REVISTA
TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências ISSN 2182-147X NOVA SÉRIE
Maria Estela Guedes
Foto: Ed. Guimarães
"Munditações" e "Se lo dijo a la noche", poesia em
todas as línguas ibéricas
Reação talvez ao movimento globalizador,
que gera uma cultura planetária obscurecendo e provocando o
desaparecimento das inúmeras que constituem a personalidade dos diversos
grupos humanos, nos últimos tempos verifica-se a vontade de os escritores
e outros artistas revelarem a diversidade cultural que existe no
mundo, e no nosso caso particular, na Península Ibérica, e naquele
domínio da cultura que nos é, a nós, humanos, mais visceralmente materno: a língua.
Quem sabe que em Portugal existem duas
línguas oficiais? Pois existem, sim, embora muitos o ignorem e a
esmagadora maioria dos portugueses só fale português. A nossa segunda
língua é o mirandês, iluminado ultimamente por alguns intelectuais, e
editoras, como a Apenas Livros. O caso mais relevante é o do escritor
Amadeu Ferreira, que, sob o pseudónimo Fracisco Niebro, entre outras
façanhas linguísticas, pôs nas livrarias uma tradução de «Os Lusíadas».
MUNDITAÇÕES
Carlos Silva (fotografia)
Alberto Augusto Miranda, Alexandre Teixeira Mendes, Alice Macedo Campos,
Almudena Vidorreta Torres, André Domingues, Aurelino Costa, Carlos
Vinagre, Chusé Raúl Usón, Eva Méndez Doroxo, Fracisco Niebro, Iolanda
Aldrei, Leire Bilbao, Lucia Aldao, Mar Nicolás, Maria Estela Guedes,
Maria Lado, Pedro Ludgero, Raquel Lanseros, Sofia Castañon, Suzana
Guimaraens (texto)
Porto,
Incomunidade, 2011
44págs
Fracisco Niebro colabora em «Munditações», caderno de fotografias de
Carlos Silva, ilustradas com poemas em diversas línguas ibéricas, e
também participa na segunda obra de que falamos hoje, «Se lo dijo a la
noche». Os
poetas, oriundos desta parte ocidental da Europa, contemporâneos e em
boa parte jovens, receberam as imagens e foram convidados a escolher uma, que
funcionou assim como foco desencadeador do texto.
Amadeu Ferreira/Fracisco Niebro
escolheu o pote de ferro, imagem matricial que faz parte das memórias da
infância de muitos de nós, simbolizadora da língua nos vários sentidos
que toma a forma e o conteúdo do objeto, situado na área semântica do
alimento. Fica então o seu poema a
documentar o mirandês como uma das línguas que se falam na Península
Ibérica, e talvez, espero, o sentido maternal e fundador que acabei de
lhe atribuir.
La panela
Sinto-te l negro a arrebentar pula redundeç de fierro, quelor
de l tiempo
que te fui fazendo costra dun fruito que nunca tubo arble para assentar
l pencino ou primabera para frol cheirosa.
De ti bi renacer la bida a cada die, siempre ua renobada fuorça
criadora, malzina purmeira que ponie Ias risas a botá-le fuogo als uolhos i a colgar
ls oulores de sou cielo.
Nunca quejiste ser probeta de cientista, caldeiron de druida, segredo de
alquimista, puis stabas para alhá de todos eilhes, gulosos de tue
ambrosie que ls humanos mantenie.
Ambentemos l fuogo i nunca el quedou cumpleto antes que podira beisar la
prenheç de tue barriga, todo an nós demudando na caminhada de quemedores
de yerbas, chichas i mundos.
Hoije anferrujas nua squina, agoniados muitos cun tue negrura, squecidos
todos que, ne l templo de l tiempo houmano, ye tou por dreito un de ls
altares percipales.
Fracisco Niebro
SE LO DIJO A LA NOCHE
Juan Carlos Garcia Hoyuelos
Livro e DVD
Bilbao, Ediciones
Beta III Milenio, [2011]
[Traducido a todas
las lenguas ibéricas]
370 págs
«Se lo dije a la noche», de Juan Carlos
García Hoyuelos, é um projeto de maior envergadura que o anterior, se
bem que o intuito de reunir poetas das diversas línguas ibéricas seja o
mesmo. E é também idêntica a tendência para agregar artistas de
modalidades diversas. Se em «Munditações» falam um artista plástico e
vários poetas, no caso espanhol trata-se de congregar poetas, músicos,
declamadores e
cantores. Juan Carlos García convidou artistas de vários pontos da
Península, falantes das várias línguas, para traduzirem os seus poemas,
e também para comporem música e os cantarem. Desse modo, o resultado é
muito rico, distribuindo-se por livro e DVD.
O número de línguas ibéricas contemplado
neste volume de poesia é superior ao de «Munditações», dado que o autor,
segundo Óscar Esquivias, no primeiro dos três prólogos, quis que os seus
poemas fossem ditos em todos os idiomas que se falaram na Península ao
longo dos séculos, desde o sefardita ao português. O autor contou
com a colaboração de mais de uma centena de artistas, demasiados para os
podermos enumerar. Porém Juan Carlos é colaborador da
Revista
TriploV, por isso não se estranhará que salientemos a nossa presença
como uma das muitas participações na obra, na tradução de um poema, e em
declamação, esta a cargo de Luís Reis, do Triplo II - O blog do Triplov.
Já agora, além de Amadeu Ferreira, que traduz naturalmente para
mirandês, outros portugueses contribuiram para dar corpo à obra, caso de
João Rasteiro, Zilda Joaquim, José Viale Moutinho, Sónia Bettencourt,
Maria Gabriela Gouveia, Margarida Cláudio, e alguns mais.
Juan Carlos Hoyuelos encara a Península
Ibérica como uma família cultural e linguística, por isso excede as suas
fronteiras físicas, e contempla a incrustação inglesa em Gibraltar. O
afeto às línguas irmãs alarga-se então ao Norte de África e às ilhas da
Macaronésia. Pertencem ao autor os dois parágrafos seguintes, extraídos
da sua nota de abertura, em que explicita o seu pensamento e o objetivo
que subjaz à publicação de livro e DVD:
Iberia no es un
estado ni una unidad identitaria, es el encuentro fraternal de sus
pueblos, independientemente de las divisiones estatales que hoy nos
separan. Que todos los que lean este poemario puedan atestiguar y
silo desean recitar, bien para sus adentros o expirando los versos
que aqui se citan (por quê no?), como se sienten esas mismas poesias
en otras lenguas hermanas. Para elIo, gradas a muchos colaboradores
y al entusiasmo que ha despertado este libro novedoso, todas las
lenguas, sín excepción, están representadas. Cada aportación ha sido
para mí un valioso regalo, por cada traductor y recitador que iba
sumándose a este proyecto un poema cobra mucho más valor. Sí,
hago bien, subrayo el presente, porque un libro jamás es pasado ni
futuro mientras siga acostándose en unas manos.
Con el permiso de las líneas
discontinúas de los mapas, esas escarificaciones del poder sobre la
tierra, sobre las cordilleras e incluso sobre los rios que son de
piel nómada, he saltado las fronteras estatales que comprimen
nuestra tolerancia y doy protagonismo a una visión ibérica (no sólo
al bello rostro de nuestra península, sino también donde nos rodea
el aura, en nuestras islas Azores, Baleares, Canarias y Madeira, y
de igual modo en las ciudades de Ceuta y Melilla, pausas ibéricas en
África); lo importante son sus pueblos, las culturas que lo forman y
sus lenguas, patrimonio de todos nosotros... de todos!, un bien
común que no debiera de ser politízado por nada ni nadie. Se lo
dije a la Noche es un deseo donde todas las lenguas habladas en
los distintos países ibéricos puedan convivir en el mejor exponente
de la sensibilidad literaria, la poesia. Mencionar también a las
150.000 personas que todavia conservan viva el sefardi, lengua de
origen castellana (mezclada con otras lenguas de Iberia), hablada
por los descendientes de los judios expulsados de la península en eI
aflo 1492. Ésta sigue siendo vuestra tierra, y el ladino o sefardi,
un valiosísimo legado lingüístico que entre todos debemos de
salvaguardar.
Juan Carlos Garcia Hoyuelos, «Se lo
dijo a la noche»
Nas suas 151 recitações, o DVD documenta o
registo oral de todas as línguas ibéricas: castelhano, euskera (basco),
português, mirandês, catalão, galego, asturo-leonês, valenciano,
aragonês, occitano aranês, murciano, ladino (sefardi), inglês e romani.
Por razões poéticas ou de afeto à nossa
cultura peninsular, «Se lo dijo a la noche» tem obtido grande sucesso
nas feiras do livro em que se apresentou, e já figurou na lista dos mais
vendidos em algumas delas. Melhores notícias do que estas não podíamos
dar.
Maria Estela Guedes
(1947, Britiande / Portugal). Diretora do Triplov
Membro da Associação Portuguesa de Escritores,
da Sociedade Portuguesa de Autores, do Centro Interdisciplinar da Universidade de Lisboa e do Instituto São Tomás de Aquino. Directora do TriploV.
LIVROS
“Herberto Helder,
Poeta Obscuro”. Moraes Editores, Lisboa, 1979; “SO2” .
Guimarães Editores, Lisboa, 1980; “Eco, Pedras Rolantes”, Ler
Editora, Lisboa, 1983; “Crime no Museu de Philosophia Natural”,
Guimarães Editores, Lisboa, 1984; “Mário de Sá Carneiro”. Editorial
Presença, Lisboa, 1985; “O Lagarto do Âmbar”. Rolim Editora, Lisboa,
1987; “Ernesto de Sousa – Itinerário dos Itinerários”. Galeria
Almada Negreiros, Lisboa, 1987 (colaboração e co-organização); “À
Sombra de Orpheu”. Guimarães Editores e Associação Portuguesa de
Escritores, Lisboa, 1990; “Prof. G. F. Sacarrão”. Lisboa. Museu
Nacional de História Natural-Museu Bocage, 1993; “Carbonários :
Operação Salamandra: Chioglossa lusitanica Bocage, 1864”. Em
colaboração com Nuno Marques Peiriço. Palmela, Contraponto Editora,
1998; “Lápis de Carvão”. Apenas Livros Editora, Lisboa, 2005; “A_maar_gato”.
Lisboa, Editorial Minerva, 2005; “À la Carbonara”. Lisboa, Apenas
Livros Lda, 2007. Em co-autoria com J.-C. Cabanel & Silvio Luis
Benítez Lopez; “A Boba”. Apenas Livros Editora, Lisboa, 2007;
“Tríptico a solo”. São Paulo, Editora Escrituras, 2007; “A poesia na
Óptica da Óptica”. Lisboa, Apenas Livros Lda, 2008; “Chão de papel”.
Apenas Livros Editora, Lisboa. 2009; “Geisers”. Bembibre, Ed.
Incomunidade, 2009; “Quem, às portas de Tebas? – Três artistas
modernos em Portugal”. Editora Arte-Livros, São Paulo, 2010.
“Tango Sebastião”. Apenas Livros Editora, Lisboa. 2010. «A obra ao
rubro de Herberto Helder», São Paulo, Editora Escrituras, 1010.
«Risco da Terra», Lisboa, Apenas de Cordel.
ALGUNS COLECTIVOS
"Poem'arte - nas margens da poesia". III Bienal de
Poesia de Silves, 2008, Câmara Municipal de Silves. Inclui CDRom
homónimo, com poemas ditos pelos elementos do grupo Experiment'arte.
“O reverso do olhar”, Exposição Internacional de Surrealismo Actual.
Coimbra, 2008; “Os dias do amor - Um poema para cada dia do ano”.
Parede, Ministério dos Livros Editores, 2009.
Entrada sobre a Carbonária no Dicionário
Histórico das Ordens e Instituições Afins em Portugal, Lisboa,
Gradiva Editora, 2010. "Munditações", de Carlos Silva, 2011. "Se lo
dijo a la noche", de Juan Carlos Garcia Hoyuelos, 2011; "O
corpo do coração - Horizontes de Amato
Lusitano", 2011.
TEATRO
Multimedia “O
Lagarto do Âmbar, levado à cena em 1987, no ACARTE, Fundação
Calouste Gulbenkian, com direcção de Alberto Lopes e interpretação
de João Grosso, Ângela Pinto e Maria José Camecelha, e cenografia de
Xana; “A Boba”, levado à cena em 2008 no Teatro Experimental de
Cascais, com encenação de Carlos Avilez, cenografia de Fernando
Alvarez e interpretação de Maria Vieira.