As máquinas de uniformizar:
o prestígio da doxa
José Augusto Mourão

(UNL-DCC)

 

 

Teses
Doxa
Conceitos, preconceitos
O sentido comum
Tradicionalidade
O torpor dogmático
Amarras
Entropia

Coda - Notas

CICLO "A VERDADE EM PROCESSO" - 2004

- Virgílio, de onde se levanta a vontade deste corp'a' screver; de onde se realiza?
- De onde se realiza, é o que pergunta?
- Sim, ouviu bem.
- Do coração da alegria breve.  

Lanço-me agora a correr pelo corredor escrevendo nessa Alegria, antes
que se desvaneça, enquanto lhe peço:

- Abra a porta.
- A da sala?
- A sala não tem porta – O corredor ri com a nossa imaginação.
- Abra a porta.
- A do quarto?
- O quarto não tem porta – O corredor sem portas ecoa de riso.
- A dos lugares-comuns?
- Sim, essa.

Maria Gabriela Llansol, Inquérito às Quatro Confidências
1997, p. 49


Desconfiar das ideias recebidas é muito mais difícil do que se julga, porque as ideias que parecem as mais modernas, aquelas que mobilizam instantaneamente toda uma comunidade, os seus media e as suas conversas, são quase sempre ideias convencionadas. Para que uma ideia circule é preciso que seja polida; para que adquira uma superfície lisa que lhe permite circular, são sempre necessários alguns anos. Eis porque as ideias que circulam são a maior parte das vezes espantosamente velhas. Aquele que procura o que é novo fica assim sempre sozinho. ( Michel Serres)

Onde acaba a virtude do sólido, do estável e do imutável? Onde começa a obsessão do rígido, do repisado (Amossy, 1991)

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Teses:

- as máquinas de uniformizar são de vária ordem: os textos (essas máquinas preguiçosas sempre necessitadas que as ajudem a cumprir o seu trabalho) (1), o cânon, a regra, o dogma, a opinião, a publicidade, a TV, o marketing, a comunidade, o cemitério.

- o lugar comum pode ser abordado como um “lugar semântico comum”, como transformação da memória colectiva (Barthes), como índíce da legibilidade dos discursos; o lugar comum tem uma natureza dialógica e releva daquilo a que H. Queré chama “habitus” a tal ponto que o cliché “se tornaria o modo ideal de partilha duma língua”.

- a tópica é o estudo das formas semânticas estereotipadas (Rastier) (2).

- o estereótipo pode ser abordado como portador de valores, como estratégia discursiva, ou como interacção no interior de um grupo social.

- o campo é uma legalidade específica, uma institucionalização de um ponto de vista que tem a sua doxa .

- como o campo artístico, cada universo de saber tem a sua doxa específica, ou seja um conjunto de pressupostos simultaneamente cognitivos e avaliativos cuja aceitação é implicada pela própria pertença (Bourdieu, 1997: 121); todos os que estão comprometidos num campo, tenentes da ortodoxia ou da heterodoxia, têm em comum a adesão tácita à mesma doxa que torna possível a sua concorrência e lhe marca o seu limite (Bourdieu, ibidem : 123)

- uma das catástrofes mais dramáticas que a imprensa moderna arrosta é, segundo Kraus (1920), a da “mise en phrases” ( die Katastrophe der Phrasen ), a verbalização obrigatória (numa linguagem pré-fabricada e estereotipada em que deixa de haver lugar para a espontaneidade e a autenticidade, mas apenas ideias e expressões acabadas) de tudo o que deveria ficar inexpresso, e o facto que o silêncio se tornou impossível (3).

- um dogma, separado do seu substracto teológico, é segundo Blaga (1988), uma antinomia transfigurada pelo próprio mistério que exprime.

- “As verdades da lógica são determinadas por um consenso de acções (…) Agimos todos da mesma maneira, marchamos todos do mesmo modo, contamos todos do mesmo modo” (4).

- o cliché coloca uma questão simples: o que é que vem em primeiro lugar? A repetição que faz que o cliché tome forma e consistência ou a estabilidade que o torna propício ao reemprego?

- a dessemantização do mundo (Greimas, 1979, T I p. 93; 1987, p. 16 e 73) leva considerar o sujeito como mais ou menos activo nas relações que mantém com o mundo. O hábito, a robotização arrastam consigo a perda do significado de muitos comportamentos e perceptos”; o indivíduo estará assim muito mais inclinado para viver de clichés.

- a técnica da informação vai produzir a desmodalização e a desmobilização.

- a doxa tem um papel de legitimação da canonicidade discursiva: a canonicidade duma série textual supõe a existência duma instituição discursiva (Sarfati, 2002, p. 182).

- a comunicação estética desenvolve-se na esfera da doxa (Cauquelin) (5).

- a língua franca da semiótica constitui uma forma de doxa (J. Deely, 1990) (6).

- os mestres da manipulação influenciam chefes de Estado, manipulam a informação, fazem e desfazem a opinião (7).

- a comunicação entrou na era da facticidade (8).

- as sondagens dizem-nos apenas que as pessoas interrogadas se referem a uma paisagem interpretativa (não a um estado de coisas) acreditando que outros partilham essa mesma interpretação; uma opinião colectiva não é uma proposição, mas um conjunto de proposições de referência, um conjunto de atractores (9).

- o lugar comum como dixis instituinte (Semprini: 1994) participa dessas formas enunciativas que têm atrás de si um ‘impessoal da enunciação'.

- nenhuma identidade colectiva se mantém sem ideologia e sem a sua metafísica de bolso.

- o médium precede a mensagem: primeiro inventou-se o canal e depois o canal impôs a invenção de conteúdos adequados (o CD-ROM interactivo).

- se as ciências naturais se movem no tempo darwiniano da evolução,as ciências da cultura movem-se num tempo lamarkiano, feito de tradições e de rupturas (Rastier: 2001: 283).

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INFORMAÇÕES
Local:
Convento de S. Domingos
Rua João de Freitas branco n.º 12
(antiga Rua dos Soeiros)
1500-359 Lisboa

Horário das Conferências:
(CCD - Conv. de S. Domingos)
5ª feira – 18:30h – 20:00h
(Entrada livre)