Foi poeta, contista, jornalista e mulher solitária. Escritora durante os anos em que o Estado Novo queria a mulher em casa. Ostracizada pela Revolução de Abril, Natércia Freire acabou por cair num silêncio imerecido. Deixa um legado poético que merece ser (re)descoberto.
Nasce em 1919, em Benavente, no Ribatejo e ainda criança muda-se com a família para Lisboa. Começa por dedicar-se à música, mas a poesia é a tentação a que acaba por não resistir.
Em 1932 acaba o liceu. Dois anos antes morrera-lhe o pai, dois anos mais tarde conhece José Isidro dos Santos, com quem namora e acabará por casar.
1938 marca a sua estreia na poesia, com a publicação de Castelos de Sonho. Segue-se-lhe Meu Caminho de Luz, muito bem recebido pelo público e pela crítica.
Em 1940 inicia a sua colaboração com a Emissora Nacional, com palestras mensais. No início da década de 40, talvez a mais pesada do consulado de Salazar, lança ainda Estátua e Horizonte Fechado, este último também muito aclamado. Natércia ingressava assim no meio poético da altura, sendo íntima de alguns dos nomes mais destacados da poesia de então, como Carlos Queiroz, Cecília Meireles ou Egipto Gonçalves.
Enceta a colaboração com a revista Panorama e, em 1944, estreia-se como professora na Escola Primária da Póvoa de Santa Iria. Começa também a colaborar com as publicações Atlântico e Diário Popular.
Nos anos seguintes, a sua obra começa a ser reconhecida e a ganhar prémios. Natércia Freire vence por duas vezes o Prémio Antero de Quental, por Rio Infindável e Anel de Sete Pedras, publicados em 1947 e 1952, respectivamente.
Segue-se a entrada para o Diário de Notícias, a convite do Director Augusto Castro, pró-regime. Acabará por dirigir a secção Artes e Letras do periódico, da qual só sairá em 1974.
30 anos de isolamento
Deposto o Estado Novo, Natércia é afastada da Emissora Nacional e acaba por deixar, pela sua iniciativa, o DN. A escritora e jornalista inicia assim um processo de isolamento social, profissional e pessoal que se manterá até ao fim da sua vida.
Não deixa, no entanto, de publicar e de colaborar com algumas publicações, como O Tempo ou O Século.
Em 1984 fractura a bacia num acidente e passa um ano acamada, depois de um período de quase-coma.
É já no início da década de 90 que é publicado o primeiro volume da sua Obra Poética, prefacido por David Mourão-Ferreira, seu amigo.
Até ao final da sua vida veia publicando algumas antologias poéticas e foi alvo de várias homenagens.
Morre aos 85 anos, do mesmo modo discreto por que pautou os últimos anos da sua existência e deixa uma obra sobre a qual o seu desaparecimento venha talvez fazer incidir alguma atenção.
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