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MARIA AZENHA

DA MATEMÁTICA E DA POESIA (2)

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3. A CONTAGEM

Iremos agora reflectir sobre a Contagem, como processo de pluralidade, primeiro concreta e depois abstracta.

Contagem, como processo de construção do Eu global, como iremos ver.

Disse Bertrand Russel:

"Muitas eras devem ter passado, antes que se descobrisse que um casal de faisões e um par de dias eram ambos ocorrências do número dois".

Ora, foi sem dúvida a CONTAGEM que consolidou a noção de PLURALIDADE CONCRETA num conceito abstracto homogéneo de número.

Isto é: se não usássemos a faculdade de contar, não poderíamos ter a experiência integrada de Pluralidade Concreta e depois o conceito abstracto de Número (este aparece como resultado de uma operação) e depois o conceito abstracto de Número.

Já vimos que o "eu poético" (mergulhado na luz da Sabedoria)pela memória do Passado e pela memória do Futuro(LUZ), vai fazendo a construção dos Futuros sucessivos, que são a matéria da escrita, ou sejam, os Poemas.

Estes Poemas são Unidades numa Aritmética Ontológica.

São "eus" que evoluem para outros "eus", através do espelho da Memória Integral, numa sucessão de memórias parciais, que tende no limite para o Eu Global, ou Total.

É o Eu potencial do Poeta que se metamorfoseia em sucessivos "eus" ou Poemas , de diversas personalidades , para atingir no limite o Poema Único , o Eu Total.
 

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MAS O QUE SIGNIFICA CONTAR, EM ÚLTIMA ANÁLISE?

CONTAR significa, em última análise, comparar duas colecções, sendo uma delas tomada para padrão.

Quando uma Colecção é finita, todos o sabemos,(isto é, com um número finito de elementos) sabemos dizer qual é o ÚLTIMO dessa Colecção.

Mas se a Colecção (ou conjunto) for infinita? Que significará o ÚLTIMO?

Se ela é infinita não há último!!!

Esta questão prende-se com o "último" da Sucessão dos Futuros parciais, dos futuros sucessivos, construídos por "eus parciais".

Pois, como já vimos, é este o trabalho do Eu Poético.  

Prende-se ainda com a heteronímia, que não é nem mais nem menos,na sua estruturalidade matemática, que uma sucessão de "eus" associados a "futuros parciais"(segmentos espaço-tempo), para no limite tender para o Último,ou para o Todo,o Eu Total (o Eu que representará todos os que lhe deram origem "ad infinitum".  

Mas se esta Colecção de "futuros sucessivos" (ou de "eus parciais") é infinita, como responder e saber qual o último "EU" (o Eu do Futuro Global)?

O que os perspectiva e reúne a todos?

Para respondermos a esta questão, teremos que reflectir sobre uma outra questão a que os matemáticos chamaram de: "O INFINITO E O SEU DILEMA"

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4. O INFINITO E O SEU DILEMA

À sucessão dos Futuros parciais, corresponde a sucessão dos correspondentes "eus parciais", com um número infinito de elementos, pela possibilidade aberta de o ser.

(O "EU" É UM INSTRUMENTO DA OBRA ABERTA).

Mas numa colecção infinita,como sabemos, não há ÚLTIMO!

E se não há "último", não há também último "Eu"!  

Isto é:

Não podemos conceber um limite à operação de contar.

Não sabemos qual o último "futuro", nem qual o último "eu".

Mas se não é possível determinar o último, ao menos podemos interrogar-nos sobre o significado de TODOS OS FUTUROS?

A resposta a esta questão prende-se com o SABER CONTAR O INFINITO!!!  

5. CONTAR O INFINITO

Foi CANTOR, um matemático do sec. XIX (1845/1918), quem teve a ousadia de "contar" o Infinito.

Ele baseou a sua contagem na noção simples de correspondência biunívoca (de cá para lá, e de lá para cá)

Como se o Infinito fosse uma Janela aberta.

Vejamos esta ideia no pequeno poema:

JANELA  

"Só quem não sabe ver o mundo

É só!

Até num grão de pá

Há um céu aberto!

 

O que é preciso

É abrir o Infinito

E tê-lo descoberto."

 

Mas continuemos... Diz ele, Cantor:

primeira descoberta:

É POSSIVEL CONTAR O INFINITO

Dois Infinitos são de igual potência se se corresponderem biunivocamente

(repare-se que ele substitui a ideia de número-quantificado pela ideia de potência).

Assim, por exemplo, o Conjunto dos Números Naturais tem a mesma potência dos Números Pares, e ambos são infinitos, sem lhes poder atribuir um número quantitativo para os contar.

Digo apenas que têm igual potência.

 

6. O TODO E A PARTE EM INFINITOS

segunda descoberta:

O TODO E A PARTE EM CONJUNTOS INFINITOS

Em conjuntos infinitos, uma sua Parte pode ser equivalente ao Todo. Consequências:

Então, quer dizer que a Colecção dos Futuros, como sistema infinito, e a Colecção dos "eus parciais",também infinita, se podem contar.

Mais:

Um conjunto de Futuros Parciais (ou um conjunto de "eus" parciais), como PARTE do Conjunto de todos os Futuros - (ou como Parte do Conjunto dos "eus parciais,"(FUTURO TOTAL, ou Eu Global), pode-lhe ser equivalente .

UMA PARTE SUA É EQUIVALENTE AO TODO, EM SISTEMAS INFINITOS, como Cantor demonstrou.

Mais, ainda:

O "FUTURO GLOBAL" E O "EU POÉTICO" SÃO INFINITOS DE DIMENSÕES DIFERENTES.

Visto que: o Futuro Global contém todos os Futuros, incluindo o "eu poético" que também é um Futuro.

Quer dizer: o Ssistema "eus" está contido no Sistema "Futuro Global", que contém além dos futuros parciais também o "eu poético" gerador de futuros, sendo portanto de dimensões diferentes, e infinitos.

Em suma:

O "EU POÉTICO", base geradora de futuros, é UM INFINITO PRÓPRIO DO "FUTURO GLOBAL" e equivalem-se.

Respondemos assim à primeira questão:

É possível contar o Conjunto dos Futuros Parciais.

E à segunda questão: A Parte e o Todo são equivalentes, equivalem-se portanto.

O conjunto dos Futuros Parciais, enquanto Parte do Conjunto do Futuro Global, é-lhe equivalente.

.O "Eu poético", gerador de futuros, é uma Parte do Conjunto do Futuro Global.

Falta-nos, todavia, compreender a que corresponde a palavra TODOS.

O que serão Todos os Futuros parciais?

O que serão Todos os Eus poéticos"?

 

7. AS ANTINOMIAS DE BERTRAND RUSSEL

SE SIM ENTÃO NÃO.

SE NÃO ENTÃO SIM.

Outro problema que se nos coloca é este:

REUNIR NUN ÚNICO CONJUNTO U TODOS OS CONJUNTOS é uma operação que encobre alguns riscos ou perigos.

Quer dizer: podemos cair, pelo fecho desta operação, numa classe ,ou conjunto de tipo diferente.

Passo a ilustrar esta ideia com dois exemplos.

Assim:

1º EXEMPLO : Pensemos na Classe C das não-chávenas . (não-poemas)

A Classe de TODAS as não-chávenas é uma não- chávena.

(o conjunto de todos os não-poemas é um não-poema)

Quer dizer: A CLASSE C PERTENCE A SI PRÓPRIA.

Ainda: SE NÃO, ENTÃO SIM.

2º EXEMPLO: Pensemos na Classe M dos monossílabos . (dos poemas)

A Classe de TODOS os monossílabos não é um monossílabo.

(o conjunto de todos os poemas não é um poema)

Isto é: pelo fecho desta operação, o resultado não está no TODO.

É portanto, outra coisa diferente.

Quer dizer: A CLASSE M NÃO PERTENCE A SI PRÓPRIA.

Ainda: SE SIM, ENTÃO NÃO.

São estas as Antinomias de Bertrand Russell,que tanto revolucionaram o Pensamento porque afinal AS CLASSES TOTAIS SÃO INCONSISTENTES.

Estamos agora aptos a responder à questão: O QUE SÃO TODOS OS FUTUROS PARCIAIS?

Ou ainda: O QUE SÃO TODOS OS "EUS" PARCIAIS?.

Ora,

Consideremos a Classe F dos Futuros Parciais.

A Classe de Todos os Futuros Parciais não é um Futuro Parcial. (recordemos: SE SIM, ENTÃO NÃO)

Então é uma "coisa" diferente.

Isto é: A CLASSE F DOS FUTUROS PARCIAIS não pertence a si própria.

Quer dizer, que pelo fecho da Classe, atinge-se um Futuro Global, que está fora da Classe dos futuros parciais.

O resultado é uma Classe, que não tem já as características da inicial, logo de outra natureza.

Logo, transcende a própria Classe de Origem.

Podemos estabelecer o mesmo pensamento para a Classe dos "eus" heteronímicos, ou "eus parciais" ou "eus poéticos", num sentido mais alargado.

Consideremos a Classe E dos " eus parciais ".

A Classe de todos os "eus parciais" é " um "eu parcial"?

Recordemos: SE SIM, ENTÃO NÃO.

Quer dizer: A Classe de Todos os "eus parciais "( a classe Total) não é um "eu parcial "

Ou seja:

pelo fecho de todos os "eus poéticos", (se quisermos, também heteronímicos), chegamos a um EU Global de outra Classe, de outra natureza, transcendente neste sentido.

São Classes que não pertencem a si próprias.

Em resumo:

A Poesia, enquanto sistema de "eus parciais", gerando futuros parciais, constitui-se como um sistema Infinito de FUTUROS PARCIAIS, que se vão construindo para um Futuro Global, que os transcende.  

7. A POESIA ENQUANTO COLECÇÃO DE "eus poéticos": UM SISTEMA INFINITO

A Poesia, enquanto colecção de "eus" poéticos sucessivos, constitui-se como um Infinito de futuros parciais gerados por esses "eus" .

Já vimos que estes futuros parciais se vão organizando para um Futuro Global.

Vimos também, no sentido de Cantor, que um sistema é infinito quando este é equipotente a uma sua parte própria.

Os futuros parciais são uma parte própria do Futuro Total que os contém.

F.T.= (f1,f2,f3,...fn....)

P(F)= (f1,f3,f5,...) e cardinal de P(F)= cardinal de F.T.

Então a Poesia é um sistema Infinito.

 

8. A HETERONÍMIA COMO UM SITEMA ABERTO

Temos vindo a reflectir sobre o "eu" poético, núcleo gerador de eus parciais , e também de futuros parciais.

No fundo, em análise mais profunda, estamos também a falar de heterónimos.

Os "eus" heterónimos não são mais que desdobramentos do "eu poético" ORIGINAL, ou seja, MÁSCARAS DE UM "EU".

Mas que importância têm estas reflexões sobre o acto de escrever? Mais ainda, sobre o acto de escrever Poesia?  

Se aceitarmos que ESCREVER é uma modalidade de se ser Outro, este acto implica , além do que já disse, abrir um rio de sinais através do quem sou e do que sinto , por onde passarei no Poema.

Quer dizer: ESCREVER É NECESSARIAMENTE OUTRAR-ME

E também, o Poema não é apenas o que o "eu poético" colocou nele.

É ainda o que quem o lê, vê ou ouve, - (O OUTRO) - aí encontra.  

Quer dizer: como essencialidade os "eus" parciais, os "eus" construtores de Poesia, excedem sempre os limites da compreensão humana, sobretudo de quem os escreveu.

Eles permanecem com a face "visível" no mistério das coisas.

Escrever, nem que seja para o Nada, vale sempre a pena.

Avancemos só mais um pouco nestas reflexões.

Mas se o total dos "eus", no processo destes sucessivos desdobramentos heteronímicos, não é um Eu da mesma classe dos "eus parciais", que vivem no conjunto dos heterónimos, esse Eu não pode ser um heterónimo.

E não podendo ser um heterónimo, o que é?

Será um não-heterónimo?

Será então o Ortónimo (supondo que este é um não- heterónimo)?

O que quero dizer é que o caminho dos desdobramentos do Eu é o que conduz inevitavelmente ao Conhecimento do Eu que escreve como futuro de si mesmo.

A heteronímia, parecendo um processo de divisão, não o é.

Bem pelo contrário, é um processo aberto de reintegração no Todo.

Ele contém dois movimentos:

O primeiro: construção dos "eus parciais" : outragem.

O segundo: completamento pelo fecho do conjunto dos "eus parciais": unagem

EM SUMA:

É INEVITÁVEL A HETERONÍMIA PARA REALIZAR UMA CLASSE DE NÍVEL SUPERIOR À CLASSE DOS "EUS PARCIAIS".

O POETA É NA TOTALIDADE DOS EUS UM OUTRO EU.

Escrever ,nem que seja para o caixote do lixo, vale sempre a pena pois escrever é ser Outro.

E para fechar esta Comunicação gostaria de vos contar uma história do folclore Japonês, história adaptada por mim ao objectivo desta intervenção.

A CASA DOS MIL ESPELHOS

(Folclore japonês)

Tempos atrás num distante e pequeno vilarejo, havia um lugar conhecido como a casa dos 1000 espelhos.

Um pequeno e feliz cãozinho soube deste lugar e decidiu visitá-la

Chegando lá, saltitou feliz escada acima até a entrada da casa.

Olhou através da porta de entrada com suas orelhinhas bem levantadas e a cauda balançando tão rapidamente quanto podia.

Para sua grande surpresa, deparou-se com outros 1000 pequenos e felizes cãezinhos, todos eles com suas caudas balançando tão rapidamente quanto a dele.

Abriu um enorme sorriso, e foi correspondido com 1000 enormes sorrisos.

Quando saiu da casa, pensou:

Que lugar maravilhoso! Voltarei sempre, um montão de vezes.

Neste mesmo vilarejo, um outro pequeno cãozinho, que não era tão feliz quanto o primeiro, decidiu visitar a casa.

Escalou lentamente as escadas e olhou através da porta.

Quando viu 1000 olhares hostis de cães que o olhavam fixamente, rosnou e mostrou os dentes e ficou horrorizado ao ver 1000 cães rosnando e mostrando os dentes para ele.

Quando saiu, ele pensou,

- Que estranho lugar é este, aqui.

Todos os rostos no mundo são espelhos.

Mas esta história não acaba aqui.

Falta agora reunir todas felicidades e infelicidades dos cãezinhos e olhar onde já não está o espelho.

Falta reunir todos os pedaços do Espelho que já lá não estão.

E nessa reunião o que se descobre?

Que o Espelho era apenas um método de abordagem do Todo.

E o Todo, para além de todos os Poemas escritos é esse inefável mistério da Escrita, que todos os dias reinventamos, para sermos  

maria azenha  

2 de Fevereiro de - 2003

Lisboa