Alexandrian, em História da Filosofia Oculta (Edições 70, Lisboa, s/d), atribui-lhe o mesmo alcance: O espírito da Gnose subsistiu até nossos dias, afirma. E acrescenta: Todos os grandes filósofos ocultos foram, de uma forma ou de outra, continuadores dos gnósticos, sem que necessariamente lhes utilizassem o vocabulário e os temas, e sem se preocuparem permanentemente com Pleroma, com os Eons ou com o Demiurgo.
Pelas mesmas razões, Alexandre Roob, em Alquimia & Misticismo - O Museu Hermético (Taschen, Lisboa, 1997) também situa o gnosticismo na origem da tradição mágica e mística ocidental, da qual faz parte a alquimia. Observa que procedimentos mágicos são uma tentativa de superar o abismo entre o pleroma, a plenitude espiritual do mundo de luz divino, e o kenoma, o vazio material do mundo das manifestações terrenas. [...] As repercussões da consciência gnóstica sobre a vida intelectual européia são de tal modo vastas e onipresentes que se torna difícil avaliar sua dimensão: o homem do corpus hermeticus, dotado de poderes criadores divinos, funde-se com a imagem do homem renascentista, que começa a libertar-se das cadeias do cosmos medieval, estratificado, para se deslocar na direção do centro do universo.
O cosmo gnóstico foi povoado por um sem-número de entidades e categorias cujos nomes parecem ser ressonâncias de línguas arcaicas da Mesopotâmia, do grego e do hebraico, em um sincretismo que suscitou comentários de Georges Bataille, em Le bas matérialisme et la gnose (no Volume I de suas Oeuvres Completes, ed. Gallimard), acentuando o que essa doutrina tem de perturbador, ou seja, subversivo:
A gnose, com efeito, antes e depois da predicação cristã, e de um modo quase bestial, quaisquer que tenham sido seus desenvolvimentos metafísicos, introduziu na ideologia greco-romana os fermentos os mais impuros; emprestava de toda parte à tradição egípcia, ao dualismo persa, à heterodoxia judaico-oriental, os elementos os menos conformes à ordem estabelecida; acrescentava-lhes seus próprios sonhos, exprimindo com clareza algumas obsessões monstruosas; não se repugnava, na prática religiosa, com as formas mais baixas (por isso, inquietantes) da magia e da astrologia gregas ou assírio-caldaicas; e ao mesmo tempo utilizava, porém talvez mais exatamente comprometia, a nascente teologia cristã e a metafísica helenística.
O autor de A Literatura e o Mal acentuou, ainda, a separação entre gnosticismo, cristianismo, e o monismo da filosofia helenística. Insistiu que gnosticismo é uma doutrina autônoma, e não uma heresia ou derivação do cristianismo, como pretendem muitos de seus estudiosos:
[...] o neoplatonismo e o cristianismo não devem ser procurados na origem da gnose, cujo fundamento é mesmo o dualismo zoroastriano. Dualismo por vezes desfigurado, sem dúvida na seqüência de influências cristãs ou filosóficas, mas dualismo profundo e, ao menos em seu desenvolvimento específico, não emasculado por uma adaptação ás necessidades sociais, como no caso da religião iraniana. [...] Praticamente, é possível dar como um leitmotiv da gnose a concepção da matéria como um princípio ativo tendo sua existência eterna autônoma, que é aquela das trevas (que não seriam a ausência de luz, porém os arcontes monstruosos revelados por essa ausência), aquela do mal (que não seria a ausência do bem, mas uma ação criadora). Essa concepção era perfeitamente incompatível com o princípio mesmo do espírito helênico, profundamente monista e cuja tendência dominante dava a matéria e o mal como degradações de princípios superiores .
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