As máquinas de uniformizar:
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CICLO "A VERDADE EM PROCESSO" - 2004 |
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- Virgílio, de onde se levanta a vontade deste corp'a' screver; de onde se realiza? Lanço-me agora a correr pelo corredor escrevendo nessa Alegria, antes - Abra a porta. Maria Gabriela Llansol, Inquérito às Quatro Confidências |
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Desconfiar das ideias recebidas é muito mais difícil do que se julga, porque as ideias que parecem as mais modernas, aquelas que mobilizam instantaneamente toda uma comunidade, os seus media e as suas conversas, são quase sempre ideias convencionadas. Para que uma ideia circule é preciso que seja polida; para que adquira uma superfície lisa que lhe permite circular, são sempre necessários alguns anos. Eis porque as ideias que circulam são a maior parte das vezes espantosamente velhas. Aquele que procura o que é novo fica assim sempre sozinho. ( Michel Serres) Onde acaba a virtude do sólido, do estável e do imutável? Onde começa a obsessão do rígido, do repisado (Amossy, 1991) |
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Teses: - as máquinas de uniformizar são de vária ordem: os textos (essas máquinas preguiçosas sempre necessitadas que as ajudem a cumprir o seu trabalho) (1), o cânon, a regra, o dogma, a opinião, a publicidade, a TV, o marketing, a comunidade, o cemitério. - o lugar comum pode ser abordado como um “lugar semântico comum”, como transformação da memória colectiva (Barthes), como índíce da legibilidade dos discursos; o lugar comum tem uma natureza dialógica e releva daquilo a que H. Queré chama “habitus” a tal ponto que o cliché “se tornaria o modo ideal de partilha duma língua”. - a tópica é o estudo das formas semânticas estereotipadas (Rastier) (2). - o estereótipo pode ser abordado como portador de valores, como estratégia discursiva, ou como interacção no interior de um grupo social. - o campo é uma legalidade específica, uma institucionalização de um ponto de vista que tem a sua doxa . - como o campo artístico, cada universo de saber tem a sua doxa específica, ou seja um conjunto de pressupostos simultaneamente cognitivos e avaliativos cuja aceitação é implicada pela própria pertença (Bourdieu, 1997: 121); todos os que estão comprometidos num campo, tenentes da ortodoxia ou da heterodoxia, têm em comum a adesão tácita à mesma doxa que torna possível a sua concorrência e lhe marca o seu limite (Bourdieu, ibidem : 123) - uma das catástrofes mais dramáticas que a imprensa moderna arrosta é, segundo Kraus (1920), a da “mise en phrases” ( die Katastrophe der Phrasen ), a verbalização obrigatória (numa linguagem pré-fabricada e estereotipada em que deixa de haver lugar para a espontaneidade e a autenticidade, mas apenas ideias e expressões acabadas) de tudo o que deveria ficar inexpresso, e o facto que o silêncio se tornou impossível (3). - um dogma, separado do seu substracto teológico, é segundo Blaga (1988), uma antinomia transfigurada pelo próprio mistério que exprime. - “As verdades da lógica são determinadas por um consenso de acções (…) Agimos todos da mesma maneira, marchamos todos do mesmo modo, contamos todos do mesmo modo” (4). - o cliché coloca uma questão simples: o que é que vem em primeiro lugar? A repetição que faz que o cliché tome forma e consistência ou a estabilidade que o torna propício ao reemprego? - a dessemantização do mundo (Greimas, 1979, T I p. 93; 1987, p. 16 e 73) leva considerar o sujeito como mais ou menos activo nas relações que mantém com o mundo. O hábito, a robotização arrastam consigo a perda do significado de muitos comportamentos e perceptos”; o indivíduo estará assim muito mais inclinado para viver de clichés. - a técnica da informação vai produzir a desmodalização e a desmobilização. - a doxa tem um papel de legitimação da canonicidade discursiva: a canonicidade duma série textual supõe a existência duma instituição discursiva (Sarfati, 2002, p. 182). - a comunicação estética desenvolve-se na esfera da doxa (Cauquelin) (5). - a língua franca da semiótica constitui uma forma de doxa (J. Deely, 1990) (6). - os mestres da manipulação influenciam chefes de Estado, manipulam a informação, fazem e desfazem a opinião (7). - a comunicação entrou na era da facticidade (8). - as sondagens dizem-nos apenas que as pessoas interrogadas se referem a uma paisagem interpretativa (não a um estado de coisas) acreditando que outros partilham essa mesma interpretação; uma opinião colectiva não é uma proposição, mas um conjunto de proposições de referência, um conjunto de atractores (9). - o lugar comum como dixis instituinte (Semprini: 1994) participa dessas formas enunciativas que têm atrás de si um ‘impessoal da enunciação'. - nenhuma identidade colectiva se mantém sem ideologia e sem a sua metafísica de bolso. - o médium precede a mensagem: primeiro inventou-se o canal e depois o canal impôs a invenção de conteúdos adequados (o CD-ROM interactivo). - se as ciências naturais se movem no tempo darwiniano da evolução,as ciências da cultura movem-se num tempo lamarkiano, feito de tradições e de rupturas (Rastier: 2001: 283). |
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