A LÍNGUA DAS AVES
ou o segredo dos Psittaciformes
Todas as aves falam, por isso S. Francisco mantinha com elas largas conversações. Outros animais falam, além das aves, por isso Santo António fez sermões aos peixes. Antigamente, era normal ouvirem-se, por isso faz parte da aprendizagem básica tudo o que diz respeito ao tema "No tempo em que os animais falavam". A partir de certa altura, talvez em finais do século XVIII, quando as orelhas humanas se fizeram moucas a tudo o que não fosse ditado pelas deusas Ciência e Razão, só uns poucos continuaram a ouvir, como Fulcanelli, José Manuel Anes ou Richard Khaitzine (1).
E que língua falam as aves? - perguntem. Ora, falam qualquer uma, desde que o essencial da conversa se oculte nas pregas das muitas linguagens em que qualquer discurso se enuncia, & il n'est pas nécessaire that it be a crioulo ou escrita hybrida. Pode ser um discurso científico sobre os Psittaciformes, verbi gratia. Sob este discurso sobre papagaios, pasma, indolente como o Crocodylus niloticus, um rol de segredos (2). Não é invisível, mas não se vê. Só não lê quem não sabe, quem sabe lê isso e muito mais e para esses não existe segredo nenhum na source em que se banham, à maneira de heliotrópios inclinados para a água, bandos e bandos de Phoenicopterus ruber roseus.
Posto isto, falemos então dos Psittaciformes, ou Psitaciformes, para alguns, vulgo papagaios. "Los loros son monos alados, non solo en la opinion del hombre de mundo, sino tambien para el naturalista" - dizia Brehm, anos antes de 1885, data da versão em castelhano da sua clássica obra "La Creación". Hoje, como sabemos, louros e outras aves são considerados mais próximos dos dinossauros do que dos macacos. Quanto a mim, porém, os lourinhos e demais Psittaciformes (ou Psitaciformes, como escrevem outros, semelhantes àqueles que grafam Dendroaspis em vez de Dendraspis, ou vice-versa, ou Pleurodeles waltl em vez de waltli, quando essas lesmas de ossos espetados para fora da pele - com o perdão das salamandras - antes se chamavam waltlii, sem se interrogarem sobre esses extraordinários eclipses dos caracteres) - quanto a mim, dizia, os lourinhos são as criaturas mais parecidas com os humanos. Não por falarem, pois todos os animais falam, em especial as galhas - graalhas, emendo (e quando, por excepcional delicadeza, os que falam a língua das aves se doam à errata, é sempre pior a ementa que o sorvete), sim por copiarem, e imitarem, fazerem copy/paste sem reflectirem no que diz o script, mais automáticos do que bots.
Pois é verdade, diz Brehm que os papagaios são macacos emplumados, pela faculdade de imitarem, de treparem pelos ramos e de se agarrarem a eles, pela memória, astúcia, e também pela sua inteligência, malícia e caprichos. Um dos louros de Brehm aprendeu a molhar na tina da água os torrões de açúcar, para os amolecer antes de os saborear. O Jaco foi outro louro (Psittacus erithacus) que Brehm teve a felicidade de conhecer em vida, e não empalhado num museu. O Jaco, ou Jacó, viveu em Viena e em Salzburgo; cantava e dizia centenas de frases. Quem o ouvia sem ver, pensava que alguém ensaiava um discurso ou pregava um sermão. É também conhecido o caso de um louro que cantava em francês, sem trocar a pronúncia dos "en" pela dos "ain" e dos "on". Para meu pesar, só posso dar a letra da canção, mas a música deve ser igualmente maviosa.
Há muitas espécies de Psittaciformes, distribuídas sobretudo pela América e África, mas chegam para exemplo VIIII das mais gritantes que falam em baixo.
Maria Estela Guedes
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