Depois disto, uma discussão que procurarei resumir, parecia inevitável. Se Campos a iniciou deve ter sido porque Reis se tinha mostrado em desacordo com a sua crítica. Iniciou-a, pois, afirmando que a poesia é aquela forma da prosa em que o ritmo é artificial e que, mediante as pausas entre verso e verso e outros recursos que lhe pareciam absurdos e antinaturais, cria uma sugestão rítmica e uma sugestão acentual, mas porque há-de haver um ritmo artificial? Reis responde que isso se deve a que a emoção intensa não cabe na palavra, pelo que tem de descer ao grito - e gritos lhe deviam parecer os poemas de Álvaro - ou subir ao canto, e como dizer é falar, e se não pode gritar falando, tem de se cantar falando, e cantar falando, e cantar falando é meter a música na fala; e, como a música é estranha à fala, mete-se a música na fala dispondo as palavras de modo que contenham uma música que não esteja nelas, que seja, pois, artificial em relação a elas. Campos apanha luva de Reis mas não chega, pelo menos por escrito e nestes momentos, a uma conclusão clara. E Reis insiste em que Campos considera a poesia como uma prosa que contém música, daí o seu artifício. Mas ele, Reis, antes diria que a poesia é uma música que se faz com ideias, e por isso com palavras. Com emoções , responde-lhe o emotivo Campos, fareis só música. Com emoções que caminham para as ideias, que se agregam ideias para se definir, fareis o canto. Com ideias só, contendo tão somente o que de emoção há necessariamente em todas as ideias, fareis poesia. Por isso, quanto mais fria a poesia, mais verdadeira, pois a ideia perfeitamente concebida é rítmica em si própria.
in: A Vida Plural de Fernando Pessoa, de Àngel Crespo, em tradução de José Viale Moutinho, Bertrand Editora, Julho de 1990 |