Um perfume de Grécia Antiga

 

 

 

 

 

 

 


LUÍS DE BARREIROS TAVARES
(Org.)


Quatro poemas inéditos de
Manoel Tavares Rodrigues-Leal


“Aos deuses supúnhamos uma existência cintilante
Consubstancial ao mar à nuvem ao arvoredo à luz
Neles o longo friso branco das espumas o tremular da vaga”

(Sophia de Mello Breyner Andresen – excerto do poema “Os Gregos” — Dual, 1972)

 

Praias e costas da Ilha de Ítaca

 

 

1

Solidão – ilha grega

desenhada sobre o Mediterrâneo

 

 

Lx. 3-2-85 – do caderno Horizontes

Ms poema 1

2 

 

Minha efémera mão aparto

e não reparto na mesa da noite, em teu nostálgico retrato.

O porto oriental donde parto,

não o encontro em dispersos mapas enigmáticos.

E cedo, os teus cabelos erram sonâmbulos

em minha vazia cama. E os despojos que queria puros embora o acto, tão traído, entre aspas.

E como coincidências te entregas ao maravilhoso ático.

 

Lx. 3-9-76 – caderno sem título

 

3

Não fendi as quietas águas da tua juventude

nem propaguei as ondas gregas e adolescentes de Afrodite

nem errei destinos nem sombreei os cabelos fulvos das praias

irmanava-se a ti o disperso, a unidade, um dia serás abençoado

os horizontes fechavam-se como pálpebras em derradeiros raios de sol e pranto

 

Setúbal – 16-9-76 – caderno Fragmentos de um Livro Dividido (Anónimo do séc. XX)

Ms poema 3

4

Mortal casa já não habitas

nem Olimpos, nem bocas de limbos.

Eu sorvo de míticas mulheres e vinhos,

esquecidos prazeres, minhas múltiplas vidas.

E o loiro dia que se inclina, são ócios do que sinto.

 

Lx. 14-11-76 – caderno Fragmentos

 

M.T.R.-Leal-c-2014 - Frame de vídeo inédito em alto contraste - © LdeBTavares

 


Manoel Tavares Rodrigues-Leal (Lisboa, 1941-2016) foi aluno das Faculdades de Direito de Lisboa e de Coimbra, frequentando até ao 5.º e último ano, mas não concluindo. Em jovem conviveu com Herberto Helder no café Monte Carlo frequentando com ele “as festas meio clandestinas, as parties de Lisboa dos anos 60 e princípios de 70”. Nesses anos conviveu também com Gastão Cruz, Maria Velho da Costa, José Sebag, entre outros. O seu último emprego foi na Biblioteca Nacional, onde trabalhou durante longos anos (“a minha chefe deixava-me sair mais cedo para acabar o meu primeiro livro, A Duração da Eternidade”). Publicou, a partir de 2007, cinco livros de poesia de edição de autor. As suas últimas semanas de vida foram muito trágicas, caído no quarto, morrendo absolutamente só.