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MARIA AZENHA

DA MATEMÁTICA E DA POESIA (1)

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1.INTRODUÇÃO

Esta curta reflexão "DA MATEMÁTICA E DA POESIA" pretende apenas focalizar a atenção para algumas componentes matemáticas da Poesia e/ou algumas componentes poéticas da Matemática.

Não se trata portanto de um discurso académico, embora possa, eventualmente, utilizar conceitos e estratégias académicas para levar a melhor termo o seu objectivo.

Todos os conceitos matemáticos nela utilizados, ou expressos, servirão naturalmente para iluminar algumas ideias no texto e contextos poéticos.

Através da Poesia rememorio o inventário do Universo.

Através da Matemática rememorio o verso no Um, ou no último-único verso, que se atinge através da Diversidade.

Essa Diversidade, que se atinge pelos desdobramentos sucessivos de um Eu poético, constituindo-se em entidades distintas, com personalidades diferenciadas e graduadas.

Essa foi a grande descoberta de Pessoa.

E é sobre isso que venho aqui reflectir.

Em síntese, e citando uma frase célebre:

SE DEUS NÃO TEM UNIDADE, COMO A TEREI EU?

E que Eu é este?

Como se mostra?

Como se revela?

O que constrói?

Onde pode chegar?
 

2. QUEM SOU: O EU POÉTICO

Podemos dizer que o Eu Poético é o navegador do "site" da Memória Universal, ou se quisermos restringir ou ampliar o campo das experiências do Eu, o navegador da memória noética, ou ainda de uma memória quântica do Universo.

Quer dizer pois que, perguntar pelo "QUEM SOU EU", pressupõe colocarmos uma outra questão:

QUE MEMÓRIA TENHO PARA RESPONDER AO " QUEM SOU"?

Vou contar-vos uma resumida história que nos irá induzir à questão anterior.

Durante milhares de anos o mundo foi visto como constituido por Ar, Água, Terra, e Fogo.

E era necessário ligar estes quatro elementos.

Então o Homem começou a falar na 5ª essência, que era o que os ligava a todos, e que era a responsável pelo aparecimento de todas as coisas.

Foi assim durante milhares de anos, com mais ou menos variações.

Surgiu então um senhor chamado Albert Einstein, que chegou à conclusão de que não era necessário explicar a existência das coisas pelo facto de haver Ar, Água, Terra, Fogo e a tal Quinta Essência.

Disse-nos ele:  

" TUDO O QUE EXISTE É CONSEQUÊNCIA DE HAVER ESPAÇO, TEMPO, MASSA E ENERGIA, LIGADOS POR LUZ"  

E como é a Luz que liga o Espaço, o Tempo, a Massa e a Energia, quanto mais longe estiver a Luz

(da Terra, ou do POEMA, que é a Terra do Eu Poético), mais depressa a Luz percorre o espaço, para poder ligar estas quatro componentes.

Mas interroguemo-nos a propósito do Tempo.

COMO CONTAR O TEMPO?

QUE REPRESENTAM OS TEMPOS PRESENTE, PASSADO E FUTURO?

A MEMÓRIA, COMO MÁQUINA ESTRUTURADORA DO CONHECIMENTO, PERMITE VIAJAR NO TEMPO?

Isto é: o Eu Poético que navega através da Memória navega no Tempo?

Em que Tempo ou Tempos?

Como contá-los?

3. COMO CONTAR O TEMPO

O Tempo ao longo das civilizações foi contado de modos diferentes.

Por exemplo os Ìndios Navajos não têm uma só palavra para contar o Tempo.

Se estão a falar do tempo relativo a uma rocha, têm uma palavra.

Se o tempo é a relativo ao Ar têm outra palavra.

Se o tempo é relativo a uma pessoa têm ainda outra.

Isto é: o Tempo é sempre relativo.

E nós sabemos isso, pois o tempo para a rocha passa de modo diferente do tempo que passa por outros entes.  

Mas... o que representam os Tempos PRESENTE, PASSADO E FUTURO?

É curioso entender o pensamento dos Índios Navajos.

Para eles o PASSADO é o que está à nossa frente.

(porque é o que eu sei, logo, está à minha frente)

E o FUTURO?  

Bom, o Futuro está aqui mesmo por cima do Ombro

(pois é tudo o que eu não sei)

Por isso, o que eu não sei é o Futuro.

Vejamos como esta ideia se ilustra num poema de Ulisses Duarte :

Sem relógio, bússola ou sextante

(sem marcadores do tempo ou do espaço)

apenas com a têmpera do granito

és dentro de ti o imigrante  

entre o ser e o não-ser do infinito

(reparemos: o Eu Poético é o navegador do site da memória entre o ser e o não-ser ...do Infinito, ou seja entre o Sim e Não ...)

  na sombra das horas, no escuro

do tempo onde adormecem as afrontas

lapidas as arestas do teu muro...

(PASSADO)

e lá vais com a agenda onde apontas

os sonhos que derramam o futuro

(OS SONHOS QUE ESTÃO POR CIMA DO OMBRO)

como se no Futuro houvesse contas.

 

Então o tempo do Futuro não se pode contar? Só se pode sonhar?

E sonhá-lo é já contá-lo?

Diz a sabedoria popular: O FUTURO A DEUS PERTENCE.

E porque Deus sabe Tudo, não precisa de viajar.

Quero dizer:

Se o Poeta sabe Tudo, porque é esse Deus do Futuro, não carece de viajar no Tempo?

Então, viaja Onde?

No não-Tempo?

O que é facto é que inventámos uma máquina para viajar no Tempo.

Esta máquina chama-se MEMÓRIA - máquina para andar para trás e para a frente.

E há tantas escritas quantas as memórias:

As memórias, que podem ser fotografias.

As memórias que são as telas.

As memórias que são os pensamentos.

As memórias que são os átomos.

O Teatro é das formas de memória mais fantásticas que há, porque, para além dos pensamentos que se vão "evocando", vão-se mostrando também sentimentos.

E há coisas fantásticas que ficaram na memória do Universo.

Há coisas fantásticas que ficaram na Memória do Universo, sob a forma de química, de moléculas, e uma das mais interessantes aconteceu na era mesozóica, há cerca de 150 milhões de anos.

Não resisto a contá-la.

Há um tipo de vespas que inventaram uma molécula chamada APLODIPLÓIDE.

E... dos ovos que ficavam mergulhados neste composto químico nasciam vespas fêmeas.

Os que ficavam de fora, nasciam machos.

Foi com esta memória que foram inventados os sexos.

Ou seja: é na nossa memória que reside, de alguma maneira , o tal Passado, Presente e Futuro.

Então criar Memória é, num certo sentido, criar o Passado, que se torna Presente.

Como criar o Futuro? Ou Futuros?

Parece haver um modo: ou ser Deus, ou ser Poeta,(para saber Tudo), isto é, para ler e mostrar um Saber não fragmentado, que é o que não têm os Cientistas e os tecnocratas da Ciência.

Então o Eu poético passa a usar a memória da Luz, da clarividência poética, da Sabedoria, para unifica - versar ( para tornar uno o Verso), para que se torne claro

que "0 + 1 = 0" e não que " 0 + 1 = 1".

È bom relembrar que do Zero saiu o Um e deste saiu a Diversidade no Universo.

Ou seja: para que o Zero, que é o Tudo ou o Todo, ao operar sobre o Diverso, ou na Diversidade de " eus" poéticos, que é o Um, recrie em escrita esse Todo.

É o que o Poeta faz.

E fá-lo por aproximações sucessivas, consoante está mais próximo ou mais afastado dessa Luz, que é a Sabedoria.

Como se pudéssemos imaginar várias secções, sucessivas, numa pirâmide, secções essas que constituem os diversos Futuros que o Poeta vai criando, à medida que mergulha na Memória universal.

Na base dela assenta o Passado.

Quer dizer: A memória parcial que o poema ou o Eu poético revela, ou vai revelando, tende para a memória Total no tempo do Futuro Total (global).

Recapitulando: A memória está ligada à Luz.

A Luz está ligada ao Espaço, Tempo, Massa e Energia.

É a memória(que está ligada à Luz) que faz a tradução do cérebro para o Eu e do Eu para o cérebro.

Mas para que essa tradução seja possível é necessário que o cérebro contenha Unidades de Informação, isto é: Conhecimento.

UMA QUESTÃO A DEIXAR EM ABERTO: VIVEMOS NUM TEMPO EXPLÍCITO PARA ESTAS UNIDADES DE INFORMAÇÃO COM O FENÓMENO DA GLOBALIZAÇÃO?

NÃO ESTAREMOS A DEIXAR DE FORA A MEMÒRIA DO FUTURO?

Como dizia Sócrates: " Todas as vezes que traduzimos para uma linguagem falada (no nosso caso, escrita) a linguagem da Luz, esta fica como que "conspurcada" porque nunca é capaz de transmitir toda a sua "pureza".

Resumindo .

...

Mas que memória tem o "eu" poético para realizar-se como Criador de Futuros?

Certamente, a memória do Passado (o que tem à sua frente), o que envolve Conhecimento, ou as tais unidades de informação no cérebro, ou onde quer que seja , e a memória do Futuro, que envolve Luz.

É da síntese destas duas memórias que se origina o poema, como tempo único e construído, da Sabedoria do ser.

Para ilustrar um pouco o que foi dito, cito um poema de Jorge Luís Borges.

O MAR  

Antes que o sonho, ou o Terror, tecera

Mitologias e cosmogonias

Antes que o tempo se cunhara em dias,

O mar, o sempre mar, já estava e era

O mar quem é?

Quem é esse violento e antigo ser

Que rói os pilares da Terra,

E é um e muitos mares

E abismo e resplendor e acaso e vento?

Quem o contempla e o vê a vez primeira

Sempre com essa admiração que as coisas elementares

deixam, as formosas tardes, a lua, o fogo da fogueira

Quem é, quem sou?

Sabê-lo-ei no dia ulterior

Que sucede à agonia.  

 

E ainda,

SÓ UMA COISA NÃO HÁ  

Só uma coisa não há. É o olvido.

Deus, que salva o metal, salva a escória

E cifra na profética memória

As luas que serão e têm sido.

Já tudo está. Os milhares de reflexos

Que entre os dois crepúsculos do dia

 

Teu rosto foi deixando nos espelhos

E os que ainda irá deixando todavia.

E tudo é uma parcela do diverso

Cristal dessa memória, o Universo;

Não têm fim seus árduos corredores

E suas portas fecham-se ao teu passo;

Só do outro lado do Ocaso

Verás os arquétipos e Esplendores.

(Jorge Luís Borges)