VIII COLÓQUIO INTERNACIONAL Discursos e Práticas Alquímicas Palácio Nacional de Mafra Escola Prática de Infantaria 20-21 de Junho de 2008 . Mafra |
Maria Estela Guedes Via Crucis, Via Lucis |
Agradecendo ao B.'.P.'. Giuseppe Garibaldi a luz com que iluminou as imagens |
INDEX |
As Misiones Chiquitanas |
De todas as missões jesuíticas na América do Sul, na região de fronteira entre a Bolívia, a Argentina, o Brasil e o Paraguay, as igrejas das Misiones de Chiquitos, na Bolívia, são as únicas intactas. Os habitantes, índios chiquitos, conservam as práticas culturais e cristãs de outrora. Em duas igrejas das missões chiquitanas, fundadas em datas várias em finais do século XVII, hoje restauradas e com estatuto (à excepção da igreja de San Ignacio de Velasco) de património cultural da humanidade, podem admirar-se imagens que fazem parte da panóplia simbólica da Maçonaria Florestal ou da Madeira. É o caso de um delta radiante na fachada da Iglesia de San Rafael, e de um nicho com Cristo crucificado, sobre mural pintado com símbolos vários, no interior da Iglesia de San Javier. Participando, na maior parte, da simbologia solar, devem por consequência ser considerados elementos representativos do masculino. As ferramentas de trabalho, que representam os instrumentos que serviram para martirizar Cristo, bem como os três principais eixos (coluna, cruz e escada), apontam para a abóbada celeste, na qual ocupam lugar de poder o Sol e a Lua, justificando o nosso título, segundo o qual a via da Cruz, ou do martírio, é a via da Luz, via solar ou do conhecimento. A pergunta que logo ocorre, e à qual não vamos responder, é esta: seriam maçons os frades que fundaram as Misiones da Gran Chiquitanía? Não respondemos porque ignoramos a resposta. De outra parte, quando foram pintadas as imagens que nos interessam? Não se trata de motivos dispersos, sim de um conjunto organizado de símbolos, à maneira de painel de grau, no caso do mural da igreja de San Javier. Há autores que defendem a hipótese de a Maçonaria ser uma criação da Companhia de Jesus. Não parece argumento aceitável para justificar a presença das imagens nas igrejas. A fundação das missões é anterior à construção das igrejas e o restauro data do século XX. Em princípio, para um monumento restaurado receber da UNESCO o estatuto de património cultural da humanidade, não pode sofrer com o restauro alterações ao seu traçado original. Em todo o caso, gostaríamos de descartar a hipótese de a parede do nicho ter sido pintada por ordem do austríaco Hans Roth, arquitecto e teólogo jesuíta, responsável não só pelo restauro como pela ressurreição das actividades religiosas e artísticas praticadas outrora nas missões. Realizam-se ali os "Festivales de Misiones de Chiquitos", que abrangem artes várias, e em especial a santaria e a música barroca. Para estes encontros publicam-se e ensaiam-se obras inéditas do tempo dos jesuítas. O Arquivo musical de Chiquitos conta com mais de quatro mil partituras do século XVII. Se as pinturas maçónicas datam do século XX, o problema da sua inserção nas igrejas católicas não fica resolvido, mas muda de tonalidade. Achamos no entanto mais provável que a semelhança entre as simbólicas, e mesmo rituais, cristãos e maçónicos, seja mais estreita entre maçons e jesuítas. O mais provável ainda, e tome-se o exemplo da cruz, que se conhece desde eras pré-cristãs, é que a iconografia e simbólica das religiões e sociedades iniciáticas beba numa única e antiquíssima fonte. O que nos propomos então é divulgar a existência desta iconografia e apresentá-la do ponto de vista da Maçonaria Florestal Carbonária, sem prejuízo de interpretações orientadas pela Companhia de Jesus e pela Maçonaria da Pedra. |
No Reino Florestal ou da Madeira |
A Maçonaria Florestal Carbonária é cristã, não sendo nela admitidos nem ateus nem fiéis de outros credos. Desenvolve os seus trabalhos sob o patrocínio de S. Teobaldo e do "Nosso Bom Primo Jesus Cristo". Ambos conhecem a madeira, fonte da simbologia específica deste ramo da maçonaria, também conhecido por Maçonaria da Madeira. S. Teobaldo recebeu iniciação dos carvoeiros, e por isto, por causa do carvão ou carbono, recebeu nome a Carbonária. Jesus, filho de carpinteiro, foi carpinteiro também. Poderá ter nascido numa gruta, como alguns aventam. Porém o que a simbólica diz à Ordem que nos ocupa é que Jesus nasceu entre palhinhas, uma figura vegetal que simboliza o poder irradiante do Sol. Nascimento e morte de Cristo vinculam-se a imagens cuja rede completa é muito grande, por abranger mais até do que o Reino Vegetal, mas nós vamos condensar a diversidade no símbolo principal da madeira. Ao procedermos a esta redução à mater, fica no entanto patente o elemento feminino subjacente à simbólica do masculino. Também na alquimia a madeira é feminina, simbolizando a mãe, Mater. Tivemos há anos a oportunidade de visitar as reduções jesuíticas do Brasil, recintos arqueológicos de pedra, à semelhança das ruínas das missões nos outros países limítrofes. Para adensar a presença do simbolismo próprio dos carvoeiros, cujas habitações são as choças, barracas e vendas, as igrejas da Gran Chiquitanía são de madeira, e mesmo o que nelas parece colunas de mármore é o belo negro da madeira de macacaúba. Também os templos carbonários são de madeira e em princípio construídos na floresta, para que as iniciações decorram de noite, ao ar livre. O símbolo maior do cristianismo é o madeiro, de resto basta a cruz para actualmente o identificarmos. Mas Jesus também é tratado como "O Jardineiro"; ora os jardineiros, tal como os carvoeiros, os lenhadores, os rachadores, etc.., são membros da mesma Maçonaria Florestal ou da Madeira. Além de madeira, a cruz é lida metonimicamente como árvore, e o próprio Cristo é considerado árvore também. Os Bons Primos, designação dos membros da Maçonaria Florestal Carbonária, tomam por vezes o nome simbólico de árvores e comportavam-se como se o fossem, no curso de ritos antigos. Se hoje em dia já não se praticam esses, o rito praticado pelos carbonários é ainda o Rito Florestal. Saber isto faz parte do telhamento, isto é, do interrogatório destinado a testar a identidade de desconhecidos que se apresentem no templo como Bons Primos. |
Uma coroa de flores para o jardineiro |
Passando agora às imagens, vemos o delta radiante na fachada da igreja de San Rafael. Também chamado olho de Hórus ou olho omnividente, é um sol que irradia luz, com centro variável. Em geral tem um olho inscrito num triângulo, ou então a letra G. Representa Deus e é o mais importante símbolo do templo maçónico, colocado na atmosfera entre o Sol e a Lua. Na fachada da igreja onde coligimos a imagem, o delta radiante não está inserido no triângulo, sim num arco de círculo. A essa meia lua subjaz no entanto a estrutura das tríades divinas, que no catolicismo tomam o nome de Trindade. Em baixo, um anjo voa na sua direção, transportando um ramo. O ramo, seja ele de que planta for, na nossa grelha de leitura será sempre de acácia. O olho esquerdo do anjo foi muito aumentado, o que acentua a relação com o delta radiante. As imagens organizadas como painel de grau foram pintadas na parede de um nicho sob crucifixo de dimensões superiores às humanas, no interior da igreja de San Javier. Subtraindo o nicho ao todo da igreja, ficamos com a representação do Templo, constituído, na sua estrutura mais simples, por uma construção assente em duas colunas e encimada pelo frontão triangular. Nas igrejas da Gran Chiquitanía, o triângulo, no frontão e noutros casos, como no delta radiante, foi substituído pelo arco de círculo. No interior do nicho vemos dois conjuntos de imagens: o crucifico, em três dimensões, está colocado à boca do Templo, deixando entre ele e a parede um espaço de alguns centímetros. Em duas dimensões, pintada na parede, desdobra-se a panóplia das imagens maçónicas, ordenadas em duas séries de símbolos, subindo do baixo para o alto. Na abóbada celeste, o Sol e a Lua rematam as duas séries ascensionais, manifestas pela coluna e pela escada. A cruz, protecção e boa sorte, nos círculos herméticos, tal como a coluna e a escada, é um elemento de ligação entre a Terra e o Céu. Os três símbolos ascensionais manifestam assim o continuum entre o que está em baixo e o que está em cima, e a subida por graus desde o humano até ao divino. A escada, sobretudo, indica que o aperfeiçoamento progressivo que se espera do aprendiz na caminhada para mestre é gradual, faz-se pondo um pé à frente do outro, um pé mais alto que outro, e estes gestos participam do ritual, definem alguns aspectos importantes da sociedade iniciática, a distinguir de sociedade secreta. O que é secreto, nas Ordens maçónicas, é o que faz parte do ritual, caso dos elementos pintados na parede, atrás de um importante símbolo de transmutação e de ressurreição, a cruz com Cristo agonizante. Deixemos as cordas, de oitenta nós ou menos, deixemos o galo vigilante no topo da coluna da harmonia, com os seus pincéis e armas brancas, fiquemos com dois elementos florestais deslocados de um mundo para outro. Deixemos mesmo o tão comovente saco das esmolas, no mundo mais baixo, virado ao contrário, para deixar cair as moedas no inferno. Os dois elementos florestais com que encerramos esta excursão ao rito dos carvoeiros são as coroas: o que Cristo tem na cabeça não é a coroa de espinhos. O seu corpo está morto no madeiro, mas ele está vivo no reino dos céus, representado por Sol e Lua. O que nos dá essa notícia é o facto de ter na cabeça uma coroa de flores e folhas, símbolos do eterno renovo das estações. O processo de gradual passagem de madeira bruta à madeira aplainada, ou de aperfeiçoamento do humano até tocar o divino, está expresso nesta alteração. A coroa de espinhos, símbolo de dor, desgraça e imperfeição, foi colocada na parte ínfera do painel, na base da coluna da Harmonia. Tal como o saco cheio de moedas de ouro, o ouro que agora luz não é o do metal, sim o da Luz perfeita, a do saber do que é sublime. Cristo recebeu toda a iniciação, para isso foi injuriado e mortificado. Morreu, como qualquer neófito que não morre, e por isso agora tem a cabeça no mundo da Luz, coroada de flores. Nem de outro modo se poderia coroar um jardineiro. Odivelas, 16.06.08 |
BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................................................Word |
CHEVALIER, Jean & Alain GHEERBRANT (1974) - Dictionnaire des Symboles. Paris, Seghers, 1969. |
INICIATIVA: Centro Interdisciplinar de Ciência, Tecnologia e Sociedade da Universidade de Lisboa (CICTSUL) Instituto São Tomás de Aquino (ISTA) www.triplov.org |
CONTACTOS/Secretariado Maria Estela Guedes: estela@triplov.com |
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