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MARIA AZENHA
TRÊS POEMAS E UM QUARTO

(Leyla, uma jovem iraniana de dezanove anos, várias vezes negociada, é condenada à morte por lapidação, pelo tribunal de Arak)


há um barco negro no teu corpo
neste mundo sombrio que escurece os dias
o vento leva-me contigo para longe
ouço a tua voz encostada aos meus ouvidos
é uma lâmina de febre uma sombra que cresce
pela baínha dos meus vestidos
não me conheces todavia estás tão perto
dás a volta ao mundo num presépio 
uma ligadura infinita
uma extensa carta feita de pó do deserto

mais além o coração com golpes os destroços
os teus pequenos braços soterrados no vazio
por um punhado de moedas que te vendiam
tanto desgosto tanta solidão Leyla
és tu que estás no centro do presépio
este natal

tu nós e o teu filho


2004, dezembro, 23, lisboa

 
Chevalier-à-la-Rose
 

Para que ouças as minhas palavras

e eu dispare as flechas do meu coração

deito-me no poema do teu sangue,

por fogo

por amor,

em tua boca silenciosa.

 

 

Sabes o caminho dos relâmpagos

e da noite azul,

flor de intemporalidade pura.

 

Derramas sobre a Terra

a luz indócil,

a música do céu,

em deslumbradas pedras.

 

Quando passas em Silêncio,

ó lâmpada do Sol,

as árvores incendeiam-se nas águas

as mais puras.

 

Sustentas o crepúsculo

os deuses do futuro

em tuas mãos de Apolo.

 

 

Chegou a hora da Esperança,

minha pátria,

minha lança,

 

minha

flor de tule,

 

Rosa da Aurora,

 

 

Chevalier-à-la-Rose. 

 
uma música oculta
 

sou uma árvore toda virada para dentro

com seus diamantes mortíferos: atravessam-na

os dias com suas lâmpadas silenciosas

e feridas inquietas: é um lugar hermético.

um lugar onde recebo uma inspiração violenta

e secreta: uma faca de luz

cravada por dentro da minha cabeça.

um pensamento que amadurece no sangue

em seu movimento ardente.

 

não sei que mão escreve este incêndio

de escrita. às vezes esta mão desenha

uma só labareda que incendeia tudo.

e penso no seu espírito.

- ofício inquieto e louco - terrível

uma palavra que sangra para dentro

dos meus ouvidos.

 

digo: uma música oculta. 

 

Pintura inspiradora de Jake Baddeley. In: http://home.wanadoo.nl/jakebaddeley/www/
Poema inspirador: http://www.triplov.com/estela_guedes/creatio_flama/dia_um.html
 
Dança primeva
 
o deus a que chamais Deus não é deus
é carbono puro um diamante
que geometriza no ante-dia da luz
uma esfera de silêncio soltando pétalas de H2 e O
fazendo o seu discurso no ninho do núcleo
traçando rectas curvas portas luminosas
gotas de fogo solitários versos de chuva

brilha no centro das horas do Abismo
resplandece roda tece
o primeiro rascunho surge
uma mão pousada em Vénus outra em
Ain Sof

são de água e curvas as suas vozes
na delicada toalha de luz e pó
portas de prata os símbolos
as uvas crescem no ventre invisível de Kether
os dedos apontam os ramos das rosas
finos dedos de azeite e Sol de mãos dadas
muito antes de Mercúrio ou de Apolo

eis a linguagem primeva da Luz
com o Sonho rodando em torno do seu núcleo
uma dança de ritmo sete uma dança-prisma
cega e luminosa
de
carbono
puro




(maat7)
 

maria azenha

2005,jan.,3, lisboa 

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