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II BIENAL DE POESIA
SILVES. 2005 |
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MANUEL G. SIMÕES
POEMABRIL:
MEMÓRIA E DESENCANTO DA "REVOLUÇÃO DOS CRAVOS" |
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Abril ficou a acção por excelência, a transmudação das coisas mais importantes. Algo que se fez. E quando eu pronuncio a palavra Abril, essa nomeação fala-me da acção desencadeada, faz-se palavra-motor, condensa toda uma narrativa.
Maria Alzira Seixo, Reflexão sobre a escrita |
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1. Como era inevitável, e desde que cultura e literatura se pensaram como
instrumento de transformação do mundo, a madrugada inesperada do 25 de Abril de
1974, que abalou indiscutivelmente o país, determinou um imediato processo de autocrítica por parte dos intelectuais portugueses. E como sempre acontece nos momentos
em que a sociedade é colocada perante uma forte conflitualidade entre "novo" e "velho"
e entre "classes" em vias de formação, as ideologias que até então determinavam a
prática literária foram objecto de análise mais ou menos profunda, isto é, passaram por
uma reflexão que tendia a testar, a verificar ou a julgar problematicamente os textos
produzidos a partir duma estética que, à partida, se previa envolvida num processo
dinâmico de transformação.
Tal reflexão, que historicamente não pode excluir o modo de ser social, pondo
em evidência o problema da relação entre cultura e sociedade, também não pode deixar
de empreender uma análise crítica à natureza prática e social da palavra, ao modo de
representação a partir das virtualidades do signo. Durante algum tempo, de certo modo
porque a luta política mobilizava a atenção de todas as forças disponíveis (1), os possíveis
criadores literários ensaiavam um novo discurso à procura de "outra" palavra,
legitimando a concepção de que o texto é uma síntese de matéria e forma, de conteúdo e
"expressão", de estrutura e linguagem, componentes que envolvem substância e
comunicação como interrelação entre problemática histórica e produção artística (2). Isto
significa que os criadores do produto literário - incluindo artistas e críticos em geral -
perderam a convicção ingénua do critério "inspiracionista". No caso específico, assiste-se a um processo complexo mas em que prevalecia a intenção de contrastar o domínio
do idealismo estético mediante técnicas e procedimentos diversos mas convergentes
pelo menos no empenho de justificar os critérios de criação artística. Se a sociedade
tinha alcançado um estatuto de emancipação no sentido da liberdade de expressão; se tal
estatuto conduzia à necessidade de propor novos conteúdos para exprimir a nova
situação, é em todo o caso evidente que tais conteúdos não poderiam prescindir das
formas precedentes, ao mesmo tempo que a nova produção artística não poderia
obedecer aos ditames da burocracia, a "leis" impostas do alto, e que, pelo contrário,
seria o resultado de coordenadas teórico-estéticas elaboradas pelo trabalho de reflexão (3),
tendo em consideração todos os aspectos ou "níveis" do texto literário, sem excluir o
chamado "nível material", o nível dos "grupos semânticos" (4).
2. Com a involução política que viria a controlar o processo revolucionário, "as
ilusões pacifistas que percorreram o movimento popular, a sua subordinação ao MFA,
permitiram a vitória fácil do 25 de Novembro [ ...] que reprime o movimento popular e
o movimento dos soldados, ameaças demasiado evidentes à 'transição pacífica para o
socialismo"' (5). Não é o único militar, dos que intervieram activamente no derrubar de
uma ditadura obsoleta que durava desde 1926, a interrogar-se sobre o desvio da História
iniciada em 25 de Abril de 1974. Também Cruz Oliveira, já no décimo aniversário desta
efeméride, recorda a explosão dos cravos vennelhos, o canto à liberdade, o sonho de um
viver fraterno, tudo imagens que pertencemà semântica da utopia: "o mito é o nada queé tudo", como radicalmente já foi expresso por Fernando Pessoa. Mas dez anos
volvidos, Cruz Oliveira assume a frustração e denuncia as annadilhas duma aparente
dialéctica que minava um projecto posto em marcha para o reconduzir às vias da
normalidade: "Mas não esquecemos a traição, não esquecemos a vilania, a trapaça, a
inveja, o reaccionarismo mascarado, a desestabilização, o bombismo. Não esquecemos
as várias acções contra-revolucionárias até ao 25 de Novembro, e as prisões de
Custóias, Santarém e Caxias [...] - Que democracia é esta? - Onde pára a nossa
Revolução, feita para restituir a dignidade ao nosso País e às Forças Annadas? -
Camaradas Capitães de Abril, onde iremos parar?" (6).
Dez anos após o florir dos cravos, o sentimento dominante era, como se vê, de
desencanto e de perplexidade perante o progressivo e programado esquecimento, com a
transformação do dinamismo revolucionário numa efeméride indesejável que quase não
se celebrava, nem sequer uma vez por ano. Por isso, foi numa perspectiva de resistência
que nasceu a ideia da antologia poética Poemabril (7), como resulta explicitamente da
"nota prévia" dos coordenadores: "Porque nos recusamos a aceitar que o 25 de Abril
seja, no futuro, apenas nome de pracetas suburbanas, porque a pedra dos nossos
monumentos é a palavra, e ainda porque fomos protagonistas dessa gloriosa e
inesquecível data, quisemos deixar o nosso testemunho, reunindo estes poemas e estes
depoimentos como homenagem a quantos tornaram possíveis esses dias e meses que,
quer se queira ou não, abalaram definitivamente o nosso mundo.
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(1) Deve dizer-se, no entanto, que os operadores culturais ficaram demasiado silenciosos, se excluirmos o
florescente e vivíssimo debate sobre a "canção de intervenção", o sector que mais de perto acompanhou o
processo revolucionário, e a actividade torrencial do poeta José Carlos Ary dos Sasntos. Mas seria injusto
esquecer a função das artes visuais, com a enorme produção de murais, de posters e de auto-colantes, por
exemplo.
(2) A este respeito é pertinente quanto afirma Mario Rossi: "che Ia legittimità d'una poetica dipenda oggi
daI suo costituirsi e riconoscersi come problematica storica deI Ia produzione artistica, sembra questo il
risultato inevitabile di tutta Ia storia deI pensiero e deI Ia riflessione critica su quelle che Ia tradizione ci ha
tramandato come 'opera d'arte"' (Cultura e Rivoluzione, Roma, Ed. Riuniti, 1974, p. 565).
(3)" Anche Ia società borghese ha sostituito una nuova arte e una nuova scienza a quelle medievali, e perà
I'ha fatto non seguendo, ma precisamente disobbedendo a qualsiasi imposizione, e non restringendo, ma
ampliando Ia cerchia dei produttori culturali ( Ibid., p. 600). (4) Cfr. Ignazio Ambrogio, Ideologie e tecniche letterarie, Roma, Ed. Riuniti, 28. ed., 1974, p. 15.
(5) Mário Tomé, "Porque murcharam os cravos", in Poemabril. Antologia Poética. Depoimentos de alguns
"Capitães de Abril" e poemas de poetas portugueses no 20°. aniversário do 25 de Abril. Coordenação,
nota prévia e nota à segunda edição de Carlos Loures e Manuel Simões, Coimbra, Fora do Texto, 28. ed.,
1994, p.33.
(6) C. Oliveira, "Lembram-se?", Ibid. , p. 17.
(7) Poemabril. Antologia poética. Depoimentos de alguns "capitães de Abril" e poemas de poetas
portugueses no 10°. Aniversário do 25 de Abril. Coordenação e nota prévia de C. Loures e M. Simões,
Tornar, Nova Realidade, 1984. |
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SILVES, CAPITAL DA PALAVRA ARDENTE |
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