De Pedro da Silveira dizia Natália Correia que tinha uma língua viperina. Era marca de todos sabida e por não poucos receada. Um dia Lúcia Lepecki, numa roda literária, vendo que ao sair alguém da mesa ele desatava em corte interminável da sua casaca, interrompeu-o: «Puxa, Pedro! Não se pode ‘tar longe de você!». Mas mais aguda ainda era a sua memória, inesgotável fonte de notas de rodapé biobibliográficas. Abria os seus ficheiros sem reservas. Bastava pedirem-lhe. Desbobinava de imediato. Na Biblioteca Nacional era uma biblioteca à parte. E nas cartas revelava cortesia e lhaneza admiráveis, mesmo surpreendentes para quem testemunhava a sua presença muitas vezes pouco simpática pela fala compulsiva e impertinente.
Não conhecida de muitos, a sua poesia merece deveras o apreço de quem a conhece. Nos Açores, A Ilha e o Mundo (1952) é um clássico portentoso. Quando surgiu foi um terramoto nas letras e nas mentes. Houve mais: Sinais de Oeste (1962), ambos felizmente tornados de novo acessíveis em Fui ao Mar Buscar Laranjas, o Livro I da «poesia reunida» que a Direcção Regional da Cultura dos Açores editou. Poemas Ausentes (1999), publicado em Santarém pela O Mirante, ainda circula por aí. Traduziu poetas de cuja poesia ficou amigo.
Deixa um espólio de valor incalculável. Em dois programas de TV comigo enumerou-me os projectos que tinha entre mãos, a maioria deles há longas décadas, e que sentia urgência em terminar: o Romanceiro da Ilha das Flores, uma História Breve da Literatura Açoriana, uma Antologia do Conto Açoriano, uma colectânea dos seus próprios contos, muita poesia dispersa para organizar. Notas e apontamentos sem fim porque nunca dava um trabalho por terminado. Faltava sempre alguma vírgula num algures ainda a descobrir. Por isso era corrosivo perante as imperfeições que achava nos outros. Tinha há dois anos para me enviar as respostas a uma entrevista. Faltavam certas datas. Prometera também poemas. Não conseguia encontrá-los nos caixotes. E um conto. Queria revê-lo.
Deixa-nos ainda uma lista longa de histórias. Aconteciam sempre à sua volta e em redor do seu verbo. Perguntei- lhe uma vez em que estava a trabalhar. Traduzia para português o romance de uma mulher açoriana. Em que língua está então escrito? – inquiri curioso. A resposta veio mordaz: Em micaelense!
«Acabado, mas não tanto» era um dos seus belos poemas da velhice. Inacabado ficou, porque para ele nada tinha fim. A obsessão com o rigor levou-o a publicar pouco, e daí ser hoje para muitos uma ilha ainda desconhecida. Mais do que isso: uma preciosa mina. |