REFLEXÕES EM TORNO DE UM BLOCO DE COBRE*
Isabel Cruz

Centro Interdisciplinar de Ciência, Tecnologia e Sociedade da Universidade de Lisboa
 
1. O bloco de cobre

Um dia, após uma das reuniões gerais do CICTSUL, a Maria Estela Guedes abordou-me com uma questão a respeito da designação «nativo» em relação a um objecto. O objecto era o bloco de cobre e esta terá sido a primeira vez que me falaram dele.

Algum tempo mais tarde, poderei ser encontrada na biblioteca do Museu Bocage, junto com a Alice Martins e a Catarina Leal, às voltas com o dito bloco. Bem, na realidade não se tratou de um verdadeiro manuseamento -  a expressão utilizada induz em erro – procurava-mos reproduzir, isso sim, a partir dos relatos em documentos, a forma de um bloco de cobre.

Caneta em riste, leitura atenta, alguma discussão e discordância de conceitos (afinal a medida também tem as suas ambiguidades), e lá se conseguiu passar da descrição em termos de palmos de comprido e palmos de largo, para uma visualização convenientemente acomodada à geometria Euclidiana.

A Maria Estela seguia tudo com muita atenção, procurando compreender o que nós víamos e tentando fazer-nos compreender o que não víamos. Com habilidades de prestidigitadora, colocava debaixo dos nossos olhos os vários textos referentes ao achamento do cobre em terras do Brasil, que retirava do computador como coelhos da cartola. Com o seu tom tranquilo, ia-nos falando das incongruências - «floresta de enganos», como mais tarde se lhes referiu o José Augusto Mourão –  neles encontradas.

Este foi o meu segundo contacto com o bloco de cobre. O terceiro serviu definitivamente para que o tema não mais deixasse de evocar o meu interesse e curiosidade : a indicação por parte da Estela Guedes de uma possível ligação do bloco de cobre a uma origem pirítica resultou fatal, e provocou uma sequela de conversas e esclarecimentos mútuos que têm durado mesmo até agora, na tradição da melhor saga brasileira.

Aos poucos fui-me inteirando de uma história do bloco, guiada pela erudição de quem sistematicamente procurava esclarecer as questões que em torno deste ainda prevaleciam. Com tanta coisa porém, o bloco para mim era somente uma construção no abstracto, um objecto cultural. Um dia decidi-me e fui procurá-lo. A exposição CulturaNatura abrira a porta que tinha estado fechada; à medida que me aproximava, a luz da jardineta revelava-me as suas dimensões, a cor, os torneados e as reentrâncias, a forma. Surgiu-me como um objecto notável. Uma obra de arte.

Fiquei algum tempo parada em frente a ele, ao objecto natural, observando-o e desfrutando da sensação peculiar que uma mistura de reconhecimento, familiaridade e fascínio me produzia.

Mais tarde, ao reflectir sobre o sucedido, soube que a eloquência morfológica dos objectos naturais que já vira não chegara afinal para transformar encontros em acontecimentos. Um penedo, indeciso na cor e irregular na forma, ao qual nem o inesperado de uma inscrição, a conferir uma nota de grotesco à sua quase feiura faltara, fizera a diferença – fora um acontecimento ir ver o bloco de cobre ao Museu Nacional de História Natural.