior ou menor maestria e cientificidade, ao longo de muitos anos. “Cementação natural” era o processo (natural, porque copiado da própria Natureza). Eu entrava na fase final, precisamente a altura em que o cobre é retirado dos tanques cheios com as águas-mães resultantes da rega prolongada de montões de pirite, por contacto com o ferro (geralmente sucatas ou lingotes) adicionado. A ideia era demonstrar à assistência CICTSUL que o fenómeno era verificável, e mais nada, impossibilitados que estavamos de nos podermos reportar à realidade física de um ambiente mineiro. Apercebi-me então de alguma expectativa. Fiquei aflita. Receava decepcionar, afinal tratava-se de uma simples e banal experiência, ainda por cima corria o risco de resultar pretensiosa: copos de precipitação não são tanques de cementação ou lagoas de S. Domingos ou Rio Tinto, pregos não são sucatas nem lingotes de ferro, o ligeiro sedimento de cobre não é uma cáscara ... e as pirites, onde estavam? Bem longe do contexto real, assim como de um ambiente laboratorial, fiz o que pude para «defender a causa». No final constatei não só que a mensagem tinha chegado ao receptor - o processo químico tinha sido entendido - como me apercebi (uma outra vez) da força comunicacional de uma demonstração experimental. Uma experiência oportuna «agarra» um público (e quantas vezes convence) ainda que com meios limitados. |