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BOLETIM DO NCH
Nº 16, 2007

Tectónica e sismicidade na ilha do Faial e o sismo de 9 de julho de 1998
José Madeira & António Brum da Silveira

Madeira, J. & Brum da Silveira, A. (2007), Tectónica e sismicidade na ilha do Faial e o sismo de 9 de Julho de 1998. Boletim do Núcleo Cultural da Horta,16: 61-79.

Sumário<
Summary..
Introdução..
Enquadramento Tectónico do Arquipélago..
Neotectónica na ilha do Faial..
Paleossismmicidade..
O sismo de 1998 e os seus efeitos na ilha do Faial..
Conclusões..
Bibliografia

O sismo de 1998 e os seus efeitos na ilha do Faial

As 5h e 19m (UTC) do dia 9 de Julho de 1998, um sismo com magnitude M=6,1 (1) atingiu a ilha do Faial. Toda a região nordeste sofreu intensa destruição, arrasando quase totalmente as povoações de Espalhafatos e Ribeirinha e, em menor grau. Pedro Miguel, Salão e Cedros. Flamengos e Lombega, apesar de localizadas fora daquela região, sofreram, ainda assim, avultados estragos. Registaram-se nove vítimas mortais (uma das quais por ataque cardíaco) e uma centena de feridos, na grande maioria de gravidade reduzida, em resultado do colapso das habitações.

Um abalo premonitório, sentido pela população do Faial, precedeu em 15 minutos o sismo principal. O foco localizou-se a cerca de 2 km de profundidade e cerca de 10 km a nordeste do Faial (38.634 N-28.523 W; Vales et al.,2001; Matias et al., 2007).

Um milhar e meio de habitações sofreu fortes danos, metade das quais sem recuperação. A destruição observada sugeria magnitude superior à determinada e fazia temer um número de vítimas elevado.

De facto, a intensidade da destruição no património construído e o baixo número de vítimas mortais são justificadas pelas características da construção tradicional, dominante nas freguesias atingidas. A maior parte das casas atingidas apresentava tipologia idêntica: um ou dois pisos (loja e piso de habitação), paredes exteriores de duas folhas, em pedra não talhada, seca ou com argamassa de barro, e divididas internamente por tabiques de madeira. A resistência sísmica reduzidíssima deste tipo de construção justifica a forte destruição registada. Todos os edifícios de construção recente saíram incólumes do evento, mesmo em zonas de destruição generalizada. Aqui e ali, casas recentes intactas destacavam-se de uma paisagem de ruínas totais ou parciais. O reduzido número de vítimas mortais, dado o grau de destruição e a hora do abalo, deveu-se ao facto dos habitantes não terem conseguido sair para a rua durante o sismo. Os tabiques de madeira, flexíveis, e os móveis altos (roupeiros e cabeceiras das camas) suportaram os telhados e impediram que as paredes exteriores ruíssem para dentro das casas. Estas circunstâncias permitiram a criação de vãos que protegeram os habitantes. Pelo contrário, as viaturas estacionadas à beira das casas ficaram frequentemente esmagadas pelo colapso das paredes para o exterior.

As igrejas, maioritariamente antigas, apresentavam características similares; sofreram, por isso danos equivalentes. A igreja do Salão foi completamente arrasada (Figura 2). As que não ruíram totalmente apresentavam-se praticamente irrecuperáveis ou de recuperação complexa. Ficaram neste estado as igrejas da Ribeirinha, Pedro Miguel, Flamengos e Angústias (esta menos afectada). Outras, de construção mais recente (década de 50 ou 60), como as dos Cedros e da Ribeira Funda, sofreram estragos menos intensos.

Figura 2
Destruição total da Igreja do Salão durante o sismo de 1998.

A edificação mais próxima do epicentro, o farol da Ribeirinha, ficou intensamente danificada (Figura 3). Apesar de muito robusta, esta construção datada do período de 1935-40, não apresentava ainda estrutura anti-sísmica. As grossas paredes exteriores, com 50 cm de espessura e construídas em pedra aparelhada com argamassa de cal, tombaram para fora e a torre do farol sofreu fracturação a cerca de meia altura ao longo da qual sofreu uma rotação de 15 a 20 cm no sentido directo.

Pequenas construções recentes, como torres dos postos transformadores e abrigos das paragens de autocarros, em betão armado, não apresentavam em geral quaisquer estragos.









Figura 3
Danos causados no Farol da Ribeirinha pelo sismo de 9 de Julho de 1998.

As pontes foram infra-estruturas que também sofreram danos avultados. Construídas no século XIX, apresentavam estrutura suportada por um arco de pedra e ligação às margens por aterro suportado por paredes de pedra solta. Apesar dos arcos terem suportado a vibração sísmica, os muros de suporte desmoronaram provocando o colapso do piso. A localidade de Espalhafatos ficou quase isolada devido à queda parcial das duas pontes da estrada regional localizadas nos limites oriental e ocidental da povoação.

Escorregamentos, queda de muros de suporte, assentamento de aterros, queda de blocos das barreiras nos troços em desaterro e colapso de casas afectaram a circulação na maioria das estradas da região. Contudo, apenas os escorregamentos causaram prejuízos significativos.

As alterações físicas do terreno por efeito do sismo resultaram de fracturação tectónica e escorregamentos. Fendas no solo, apresentando comprimentos variáveis que podiam atingir urna dezena de metros, foram o principal resultado da deformação tectónica superficial ao longo das falhas da região nordeste da ilha. A análise geométrica das fendas revelou o predomínio das direcções tectónicas conhecidas correspondentes às duas famílias de falhas principais (WNW-ESE e NNW-SSE). Observaram-se fracturas com abertura (extensão), com separação em direcção (desligamento direito ou esquerdo), em inclinação (predominantemente do tipo normal), ou um misto destas componentes (separações oblíquas) (Madeira et al.,1998a, b). A cinemática deduzida da geometria das fendas mostrou-se compatível com a movimentação nas famílias de falhas com orientação equivalente: normal direita nas fracturas orientadas a WNW-ESE e normal esquerda nas fracturas com direcção NNW-SSE. Onde a direcção das fracturas restringia o deslizamento formaram-se sectores elevados em compressão (push-ups), onde as curvaturas das fracturas eram favoráveis registaram-se pequenas depressões tectónicas do tipo pull-appart.Observaram-se estes aspectos de deformação nos blocos elevados da falhas da Ribeirinha (em particular no asfalto da estrada do farol), Chã da Cruz e Lomba Grande. Um pasto junto à escarpa da Chã da Cruz apresentava fendas com critérios indubitáveis de desligamento direito (Figura 4) e escarpas centimétricas com abatimento para sul. Situação similar foi encontrada no Cabouco Velho: onde a estrada cruza a falha da Lomba Grande, o asfalto apresentava um ressalto de dez a vinte centímetros precisamente sobre o traço da falha. A ocorrência de ambas as direcções tectónicas na fracturação do solo produzida pelo sismo não permitiu concluir sobre qual dos sistemas tectónico gerou o evento principal. O abalo desencadeou deslizamentos em arribas litorais, nas paredes internas da caldeira, em escarpas de falha e na vertente noroeste do Vulcão da Caldeira, sobranceira à Ribeira Funda. Nas arribas entre a Ponta do Salão e a foz da Ribeira Seca (Pedro Miguel) ocorreram movimentos de massa generalizados, do tipo queda de solo e de fragmentos rochosos, que causaram a remoção de toda a sua cobertura vegetal. No entanto, os volumes mobilizados foram reduzidos conforme foi possível verificar pela dimensão das acumulações na base das arribas. Para sul da foz da ribeira Seca até à Ponta da Espalamaca, na costa leste, e da Ponta do Salão até à praia da Fajã, na costa norte, a queda de material das arribas foi descontínua envolvendo volumes mais reduzidos. No interior da Caldeira deram-se desprendimentos do mesmo tipo nas paredes norte e oeste e em torno do doma traquítico do Altar.

Figura 4
Fendas com componente de desligamento direito no bloco elevado da
Falha da Chã da Cruz.

Nas escarpas de falha houve queda de fragmentos rochosos e deslizamentos em prancha e em concha. Exemplos de deslizamentos em concha ocorreram nas escarpas das falhas da Ribeirinha, da Chã da Cruz e da Lomba Grande. Na escarpa da Ribeirinha, os escorregamentos cortaram ambos os acessos da povoação para o farol, que passou a ser possível apenas a partir de Espalhafatos. A vertente da Lomba Grande apresentava um grande deslizamento em prancha, com cerca de 50 m de largura; os materiais mobilizados fluíram pelos pastos da base da escarpa avançando 50 a 60 m.

Na vertente noroeste do vulcão central ocorreram numerosos pequenos escorregamentos e um de volume bastante significativo. Tratou-se de uma avalancha de detritos (debris avalanche) que se desenvolveu a partir de uma zona de cabeceira com 200 m de largura junto ao bordo da Caldeira. Os produtos mobilizados, cinzas e pedra-pomes de uma erupção datada de há 1200 anos (Madeira et al., 1995), deslocaram-se pelo vale da ribeira do Risco em direcção à povoação da Ribeira Funda. Devido a uma primavera particularmente seca os materiais envolvidos continham muito pouca água. Se se encontrasse saturada, como é costume, a mobilidade da massa escorregada teria sido bastante superior. As matas de Criptomeria existentes no vale da ribeira também contribuíram para lhe reduzir a mobilidade e acabaram por constituir uma barreira que parou o movimento a cerca 1400 metros de distância da zona de cabeceira e 320 metros mais abaixo, ao longo de um declive médio de 15°. Sem a conjugação destas duas circunstâncias o fluxo de detritos teria certamente atingido a povoação da Ribeira Funda. A área afectada pelo escorregamento foi de cerca de 18 ha (177.000 m2) e o material envolvido apresentou um volume de 600.000 m3 (Madeira et al., 1998a, b). A análise de fotografia aérea revelou, na mesma região, evidências da ocorrência, no passado, de eventos do mesmo tipo abrangendo volumes e áreas superiores aos que se estimaram nos eventos de 1998.

Notas
(1) Magnitude de momento (MW)=6.1; magnitude local ou magnitude de Richter (ML) e magnitude de ondas de corpo (mb) = 5.8.