Sétimo Severo fez construir um palácio, e nele uma grande sala em que
dava audiências e administrava a justiça. No tecto desta sala tinha
feito pintar uma representação do céu estrelado, não um qualquer, mas o
do seu nascimento, isto é, a constelação das estrelas que presidiram ao
seu nascimento e ao seu destino. Assim inscrevia as sentenças, mostrando
de que modo o logos que presidia a esta ordem do mundo e que
presidira ao seu nascimento era o mesmo que fundava e justificava as
sentenças que dava. Tratava-se de mostrar como o seu reino tinha sido
fundado sobre os astros. O que se manifestava aqui como poder, podia e
devia ser decifrado em verdade na noite do céu.
Durante muito tempo se pensou que a Natureza era um espelho do
pensamento divino e, a par disso, também um livro imenso – o codex
vivus, semelhante ao codex scriptus da Bíblia, segundo
a comparação de Campanella. Por ela deveria fazer-se visível o invisível
e os sagrados enigmas serem, até certo ponto, decifráveis. Os
bestiários, plantários e lapidários medievais reforçam a inteligência
simbólica da natureza. Nos Hieroglyphica de Horapolo (1505) todos
os animais e plantas têm algo a dizer-nos. Cada animal é como um artigo
do código moral que a natureza nos propõe. Algo de que encontramos eco
na obra de Maria Gabriela Llansol.
O
céu é a parte da criação incompreensível (invisível) ao homem, a terra é
a que lhe é compreensível (visível), diria Karl Barth. Retomemos a
analogia dos dois livros: a Bíblia (o 1º Iivro) e a Natureza (o 2º
livro). Separar a leitura destes dois livros (obra das religiões e da
ciência) tem sido desastroso. Há um evidente curto-circuito entre o alto
e o baixo, a imanência e a transcendência, com o medo de perder a
“transcendência” ou de cair no panteísmo: “Deus sive natura”, as
ciências e as religiões.
“É
impossível definir o que é durável e o que é transitório, o que está em
cima e o que está em baixo, o que é bem e o que é mal, o que é humano e
o que é inumano, sem o submeter desde logo a essa formidável injunção:
“Acautelai-vos! Os tempos estão próximos em que correis o risco de
perder a Terra” (B. Latour). Este fim voltou a estar próximo e é disso
que se ocupa a escatologia ecológica (discurso sobre o fim dos modos de
vida antigos). O fim dos tempos somos nós que o impomos a nós mesmos,
nos papéis de vítima inocente, pecador malfeitor ou anjo exterminador. É
preciso:
a)
reconhecer o carácter vivo da Terra - a sua regulação do clima e da
química – obriga-nos a reformar o nosso modo de vida
b)
reconhecer que quando invocamos o Espírito Santo não é para que nos
enxugue as lágrimas, mas para que “renove a face da Terra”;
c)
reconhecer que o apelo à lei natural tem sido a pedra de toque de toda
uma série de questões controversas - “A Igreja, apegando-se à natureza,
corre o risco de perder a sua vocação profunda que é a Criação “em dor
de parto”.
Voltar à Terra não é o mesmo que “voltar”, “respeitar”, à natureza. Não
há uma natureza a proteger, mas uma Criação a continuar. A ecologia de
origem ecológica apenas suscita o terror. Não é da Natureza que se
trata: o grande Pã morreu. A grande tarefa da teologia é libertar-se da
natureza, indo ao encontro da carne com dores de parto.
Sem embarcar no Intelligent Design
Movement que pretende derrubar o materialismo e abrir o caminho a
uma compreensão teísta da natureza.
Não haverá uma conciliação a encontrar?
De que me serve salvar a alma se eu e os meus netos perdemos a Terra?
Porque deixastes de vos desinteressar pela Terra, vós os guardiães da
Incarnação? Tornar-se mestre e possessor da natureza (Descartes),
dominar a Terra será o mesmo que desprezá-la? Que pode ser uma teologia
cosmocêntrica?
José Augusto Mourão op |
Promotores
- ISTA - Instituto de S. Tomás de Aquino; TRIPLOV; Barafunda, AJCSS;
CEPSE - Cooperativa de Estudos e Intervenção em Projectos
Socioeconómicos.
(José
Augusto Mourão, Maria Estela Guedes, Isabel Rufino)
Apoio: CFAE
- Centro de Formação da Associação de
Escolas de
Alcobaça e Nazaré |