Wladimir Vaz também poeta

 

 

MARIA ESTELA GUEDES


Primeiro livro de poemas de Wladimir Vaz, “Para quem está se afogando crocodilo é tronco”, vem acompanhado pelas colagens meio surrealistas de Elisa Scarpa. Eles casam bem os dois, não em letra de poema, sim atitude face a ele. Em ambos, o poema atinge o tecido social com a ironia, o lamento ou o escárnio, mais mitigado no poeta brasileiro, e devo esclarecer que me refiro à Elisa Scarpa que também é poeta.

O que escreve Wladimir Vaz parece muito fora deste mundo, mas, pelo contrário, o seu tronco salvador é bem materializável. De uma parte ele é brasileiro e, por muito que peritos queiram convencer-nos de que a língua é só uma, não, há diversos registos do Português e o do poeta é especialmente difícil por emergir de um socalco social específico: o da juventude, com a sua música, o seu cinema, as suas leituras, as suas opções políticas, as suas práticas culturais, verbalizadas com o seu jargão, com as suas expressões idiomáticas, e sobretudo com a sua imensa riqueza lexical. No caso de Wladimir Vaz, cultura oriunda também da vida partilhada desde há alguns anos com portugueses e com falantes de espanhol, aliás com o galego e o castelhano.

O livro de Wladimir Vaz não metaforiza muito com o título. Se algo posso avançar quanto ao estilo, diria que ele tende para o expressionismo, universo de luz e sombra que transcende completamente a realidade para evocar as muito longas sombras de «Nosferatu» ou do «Gabinete do Dr, Caligari».

um dia, desses tantos que se cabem em algum calendário,
estará a data da morte de meu pai, o acidente de um amigo
ou o meu próprio,
relembrarei por dias, meses e anos,
nesses calendários chamados de folhinhas por minha avó,
que era cega e me pedia para ver que dia estávamos
e que desde 20 de setembro de 1996, não me pede mais nada.

Há um “também” no meu título. É que o Wladimir trabalha com a imagem, com a guitarra e com os livros, pelo menos. Editor da Urutau, tem dado à estampa muitas obras, entre as quais saliento as de poesia. É a edição financeiramente mais arriscada, como sabem os que lidam com livros. Editores menos arrojados ficam pelos livros de supermercado, aqueles que se vendem. Aliás os únicos felizes neste mundo do papel são os que trabalham com os livros escolares. Wladimir Vaz merece a gratidão dos poetas pela sua coragem, que espero não o ponha à beira de se agarrar ao crocodilo como tábua de salvação.

É um livro disfórico, de travessia dos mortos do rio Letes, através da geografia familiar, uns na Europa, outros na América, outros em parte ignota. Livro por isso de pontes, de fronteiras, de línguas e linguagens, de corpos, e de uma doçura muito própria de Wladimir, que afaga as palavras como se fossem de amante.

Num tempo em que em volta desce um véu de luto pesado, que não referencia este ou aquele, podendo servir-se de uma personagem como exemplo da globalidade que povoa a Terra, Wladimir Vaz lança à água o seu jacaré salvador – a poesia.

 

 

Para quem está se afogando crocodilo é tronco
Wladimir Vaz Mourão
Editora Urutau, 2023
Disponibilidade: Brasil/Europa
Prefácio por Antônio Brasilit
Elisa Scarpa [colagens]