A meia distância de declinosa encosta, voltada para o poente, e a coberto
de vendavais do Sul, assenta-se suavemente uma casa campestre de um só andar,
e de pequenas dimensões. No interior simples, mas sem rudeza, aconchega
comodamente os seus habitantes; no exterior as decrépitas paredes, atestam a
remota data da sua origem. Brévia de Monjas de São Bento foi, e a estas dava
temporária residência como é tradição, e o estão dizendo o pequeno claustro, que
lhes está no centro, os aposentos à feição de celas, que ainda se conservam, e
outros vestígios que a acção roedora do tempo tem respeitado.
Como pérola perdida por mão descuidosa, uma pequena capela singela
como a flor dos prados, se lhe oculta entre verdura a alguns passos de distância;
formosa imagem de Santa Luzia, lhe dá seu nome, e por milagrosa lhe atrai a
devoção popular, e dela recebe fervoroso culto.
O antigo HOSPÍCIO DAS FILHAS DE SÃO BENTO vê desenvolverem-se na frente, e para um lado, férteis campos onde pulula a vegetação; para outro
ondular-se o terreno coberto de vinhas e oliveiras. Além alvejam penedos
escalvados de formas caprichosas: aquém desenham-se agruras selváticas de
lôbrego aspecto. Os outeiros coroam-se de urze e esguios pinheiros, e deles
derivam-se torrentes de água que lhe regam os campos, e vão engrossar o
cristalino arroio que lhe serpenteia aos pés. Junto da antiga casa monástica, para
o lado poente, elevam-se copados sabugueiros, que excedem em altura as janelas,
lhe modificam a luz, coando-a pelos tortuosos ramos e pela verde folhagem.
Do nascente, vestem-Ihes as paredes trepadeiras, que envolvendo-as em
róseos festões, tecem matizados transparentes, que lhe transmitem os reflexos do
astro radioso, por entre flores e verduras. Rodeiam-na parreiras, árvores
frutíferas, áleas guarnecidas de roseiras, canteiros, fontes e flores.
Os melros
melodiosos, os devaneadores rouxinóis, desprendem seus mais garridos gorjeios e
harmoniosos cantos, entre os ramos das árvores, as rosas dos rosais, e a era que
veste as velhas paredes. Perene jorro de água lhe cai ao lado, e seu monótono murmúrio a está
suavemente embalando. Sobranceiros, elevam-se altaneiros 3 CYPRESTRES
colocados na mesma linha com poucos passos de permeio. Elegantes como
obeIiscos, talhado por primoroso artista, vestidos como 3 irmãos, (gémeos) que
por encantador capricho trajam a mesma cor, um pouco desiguais na altura,
como os dois indivíduos que formam o casal humano, estas pirâmides verdes,
impassíveis como estátuas, e cuja infância viram talvez tempos bem afastados,
que vezes terão visto despontar o sol e mergulhar-se no horizonte, florir e
desfolhar primaveras, nascer esvoaçar aladas proles, assomar e desaparecer,
seres humanos!, que borrascas lhe terão agitado a coma., e que tufões lhe terão
abalado o tronco até às mais profundas raizes? E quem pode conhecer-lhe os
rastos, se eles por mudos os não revelam, e a noite dos tempos lhos oculta?
Fronteira ao velho cenóbio, desenvolve-se magnífica paisagem, onde
avultam quintas e residências principescas, ruínas venerandas, nobres e
confortáveis habitações, povoações onde as casas brancas e as copadas árvores se
estão matizando, e a límpida corrente que a cinge, descreve engraçadas curvas,
envolvendo-a nelas e rematando tão formoso panorama.
Que o céu te proteja, preciosa relíquia de passadas eras, que as tuas
flores desabrochem perfumadas, as tuas aves gorjeiem sonoras, as tuas águas
deslizem serenas, as tuas árvores vejam incólumes perpassar os outros
tormentosos, e que as tuas velhas paredes continuem a dar remanso aos que
nelas o procurarem.
Eis o que para ti imploro!
D. Maria do Pilar B. M. Osório
(Quinta de São Bento, 1878)
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