CARTA ABERTA AO DR. SALAZAR* Pode V. Ex.a reclamar como obra verdadeiramente salazariana, na ordem dos seus actos e da sua moral:
Pois esse oficial recebeu de um camarada, que se dizia também seu amigo, uma carta na qual se desculpava de não assistir ao banquete, nos seguintes termos textuais: «...isso leva-me a contrariar deliberadamente os meus propósitos e porque a minha ausência poderia parecer a seus olhos desinteresse e ingratidão, tomei a iniciativa de lhe escrever, crente que compreenderá os motivos conhecendo o ambiente como conhece. ISTO É CERTAMENTE UMA MANIFESTAÇÃO DE COBARDIA, mas, de facto, receio mais deselegâncias e picardias porque tenho fracas armas para combater. Espero que me desculpará». Uma declaração destas já não desqualifica um oficial do Exército. Ao contrário - protege-o. Todos têm medo no sistema criado por V. Ex.a - um sistema em que não há instâncias sérias de recurso. E este medo geral é a melhor, a principal arma de V. Ex.a - e o sentimento colectivo a que deve, mais do que a nenhum outro, a sua estabilidade e a sua prosápia. Quando V. Ex.a era um seminarista de vinte anos - modesto e sem ambições, como se propagou depois - bolsou um dia sobre os alunos do liceu de Viseu esta frase de certo sabor profético: «Modelar uma alma, que grande obra! Que obra extraordinária a de formar um carácter, um indivíduo, um corpo, uma inteligência como este pobre Pais de Portugal exige para se tornar grande !» Os actos de V. Ex.a permitem hoje admirar o afinco e o talento com que deformou as almas e caracteres dos portugueses actuais. E aqui tem V. Ex.a, esboçado à pressa, um dos aspectos da sua obra - pelo qual bem pode reclamar da História o cognome de «Capador». B. - Uma administração corrupta até à medula, de ignóbeis intimidades e entendimentos, entre desonestos apontados a dedo por toda a população e políticos que se julgam honestos só porque não lhes rendem notas do Banco os favores que fazem e as combinações a que se prestam. Todos os princípios morais redutíveis a dinheiro. Durante muito tempo, e porque V. Ex.a entrou na arena política com fama de homem de bem, a maioria dos roubados (todos nós) acreditava que V. Ex.a ignorava a série de imoralidades, de escândalos e de roubalheiras que puseram o País a saque. «É porque ele não sabe»...«Ah, quando ele souber. ..» E a Nação pretendia assim, ingenuamente, manter a ideia que se fizera acerca da honestidade de V. Ex.a - mais uma ideia falsa como tantas outras a que se aferrara. Afinal V. Ex.a não só sabia como também protegia pela impunidade, e até pela recompensa, os mais corruptos dos seus apaniguados. (...)
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