Visita ao Federico na sua casa de Valderrubio

 

Maria Estela Guedes, abrindo a porta da casa de Federico García Lorca.

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Vim a Granada passar uns dias, para assimilar o que puder sobre Lorca, nos lugares onde viveu. Era minha intenção ir a Fuente Vaqueros, onde se supõe que tenha nascido, porém o acaso trocou-me as voltas para muito melhor. De qualquer modo, passei por lá e, de dento do autocarro, tirei fotografias idênticas às que podemos ver na Internet.

Vamos à história, desde o princípio. Em Granada, ao meu lado, no autocarro, sentou-se uma jovem, com ar de estudante, e sim, está a estudar para professora. Perguntei-lhe qualquer coisa sobre a aldeia e ela logo respondeu com a pergunta sobre o motivo da minha ida a Fuente Vaqueros. Respondi que queria ver a casa de Lorca, os lugares onde tinha passado a infância. E logo ela reagiu, dizendo que Fuente Vaqueros não tinha nada, eu precisava de ir a Valderrubio, paragem seguinte do autocarro. Em Valderrubio, sua terra natal, ela me mostraria tudo. Muito bem, condescendi, agradada. E logo a menina telefona à mãe, a saber de horários de visita, percebi que  ia alargar por minha causa, dito e feito. Vice do alcalde, a mãe abriu as portas e realmente a Noémia, é o nome da jovem, contou mais e ensinou mais do que uma possível biografia de 200 páginas do insigne escritor, venerado nesta região de Espanha: a sua imagem e o seu nome estão em todo o lado: nas paredes grafitadas, em cartazes, nomes de rua, e até uma loja de doçarias vi a exibir-se como «Churros Federico García Lorca».

Por detrás de um arvoredo, já quase percorridos os 30 quilómetros de distância entre Granada e Valderrubio, naquela intérmina planície, aos pés da Sierra Nevada, a Noémia informou que havia um regato a onde o Federico costumava ir escrever: a água e as aves, enfim, a natureza, inspiravam-no. A Casa de Bernalda Alba, outro museu, já tinha fechado – os horários dos espanhóis são irritantes para nós, eles quebram o dia para siesta e deixam os clientes pendurados – porém a casa dele, Federico, estava aberta ainda, à nossa espera.

Era uma casa de lavoura, rica, fundada a fortuna sobretudo na cultura do “tabaco rubio”, o tabaco de cor mais clara, louro, que deu nome à povoação. Realmente o nome antigo, Asquerosa, não agradava a Lorca, nem devia agradar a ninguém, por isso mudou, em reconhecimento de quanto contribuiu para a indústria tabaqueira da região. O tabaco é um dos temas principais tratados na casa-museu, pois conserva uma coleção de livros sobre a cultura do tabaco, prensa para as folhas, molhos de folhas a secar no teto do armazém, etc.. De resto, as alfaias e quanto dizia respeito à agricultura foi conservado, incluída a cavalariça e a casa dos criados. A jovem Noémia chamou a atenção para o facto de os criados dormirem todos no mesmo quarto: seriam quatro com uma criança, a dada altura, a avaliar pelo berço e pelas duas camas de casal. Casa linda, de resto, faz parte do edifício principal. Não me importaria nada de viver nela, comentei com a Noémia.

Bem, a família era muito rica, Lorca tinha dinheiro e por isso pôde ir para Madrid, juntar-se aos seus amigos artistas da Geração de 27, e mais tarde correr as duas Américas. Dos Estados Unidos ficou o «Poeta en Nueva York», hoje reavaliado como expoente de modernidade.

Mas vamos à parte mais criativa da Casa de Federico García Lorca: ela é um centro cultural vivo, com frequentes espetáculos de cinema e sobretudo de teatro. Funcionam ali duas salas de espetáculo, uma interior, outra mais voltada para as noites quentes de Verão, ao ar livre. Durante as visitas à casa, é exibido um curto espetáculo, projeção sobre porta de vidro que dá para um quarto: um ator interpreta a pessoa de Lorca, dizendo um texto dele. Achei muito curiosa a técnica mas não percebi como funcionava.

Finalmente, resta-me agradecer à Noémia, à sua mãe e ao alcalde, que acabei por conhecer também, almoçando as duas numa esplanada, a bela aula sobre o poeta que recebi sem estar à espera. Foi uma agradabilíssima surpresa a lição da Noémia, a antecipar a bela professora que será daqui a pouco tempo.

 

Cavalariças
As marcas, as belas latas e embalagens, no caso, de pimentão, em grande quantidade, para o fabrico de chouriço, presunto, etc..
Tudo se conservava a seco, pelo fumo, com sal, especiarias e açúcar – ainda não havia frigoríficos. Muita desta arte de conservar alimentos herdámo-la dos árabes.
A casa dos criados.
A guitarra de Lorca.
Ainda não se usavam sanitas nem banheiras…
Lorca era um belo homem. Guapíssimo!
Ele e a sua livraria. Também havia na casa, agora exposta numa pequena sala só a isso destinada, uma coleção de livros sobre tabaco.
Folhas secas de tabaco, a fonte de riqueza da família.
A Noémia, que me ensinou quase tudo o que escrevi neste artigo.
As autoras, em selfie, na sala do piano que Federico García Lorca tocava muito bem.
Existem dois teatros, usados com frequência, nesta casa-museu: um interior, no antigo armazém, que conserva como ornamentos as alfaias agrícolas e outros objetos; e um teatro no exterior, onde no Verão não só há teatro como cinema.
Teatro no interior.

 

Maria Estela Guedes . Granada . 05.10.2021