Uma viagem ao maravilhoso e importante mundo das pedras – âmbar

 

A.M. GALOPIM DE CARVALHO


Evidentemente que, para uma conversa vulgar, o âmbar não é uma rocha. Mas a verdade é que este produto natural, à semelhança dos carvões fósseis, tem total cabimento no contexto das rochas sedimentares e, como tal, no da geologia.
O âmbar, ou resina fóssil, é um produto de oxidação de certas substâncias de origem orgânica. Tem cor amarela-acastanhada ou avermelhada, é transparente e parte com fractura conchoidal, lembrando o pez. O mais antigo âmbar foi encontrado em formações do Triásico, mas conhecem-se outras resinas fósseis no Carbonífero e no Pérmico. As mais divulgadas são as da região do Báltico e resultaram de acumulação de resina de coníferas no Eocénico.
O âmbar, tão do conhecimento geral das pessoas, como matéria-prima em bijuteria e joalharia, tornou-se ainda mais conhecido depois do sucesso cinematográfico que fez história com o nome “Jurassic Park”, a versão mais mediática da obra homónima de Michael Crichton. Toda a gente ficou a saber que há insectos aprisionados no âmbar e que o âmbar é uma resina fóssil. A outra parte da história é ficção científica, bem condimentada, mas é apenas isso.
O âmbar do Báltico, ou succinito (do latim “succinum”, que significa âmbar), foi alvo do interesse dos homens do Neolítico e temos provas da sua procura e utilização intensiva nos séculos XVI e XVII. Do seu estudo, na região da Península de Sambia, a norte da Polónia, no Mar Báltico, por geólogos alemães, no século XIX, quando se iniciou a sua exploração industrial, ficámos a conhecer tratar-se de um tipo particular de depósito sedimentar com cerca de 40 milhões de anos, associado a uma vasta estrutura deltaica oriunda da Escandinávia, espalhada em leque, na parte sul do actual Mar Báltico. O âmbar aqui contido nas “argilas azuis” (“blue earth”) encontra-se também disperso, por desmantelamento desta unidade, nos depósitos do litoral da Alemanha, Polónia, Lituânia e outros países do sul do mesmo Mar, para onde foi transportado por acção fluvio-glaciária durante o Pleistocénico (Idade do Gelo), sendo hoje também aí explorado.
A transformação da ou das resinas originais no produto fóssil envolve a perda de substâncias voláteis e processos químicos de polimerização, oxidação e outros, com participação activa e reconhecida de bactérias. Na sua composição elementar participam carbono, hidrogénio, oxigénio e enxofre em muito pequena percentagem (0,5 a 1%), elementos que, sabe-se hoje, fazem parte da macromolécula do âmbar. A dureza, na escala de Mohs, varia entre 2 e 2,5, a densidade oscila à volta de 1 (um) e o índice de refracção está compreendido entre 1,539 e 1,542. Torna-se plástico a 250ºC e funde a 287–300ºC. Estudos recentes, com utilização de espectrometria de infravermelhos, revelam grande semelhança entre esta resina fóssil e a resina actual de “Cedrus asiatica”. Outras investigações apontam uma certa identidade química com a resina de Agathis australis, uma araucária de grande longevidade.
Aprisionadas no succinito do Báltico foram referenciadas mais de duzentas e cinquenta espécies vegetais, como líquenes, fungos, musgos, flores e frutos diversos, sementes, pólens e esporos. Tal diversidade aponta para florestas de montanha numa latitude então subtropical a tropical, como são actualmente as das regiões montanhosas do sudeste asiático, dominadas por coníferas, as responsáveis pela anormal produção de resina que, sedimentada e afundada, evoluiu diageneticamente para âmbar. Várias espécies de árvores devem ter concorrido nesta produção e a elas se deu o nome colectivo de “Pinus succinifera”. Do reino animal são igualmente muitas as espécies preservadas no âmbar. Variadíssimos artrópodes, formigas, mosquitos, aranhas, escorpiões e, até, pequenos vertebrados (lagartos) têm sido encontrados e estudados nos seus mais ínfimos pormenores, anatómicos, histológicos e genéticos.
Na região báltica, além da variedade succinito, a mais conhecida, identificaram-se outras como gedanito (de Gedanu ou Gdansk, na Polónia), amarelo e translúcido, beckerito, castanho, stantienito, preto, glessito, alaranjado, e gedano-succinito, também conhecido na Ucrânia. Há ainda o goitschito, branco e opaco, e o zygburgito. Fala-se ainda da variedade “colophony”, de que se conhece um bloco com 230 kg dragado no mar Báltico.
Uma moderna via de classificação do âmbar baseia-se nas características dos principais constituintes orgânicos, num grau de especialização que transcende o carácter geral que este tema deve ter no contexto da Petrografia Sedimentar.
Há outras ocorrências de âmbar na Europa, fora da chamada “Bacia Eocénica do Noroeste da Europa”. Entre as mais importantes contam-se as eocénicas da Ucrânia (Delta do Klesov), as do centro da Alemanha, de idade miocénica, cujo succinito é amplamente utilizado como gema e conhecido por “ouro da Alemanha Central”, em Bitterfeed. Também do Miocénico, existe succinito nos Cárpatos da Polónia e da Ucrânia e no “limon” do Miocénico superior da mina de enxofre de Machow (Polónia).
Ao contrário do âmbar do Báltico, o do Miocénico carpatiano é mais rico de enxofre, ultrapassado os 3%, contra os 0,5% daqueles.
O âmbar dominicano (da República Dominicana, que inspirou a ficção de “Jurassic Park”) é uma resina incompletamente fossilizada que invadiu o mercado mundial, sob o nome genérico de copal. O copalito é a resina fóssil das argilas azuis dos arredores de Londres. O simetito ou âmbar siciliano e o rumanito, resina fóssil encontrada na Roménia e nas Sacalinas, são conhecidos na joalharia antiga. O burmito, da Birmânia, muito semelhante ao glessito, teve grande procura na China. Mais recentemente, o âmbar de Bornéu, encontrado em Sarawak, revelou-se com reservas superiores às do Báltico. Há, ainda o ambrito, resina fóssil da Nova Zelândia, semelhante ao âmbar. São, ainda, conhecidas ocorrências de âmbar nas Américas do Norte e do Sul e em África.
Além dos restos orgânicos, as resinas aprisionaram bolhas do ar atmosférico seu contemporâneo, ar que podemos libertar e estudar no que respeita a composição gasosa. Com base neste facto, pudemos saber que o teor de oxigénio do ar no Cretácico superior era de 30%, passando para 21% durante o Paleogénico, valor a que voltou, no presente, depois de uma pequena descida durante o Miocénico inferior.