::::::::::::::::::::::::::::::::ADELTO GONÇALVES
Jerusalém, Jerusalém

Jerusalém é uma cidade antiga e moderna ao mesmo tempo. Foi destruída e reconstruída muitas vezes, sempre em nome de Deus. A Cidade Velha, cercada por muros, guarda uma história de mais de três mil anos, embora suas muralhas sejam do século XVI, pelo menos a parte de cima, já que se supõe que restos das muralhas originais continuam debaixo da terra.

 

Hoje, a Cidade Velha está dividida em quatro bairros distribuídos entre muçulmanos, judeus, cristãos e armênios. Dentro da Cidade Velha, está o Monte Sião e, fora, a oeste, o Monte das Oliveiras, cenário dos últimos momentos vividos por Jesus Cristo. Para além, ao norte e a oeste, está a Jerusalém moderna que não é tão moderna assim para os padrões brasileiros, já que muitos de seus edifícios são do final do século XIX.

 

Segundo o Livro do Ano, do Jerusalém Institute for Israel Studies, Jerusalém tinha, até o final de 2004, 705.400 habitantes, ou seja, praticamente 10% da população do país. Cerca de 30% dos moradores são haredim, expressão que quer dizer "temerosos" do pecado, ou seja, judeus ortodoxos, enquanto 95% dos 237.100 árabes residentes são muçulmanos.

 

Andar por Jerusalém é tranqüilo, já que a comunicação é fácil: fala-se inglês em qualquer loja ou mesmo com vendedores ambulantes ou do mercado muçulmano, o Souk, na Cidade Velha, que se compõe de três ruas paralelas e cobertas. Também as placas de trânsito estão em hebreu e em inglês. O perigo é estar no lugar errado à hora errada no momento em que um palestino quiser fazer o seu protesto.

 

Para conhecer a Cidade Velha, o melhor mesmo é começar pelo Portão de Jaffa ou pelo Portão de Damasco, o mais monumental. Depois, é andar por ruelas apertadas e repletas de lojas de quinquilharias. Mais adiante, fica o Souk el-Lakhamin, ou Mercado dos Açougueiros, que foi restaurado na década de 70 e oferece carne abatida na hora. O cheiro por ali não é muito agradável.

 

Quem se afasta das ruas principais para conhecer exemplos inesquecíveis da arquitetura muçulmana medieval pode ser interpelado por soldados muito jovens - às vezes, moças adolescentes -, mas armados até os dentes, que sempre fazem questão de revistar qualquer sacola ou mochila mais fornida.

 

Nem sempre é possível chegar ao Domo da Rocha que, erguido entre 668 e 691 pelo califa omíada Abd el-Malik, tornou-se, com sua estrutura monumental, o cartão-postal de Jerusalém. Muitas vezes, só muçulmanos podem passar pelas barreiras policiais e chegar perto do Domo da Rocha em dias religiosos. Diz a tradição que o local abrigou o Templo de Salomão e, mais tarde, o Segundo Templo, que foi destruído pelos romanos. Foi construído em 691 d.C.

 

VIA DOLOROSA

 

Para os cristãos, a atração principal destas ruas, no entanto, é a Via Dolorosa, que corta o bairro de leste a oeste e reconstitui o percurso que Cristo teria feito para levar a cruz ao Gólgota, o lugar da caveira. A rota está sinalizada por 14 estações, que assinalam passagens da última caminhada de Cristo.

 

As estações são lembradas por placas na parede, que nem sempre são fáceis de identificar porque estão ao lado de pequenas lojas de suvenires religiosos, de calçados, artigos esportivos ou de alimentos. Há, porém, estações que ficam dentro de prédios, já que, em dois mil anos, o traçado da cidade sofreu muitas transformações.

 

As últimas cinco estações, por exemplo, estão dentro da igreja do Santo Sepulcro, mantida pelos franciscanos, que às sextas-feiras fazem uma procissão ao longo da Via Dolorosa. A igreja foi construída sobre o suposto local em que Cristo teria sido crucificado, sepultado e ressuscitado. Foi erguida pelo imperador romano Constantino entre 326 e 335 e ampliada pelos cruzados na Idade Media, no século XII. Bo começo do século XIX, porém, um incêndio a colocou abaixo. Na reconstrução, foi erguida a rotunda, que é a parte mais importante da igreja. Depois, em 1927, houve um terremoto que exigiu obras de reconstrução e restauração.

 

Num monumento de 1810 há uma placa de mármore sobre uma rocha sobre a qual teria sido deitado o corpo de Cristo depois de retirado da cruz. Em outro local, está a Pedra da Unção, onde se acredita que o corpo de Cristo tenha sido ungido e envolto em lençóis e perfumado depois de seu martírio na cruz no Gólgota. Só que a pedra também é de 1810. Ainda dentro da igreja, há uma parte da rocha que é venerada como o local da crucificação, o que se pode ver através do vidro do altar ortodoxo grego.

 

TÚMULO DO JARDIM

 

Mas nem todos acreditam que Cristo tenha sido crucificado nesse local, até porque, como judeu, seguindo a tradição religiosa, sua crucificação teria se dado fora dos muros da cidade. Por isso, protestantes, de um modo geral, dificilmente, visitam a igreja do Santo Sepulcro, preferindo conhecer o Túmulo do Jardim, na Rua Conrad Sick, fora das muralhas, mas bem perto do Portão de Damasco e de uma movimentada estação de ônibus.

 

Desde o final do século XIX, especialistas defendem que esta colina com aspecto de caveira - que quer dizer Gólgota em hebreu - teria sido o verdadeiro local do Calvário de Cristo, conforme citado no Novo Testamento em Marcos (15.22). De fato, de longe, pode-se constatar que duas cavernas na rocha deixam a colina com o aspecto de uma caveira.

 

Escavações feitas em 1883, depois que o general britânico Charles Gordon, estudioso da Bíblia, anunciou suas conclusões, descobriram antigos túmulos. Isso reforçou os argumentos de Gordon segundo os quais ali fora em outros tempos um local em que condenados eram presos na cruz, mas um estudo realizado já no século XX concluiu que os túmulos seriam de uma época muito anterior à de Cristo.

 

Seja como for, o local permite uma melhor visualização do que pode ter sido a crucificação. Abaixo da colina, está um túmulo construído na rocha que teria sido aquele oferecido por José de Arimatéia para que fosse colocado o corpo de Cristo, depois de retirado da cruz.

Uma tradição cristã diz que José de Arimatéia teria sido aquele que recolhera o sangue de Cristo num vaso, receptáculo que, depois, passou a ser conhecido como o Santo Graal.

 

O santo vaso passou a significar a salvação perante a eternidade e sua história está contada n´A Demanda do Santo Graal, uma das cinco partes que compõem o que se chama ciclo da Vulgata, coletânea de textos medievais que falam do rei Arthur, da rainha Genebra e dos cavaleiros da Távola Redonda. A Demanda pode ser lida como uma novela de cavalaria com feição de ficção bíblica.

 

A área onde possivelmente foi posto o corpo de Cristo depois de retirado da cruz, hoje, é propriedade da Garden Tomb Association, entidade com sede em Londres, proprietária do local dede 1894 e responsável por sua administração (www.gardentomb.com). O Túmulo do Jardim fica aberto de segunda-feira a sábado, das 14 às 17h30, e não há cobrança de ingresso. Uma loja de suvenires está estrategicamente colocada à saída do local.

 

MURO DAS LAMENTAÇÕES

 

Depois de andar pelas ruas do Souk, quase sem perceber, o turista atravessa um portão modesto e entra na parte judaica da Cidade de Velha. Então, fica para trás toda a balbúrdia árabe e chega-se ao silêncio do bairro judeu em que sempre há menos pessoas nas ruas. E as lojas de suvenires são mais organizadas e mais requintadas. Subindo uma escadinha, sai-se no bairro judeu. Aqui é possível fazer um lanche rápido: duas burekas e duas cocas-colas saem por 32 shekels (US$ 8). Ao lado fica o Cardo, que constituía a rua principal da Jerusalém da época dos primeiros cristãos, os bizantinos.

 

Seguindo em frente, chega-se a outro exemplo de fé, o Muro das Lamentações, considerado pelos judeus como o local mais sagrado na Cidade Velha. Remanescente do segundo Grande Templo, o muro é bastante alto e, segundo os judeus, Deus vem ali ouvir os apelos das pessoas. Os fiéis enfiam papéis entre as pedras que formam o muro, deixando por escrito pedidos e agradecimentos por graças alcançadas.

 

Há sempre muitos ortodoxos, com sua indumentária negra, fazendo preces e orando à maneira judaica, com reverências repetidas. Há outros judeus que usam só o quipá. O turista, mesmo que não seja judeu, para entrar no local sagrado precisa pegar um quipá de papel num caixote e colocá-lo no alto da cabeça. O templo fica ao lado do Muro das Lamentações.

 

MONTE DAS OLIVEIRAS

 

Até o final do século XIX, a vida em Jerusalém transcorreu dentro das muralhas. Fora das muralhas, sempre ficou o cemitério, perto do Vale de Josafá, seguindo uma tradição religiosa - a de que os mortos ressuscitarão no dia em que o Messias chegar. Em meio a túmulos dos séculos I e II a.C., há ainda espaço para quem quiser ser enterrado ali, mas a um custo altíssimo, só mesmo acessível a milionários.

 

O cemitério fica abaixo do Monte das Oliveiras, de onde se tem uma vista belíssima da cidade. É o local do martírio e da ascensão de Cristo e da traição de Judas no Jardim do Getsêmani. Por isso, a colina é vista como um local sagrado, ao menos pelos cristãos.

Os passeios sempre começam no alto da colina. Abaixo, estão o Túmulo da Virgem, local onde a Virgem Maria teria sido sepultada; a Capela Dominus Flevit; a Igreja de Santa Madalena, ortodoxa russa, mandada erguer pelo czar Alexandre III, a Igreja do Paternoster e o Túmulo dos Profetas, além do cemitério dos judeus; e a Igreja de Todas as Nações, também conhecida como da Agonia por causa do cenário em mosaico que tem em sua fachada que mostra Cristo em seus últimos momentos.

 

A leste do Monte das Oliveiras, fica o Monte Sião, local do túmulo do rei Davi. O monte é reverenciado por judeus, cristãos e muçulmanos. Num prédio gótico do Monte Sião, está o Cenáculo, a Sala da Última Ceia, remanescente de uma igreja construída pelos cruzados. Segundo a tradição, a sala está no local em que Jesus Cristo fez a última ceia com seus apóstolos antes de se entregar aos guardas. A sala está vazia, mas emoldurada por arcos góticos.

 

No andar inferior ao da Sala da Última Ceia, ficam câmaras que são consideradas o túmulo do rei Davi. O local foi transformado pelos muçulmanos numa mesquita. Hoje, é entrada de uma sinagoga. Diz a tradição que nesse local Cristo lavou os pés dos discípulos depois da última ceia. Ali perto, foi instalado também o túmulo de Oskar Schindler (1908-1974), industrial alemão que, durante a Segunda Guerra Mundial, conseguiu evitar a morte de mais de mil prisioneiros judeus.

 

TANQUE DE BETHSEDA

 

Dentro das muralhas, também não se pode deixar de ver no bairro muçulmano a Igreja de Santa Ana, construída no século XI no local de uma igreja do período bizantino. A tradição diz que a igreja foi construída sobre o local onde moraram Ana e Joaquim, os pais da Virgem Maria.

 

Há ruínas que são atribuídas à casa dos pais de Maria. Bem próximo da igreja, na parte de trás, há ruínas de duas cisternas que foram construídas para coletar água da chuva em tempos anteriores a Cristo. À época de Herodes, essas cisternas foram aproveitadas como termas públicas. Diz a tradição que aqui ficava o tanque de Bethseda, onde Jesus Cristo curou um paralítico, como se lê no Novo Testamento (João 15.1.15).

 

FORA DAS MURALHAS

 

Da Jerusalém moderna, não se pode deixar de ver o Museu do Holocausto (Yad Vashem), que reúne mais de 2.500 objetos que pertenceram às vítimas do regime nazista durante a Segunda Guerra Mundial. Em suas várias seções, pode-se assistir a filmes, vídeos, trabalhos de arte e testemunhos de sobreviventes que foram coletados nos últimos 50 anos. Um dos aspectos mais impressionantes são os sapatos e chinelos das vítimas do holocausto que estão sob o assoalho protegidos por uma parede de vidro.

 

O museu é uma construção com estrutura triangular que penetra numa montanha. A idéia dos idealizadores é mesmo abalar o estado emocional dos visitantes, com o objetivo de suscitar uma reflexão com a esperança de que nunca mais na história da humanidade semelhante barbárie seja repetida.

 

O museu procura reproduzir a vida na prisão com fotos e mesmo pedaços de objetos e equipamentos da época, inclusive com beliches e parte de um vagão do trem que transportou os judeus para os campos de concentração. Há seções que reproduzem filmes da época que mostram Hitler fazendo os seus discursos ameaçadores.

 

Os mais chocantes são os filmes realizados pelos próprios nazistas que mostram tratores recolhendo corpos de judeus fuzilados para jogá-los numa vala. Não é permitida a entrada de crianças com menos de 12 anos de idade. O museu pode ser consultado pelo site www.yadvashem.org

 

Na Jerusalém moderna, há ainda outro passeio obrigatório: a ida ao Knesset, o Parlamento israelita, cujo prédio foi inaugurado em 1966 e é inspirado no Parthenon de Atenas. À frente do Knesset, está um grande menorá, o candelabro de sete braços que é símbolo do Estado de Israel. O trabalho em relevo retrata fatos da história judaica e traz citações bíblicas.

Adelto Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage - o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003). E-mail: adelto@unisanta.br