Ainda com referencia á sexta questão do programma, o sr. dr. Ferraz de Macedo leu uma communicação ácerca do homem terciario da collina de Castenedolo, proximo de Brescia, na Lombardia. A questão não é nova, pois que já em 1860 o professor Ragazzoni fizera a primeira descoberta de uma calotte craniana humana n'aquella localidade; e o dr. Ferraz de Macedo fazendo reviver esta questão no congresso, teve por fim principal, como disse, dispertar a attenção dos geologos, e convidal-os a irem verificar de visu os factos que elle proprio tinha observado, e que o levavam a acreditar na contemporaneidade d'estes restos humanos e das camadas d'onde elles tinham sido extrahidos.
O dr. Ferraz de Macedo declarou que tinha feito em 1888 uma viagem a Brescia expressamente com o fim de estudar ali os restos humanos que tinham sido descobertos em Castenedolo; mas não se contentou com isso, fez elle proprio a exploração da collina, mandando abrir largas e profundas excavações, em que empregou oito operarios durante quasi seis semanas, obtendo assim convencimento de que a descripção geologica feita pelo professor Ragazzoni em 1880 era perfeitamente exacta. A exploração das camadas pliocenicas não lhe deu nenhuns ossos humanos; obteve-os, porém, entre o terreno quaternario da superficie e o terreno terciario que forma o subsolo. |
Tendo regressado a Lisboa foi posteriormente informado de que proximo do sitio, onde em 1880 tinham sido achados os ossos humanos, o professor Ragazzoni descobrira um esqueleto inteiro, que se achava no meio de um banco de ostras, intercalado entre duas camadas de argilla com fosseis evidentemente terciarios, e portanto pertencendo ao mesmo systema geologico.
O esqueleto achava-se enterrado a pequena profundidade, inteiramente incrustado pelo banco de ostras, com a cavidade thoracica completamente cheia e atravessada de um lado ao outro pelas valvas deste mollusco.
Este novo achado incitou-o a voltar a Brescia, e pôde então verificar por seus olhos a authenticidade da descoberta. Avaliando-lhe o alcance, pediu e obteve do possuidor do esqueleto, o engenheiro Germani, que o conservasse intacto até que os sabios a quem interessa especialmente a descoberta fossem verifical-a; assim, era em nome da sciencia que eIle instava com os membros do Congresso para que fossem a Castenedolo.
Quando se fez a descoberta d'este esqueleto o cranio foi despedaçado pela enxadada de um trabalhador. O dr. Ferraz de Macedo, .porém, reconstituiu-o com os maiores cuidados, podendo fazer n'eIle as principaes medições, que lhe deram o conhecimento de que este cranio é inteiramente semelhante aos cranios modernos dolichocephalos.
Na discussão que se seguiu á apresentação d'esta comrnunicação tomaram a palavra os srs. Cartailhac e Gabriel de MortiIlet, que pediram esclarecimentos precisos sobre as condições e situação em que se achava o esqueleto; e o sr. BeIlucei perguntou qual era a relação de posição em que se achavarn os dois esqueletos, o de mulher primeiro descoberto em 1880 pelo sr. Ragazzoni, e o que tinha sido achado ultimamente; ao que o sr. Ferraz de Macedo respondeu dando varias explicações, e informando que se achavam a uns 20 metros de distancia um do outro.
Este facto parece-me que é um fortissimo argumento a favor das duvidas que os srs. Cartailhac e de MortiIlet manifestaram sobre o valor ethnologico da descoberta, pois que, sendo tão raros em toda a parte os restos humanos fosseis, e sempre representados por fragmentos muito incompletos, esta localidade offereceria a excepção unica de se terem n'eIla encontrado restos de cinco individuos, e entre eIles dois esqueletos inteiros a tão curta distancia um do outro, e de mais contidos em camadas marinhas differentes, quando, corno justamente observou o sr. de Mortillet, a acção do mar é desunir os ossos das suas relações anatomicas, e portanto dispersal-os. Mas se esta observação tem incontestavel valor em relação ao primeiro esqueleto que tinha sido achado n'uma camada de argilla, maior valor tem ainda com respeito ao que foi descoberto depois, porque considerando a lentidão com que se forma um banco de ostras, é absolutamente inadmissivel que o esqueleto se conservasse inteiro no ponto onde tinha sido arremessado o cadaver durante o tempo necessario para se crear o prodigioso numero de individuos que compõem um banco de ostras de 1 metro de espessura.
O facto de se encontrar a cavidade thoracica do esqueleto observado pelo sr. Ferraz de Macedo cheia de ostras terciarias, não é mais extraordinario do que o que offerecem os nossos kioekkennloeddings de Mugem, onde os esqueletos humanos se achavam envolvidos n'uma massa de lodo areoso litteralmente carregada de conchas de Lutraria compressa que semelhantemente enchiam a cavidade thoracica de muitos d'elles e até penetravam nos cranios; e as deformações extremas e variadissimas que estes esqueletos soffreram, facilmente se explicam pelos movimentos e recalque natural do terreno, sem que prove nenhuma deslocação do solo. Todos sabem aliás como mesmo os entulhos tomam o aspecto estratificado; não admiraria portanto que, tendo sido os corpos sepultados no seio de uma camada qualquer dotada de certa plasticidade, com a acção do tempo desapparecessem os vestigios do remeximento.
Sem duvida por todas estas considerações, que naturalmente acudiriam ao espirito dos que assistiam á sessão do Congresso, não tomou este nenhuma deliberação ácerca da proposta apresentada pelo sr. Ferraz de Macedo, encerrando-se a sessão em seguida ás ultimas explicações que elle deu ao sr. Bellucci, embora fosse de muitos conhecida a opinião expressa anteriormente pelo sr. de Quatrefages, que era favoravel a considerar como pertencendo á epocha terciaria o primeiro esqueleto descoberto pelo sr. Ragazzoni.
A opinião do sr. Sergi, que pretendia que os restos humanos encontrados na collina de Castenedolo fossem ali lançados por effeito de um naufragio, não carece mesmo de refutação, porque importaria admittir-se que já na epocha pliocenica era conhecida a navegação! Alem d'isso, o sr. Sergi reportava-se aos restos de quatro individuos, que suppunha comporem uma familia, e que tinham sido achados todos muito proximo uns dos outros na mesma camada de argilla; hypothese que, se tivesse algum valor, cairia por terra com a descoberta do último esqueleto no banco de ostras.
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Juanma Sánchez Arteaga nació en 1974. Es doctor en Biología por la Universidad Autónoma de Madrid. Ha desarrollado su trabajo en diferentes instituciones académicas europeas y americanas, entre ellas, el C.S.I.C. (Madrid), CNRS-CENTRE ALEXANDRE KOYRÉ, PARÍS, MUSEU NACIONAL DE HISTORIA NATURAL DE LISBOA, INSTITUTO DI ANTROPOLOGIA, FIRENZE, SKIDMORE COLLEGE, NY. USA. FACOLTÁ DI BIOLOGÍA DELLA UNIVERSITÁ DEGLI STUDI DI FIRENZE, UNIVERSIDADE FEDERAL DE BAHIA, (Salvador de Bahia, Brasil). Ha publicado el libro “LA RAZÓN SALVAJE” (Lengua de trapo, Madrid, 2007), con el que obtuvo el V Premio de ensayo Caja Madrid, así como numerosos artículos sobre epistemología y filosofía/historia del conocimiento en diversos foros virtuales (entre ellos el Triplov), y revistas especializadas. |