O discurso maçónico infiltrado no científico, ou num poema, tem por consequência excluir os profanos do acesso à informação. Porém nenhum texto é simples, elaborado num código único: ao código que é dada língua natural juntam-se mais, vindos de outras línguas, ciências ou calões. A simbólica oriunda das sociedades iniciáticas não é o único elemento que interfere na transparência ideal do discurso do naturalista, mas deve ser o mais perturbador, porque a tarefa de a descodificar não soluciona os problemas que levantou, e por isso não restabelece a normalidade das relações entre leitor e autor.
No texto científico não lidamos com enunciador nem com personagens, sim com um autor, uma pessoa de quem esperamos lealdade e franqueza. Estamos preparados para compreender cientistas que erram, não estamos preparados para os que mentem, dissimulam a verdadeira informação ou se limitam a fazer humor. Tudo isso exclui o leitor do acesso à informação, e ninguém admite que tenha sido excluído.
Quando o autor não é claro, directo e franco em matérias sobre as quais não há hipótese de controvérsia - a situação geográfica de Coimbra não pode variar no mapa segundo o desejo de cada um, porém Augusto Nobre localiza essa cidade no Douro, entre mais metáforas ou transportes de sentido -, gera-se o caos (1). E nessa altura passamos a mover ao autor um processo de intenções. Não conseguiremos interpretar a informação, sem resposta a estas perguntas: com que intenção inclui Júlio Henriques o psicómetro entre os instrumentos de meteorologia? Com que intenção criaram os malacologistas a personagem de José da Silva e Castro, neste momento sem identidade que permita considerá-la uma pessoa? Com que intenção alteram os naturalistas as coordenadas geográficas de ilhas e outras localidades? Com que intenção mudam continuamente os caracteres ortográficos dos nomes e os nomes de certas espécies?
A semiótica e outras disciplinas de exegese do texto remeteram o autor para um plano secundário, donde não têm instrumentos para estudar intenções. Eis um problema interessante, porque, passemos agora para o romance ou para um poema, sem instrumentos para analisar o autor, ficamos privados de saber quando faz ironia, e a ironia, como se sabe, é um procedimento contrário à expressão da verdade. Realmente não é possível ter a compreensão global de um texto literário sem saber com que intenção, com que disposição de espírito foi escrito. O problema torna-se mais sério com o texto científico, impregnado por uma retórica que nos recusamos a ver, por termos dele a imagem de um comunicado puro, em absoluto isento de interferências devidas ao desejo. Os textos científicos habitualmente analisados no TriploV, ao contrário do que esperaríamos, são textos desejantes. O principal desejo que os impregna é o de serem cristalinos para uns leitores, e secretos e dissuasores para outros.
Para abrir os textos à compreensão dos interessados, numa época em que já se alcançou a democratização do ensino, é necessário instruí-los nos modos de ler. Eis a missão que venho cumprindo à escassa luz da minha candeia, e outra melhor não parece que exista, pelo menos nas universidades.
Dada a presença de simbologia carbonária nos naturalistas luso-brasileiros do século XVIII, formularei hoje a inevitável pergunta: onde foram iniciados os filósofos naturais, e por quem? Na Universidade de Coimbra, pelo Venerável Mestre Domingos Vandelli, eis a antecipada resposta. |