CASA DO POÇO (LAMEGO)
A PALAVRA E O ESPÍRITO, POR NUNO RESENDE
TriploV
07-10-2007
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A PALAVRA E O ESPÍRITO
Por Nuno Resende
Ora, o Senhor é Espirito: e onde eslã o Espírito do Senhor ai há liberdade.
II Cor 3.17

«Eu sou o Alfa e Ómega, o Principio e o Fim»; assim define Cristo a Sua dimensão e a dimensão da Sua mensagem. E esta é, deve ser, também, a proclamação da Arte, sempre intemporal, enquanto espaço de comunhão e caminho para (re)encontro com Deus.

A exposição «A Palavra e o Espírito» remete-nos para uma visão particular de algum do espólio reconhecido e inventariado durante a Primeira fase do 2.° programa de Inventário do Património Religioso Móvel, que decorreu, entre 2005 e 2007, nos arciprestados de Lamego e Tarouca.

Como tal, cinge-se a um pequeno conjunto de peças escolhidas pela sua qualidade técnica, pela sua função e (ou) pelo seu papel num contexto histórico-geográfico particularmente notável: os arciprestados/municípios de Lamego e Tarouca justamente considerados pela História nacional como espaços privilegiados de arte e civilização - ou do tempo em que uma era consequência da outra, através do papel educador e formador da Igreja.

Porém, à medida que preparávamos o encerramento deste inventário, tomou-se evidente que a realização de uma exposição meramente demonstrativa do trabalho de inventariação não permitiria um diálogo nem uma apresentação integrante que justificasse o entendimento da arte religiosa como decorrente de um percurso histórico, ou da acção humana local, muito menos motivasse o «leitor» para as múltiplas leituras que podemos fazer dela. Um inventário de peças móveis, não mu-sealízadas e que comungam da transcendência devocional, não podem ser encaradas como mero objecto exposto ou musealizado.

Visto ser objectivo da Diocese de Lamego fazer coincidir a presente exposição com a abertura ao público do espaço museológico da Casado Poço e este constituir o futuro pólo de cultura e investigação de Lamego, surgiu a necessidade de integrar a mostra decorrente do inventário neste espaço dedicado, não só à Arte, mas ao Livro e ao Documento. Também a Casa do Poço, enquanto testemunho arquitectónico notável da história da cidade e da região deve constituir elemento de interesse per si, narrando a sua história e explorando o devir nas múltiplas ligações com a arte e a Igreja.

As pontes possíveis entre o Livro e a Arte Religiosa são, pois, inúmeras e não se contam, apenas, nas que partem da representação iconográfica, onde tal «instrumento» assume uma posição de destaque - por via de incontável número de símbolos e metáforas, - mas por todo um universo pautado pelo documento e pelo necessidade de registo como cofre para a Memória. Em suma, pela Palavra - a escrita, a falada e a ausente, veiculada através da imagem -, está e sempre esteve presente a acção da Igreja.

A Bíblia, o Livro por excelência, é o motor de conhecimento e de desenvolvimento do saber teológico e da Fé. Mas os homens que a fizeram pedra angular da sua obra, estenderam os seus domínios sobre um magistério de saber, quando o saber era poder. Assim se construiu o Mundo, assim se redescobriu o Mundo, através da Palavra e do Espírito na sua mensagem.

Esta exposição desenrola-se, pois, seguindo três espaços que se entrecruzam: (I) "A Palavra Sagrada" - aludindo ao magistério das Sagradas Escrituras sobre toda a acção religiosa, o que inclui as artes em si e a interpretação que delas fez o Homem; (II) "O Poder da Palavra" que recorda a Evangelização e a difusão da Fé, o Corpo da Igreja, sua organização e funções, bem como o papel das Ordens Religiosas, particularmente activas em Lamego e Tarouca, através das empresas de saber como São João de Tarouca, Salzedas ou Ferreirim. E, em último lugar, (III) "Mil palavras ou a sua ausência" que nos remete para o poder eminentemente catequético da imagem e para os diálogos entre o Sagrado e o Profano. Ao escutarmos e compreendermos estes sons, podemos conhecer verdadeiramente o sentido dos ex-votos, das relíquias, da procissões e clamores e de toda uma plêiade de manifestações que a Igreja acolhe como expressão das necessidades de cada uma das comunidades que se lhe entregam.

Esta é uma exposição de pormenores. Há, pois, que olhá-los, sem as distrações do mundo de hoje, inquieto, ruidoso e excessivamente fulgurante.

 
Texto extraído do catálogo: A Palavra e o Espírito, s/l, s/d [Lamego, Casa do Poço, 2007