MARTINHO DE MELLO E CASTRO
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O bloco referente e a referida pedra |
Porque é que se debate esta peça de museu num colóquio de alquimia? Primeiro, porque é alquímica. Segundo, porque a sua história pertence à História da Ciência Maçónica. Distingamos duas entidades: a referida pedra e o bloco referente. Acerca deste, conservado no Museu Nacional de História Natural, ignoro quase tudo, pois o acesso ao seu conhecimento foi bloqueado, a começar pelo modo de exposição: semi-enterrado no pedestal. Este processo não permite verificar informações que acerca dele a ciência tem prestado: peso e medidas. Não sendo possível testá-lo, direi apenas que, pelo menos provisoriamente, é um objecto metafísico. Alquímica é a referida pedra, isto é, a personagem com que nos regalam as quatro dezenas de depoimentos que recolhi na bibliografia, e que podem ser lidos como um romance, na parte de manuscritos e catálogo. É alquímica por se transmutar como o dodó, as ilhas e as lagartixas das Baleares. Por exemplo, os textos divergem quanto à sua proveniência, peso e medidas. Vou ignorar Nazaré, Santiago do Iguape, etc., para reduzir a só duas as origens: a terrestre e a extraterrestre. De facto, Spix & Martius, não conhecendo nenhuma formação telúrica susceptível de originar tal massa cuprífera, exprimem a opinião de que se tratava de um meteorito. O referente, fosse ele alquímico além de metafísico, não podia estar sujeito a mais de dois pesos e medidas, como acontece com a referida pedra. Vandelli atribui-lhe os seguintes pesos nas suas diversas memórias: 2666 arráteis, como informa a inscrição latina, e isto corresponde a mais de uma tonelada; 1666, emendados para 2666; 2616 e 2619. Para não se enganarem, Spix & Martius dão dois pesos no mesmo texto – 2666 e 1666 -, considerando assim 1666 um número certo, apesar de ter sido corrigido. Sendo de mil a diferença entre 2666 e 1666, parece muito significativa. Porém, o que está carregado de significado é o que nos dois pesos é comum, o 666, e este, sim, é o verdadeiro peso da referida pedra na balança da simbologia. Como se nota, o registo maçónico no discurso da ciência é discreto mas não secreto. Isto é fundamental que todos saibamos, pois quer dizer que não se trata de código só para iniciados. Não sendo só para iniciados, mas mantendo certa reserva, então é preciso concluir que ele selecciona leitores, mas não é a nós que exclui. O discurso das gralhas, Langue des Oiseaux, como explicou Richard Khaitzine, deseja cumprir o seu destino como informação. Grito de desespero, ele estrebucha entre comédia e tragédia para a paródia ser detectada, mas não pode ser mais claro porque pesa sobre ele uma ameaça. Ora as duas entidades de quem a maçonaria tem tido necessidade de se ocultar, ao longo dos tempos, são a Inquisição e a Polícia. Segundo número significativo na inscrição é a data: 1782, ano da morte do Marquês de Pombal. Se a maçonaria gozara de liberdade de movimentos durante o seu ministério, e se paralelamente a nobreza foi encarcerada, com a viradeira, a nobreza sai dos calabouços, para os ceder à maçonaria. Quanto a palavras, fiquemos só com a notícia acerca do cânhamo, a abrir a apresentação de Vandelli da pedra de cobre na Academia das Ciências. Na quinta de Pina Manique, estas plantas atingiam extraordinário comprimento, ninguém diz qual, nem é preciso, sabendo nós que eram tão compridas como o braço do Intendente Geral da Polícia, e que por isso chegavam do Samouco à Cachoeira, na Bahia. Nesses tempos, o cânhamo que interessava ao naturalismo era a Cannabis sativa, não a indica. Com a sativa fabricam-se cordas, e as cordas servem para prender, o que é atributo da Polícia. Os “Instrumentos em pública forma dos termos de declaração e sequestro de uma pedra de cobre de 30 arrobas, achada em Nazaré”, dão conta de vários factos incríveis, como a instantânea rapidez da Justiça, na pessoa do juiz de fora, Marcelino da Silva Pereira: a pedra foi achada no dia 19 de Fevereiro de 1782 em terras do capitão Gonçalves; o achamento foi declarado à Justiça no dia 20 pelo alferes Trindade; de 19 para 20, os bois do capitão Gonçalves arrancaram a pedra do ribeiro de achamento, em Santiago do Iguape, e levaram-na para outro lado; no mesmo dia 20 descobre-se o furto, este é participado à Justiça, e Marcelino da Silva Pereira emite mandado de sequestro da pedra e ordem de prisão ao capitão Gonçalves, para averiguações, caso o cobre não estivesse em sua casa; ainda no dia 20, o alferes Trindade descobre-o em casa do capitão Gonçalves, e neste mesmo dia a Justiça sequestra a pedra e institui o ladrão em seu fiel depositário, até lha reclamar. Entretanto, de 19 para 20, a pedra muta de número, proveniência, peso e medidas. Mais importante, porém, é reparar que a sua história se articula sobre estes eixos de sentido: é um objecto sob o signo de Pombal e de ameaça por parte de Pina Manique, objecto que logo no achamento fica entre Exército e Justiça, e que acusa a Justiça de dois pesos e duas medidas, ou mesmo mais. O que também relaciona a pedra com os problemas do Brasil é o uso que se tem feito da inscrição. Nunca a vi traduzida, mas tem sido muito copiada, e quase sempre na língua das gralhas. Há quem crocite mais de doze ao transcrevê-la, e com isto a pedra até muda de século e os reis passam a ser outros (Spix & Martius ou Eschwege). Mais significado tem no entanto a transcrição de Bettencourt Ferreira, apesar de só albergar três gralhas. Mas as últimas são mais estridentes que o grito do Ipiranga: em vez de copiar o que daria “Prefeitura da Bahia”, escreve “Brasiliensi Praefactura”, ou seja, “primeira factura brasileira”. Porque é que todos copiam mas ainda ninguém traduziu a inscrição? Eu não tenciono fazê-lo, sei muito pouco latim. Se tivesse de traduzir, cometeria logo à entrada um erro de 666 arráteis históricos: Aos Imperadores Maria I e Pedro III… Então esta história tem implicações políticas, sociais, económicas e policiais. Pina Manique encarcerava no Limoeiro todos os que lhe pareciam suspeitos. Bastava às vezes serem ruivos, como Brotero, para os amarrar com cordas de Cannabis sativa. Brotero uma vez foi preso por a cor do cabelo ter sido tomada pela de um estrangeiro; as cores avermelhadas eram muito perigosas, a Polícia confundia-as com a Revolução Francesa, tudo quanto fosse estrangeiro era francês, tudo o que fosse francês era maçon, por isso ia para a prisão, o que causava enormes embaraços à diplomacia, incluído Martinho de Mello, que costumava passar cartas de recomendação a naturalistas franceses que vinham explorar territórios ávidos de Luzes, caso de d’Orquigny, que fundou uma loja em Lisboa e outra na Madeira (Loja). Ora sempre que Pina Manique perseguia os protegidos de Mello e Castro, o Limoeiro transmutava-se em Acácia e as plantas de Cannabis sativa produziam a pedra da indica. >>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>>O ministro e as minas de cobre |