ALEXANDRA VIEIRA DE ALMEIDA
Um livro em aberto, em A dupla vida de Dadá, de Moema Vilela
Alexandra Vieira de Almeida (Brasil). Doutora em Literatura Comparada pela UERJ. Também é poeta, contista, cronista, crítica literária e ensaísta. Publicou os primeiros livros de poemas em 2011, pela editora Multifoco: “40 poemas” e “Painel”. “Oferta” é seu terceiro livro de poemas, pela editora Scortecci. Ganhou alguns prêmios literários. Publica suas poesias em revistas, jornais e alternativos por todo o Brasil. Em 2016 publicou o livro “Dormindo no Verbo”, pela Editora Penalux. Contato: alealmeida76@gmail.com
Temos neste livro de minicontos, A dupla vida de Dadá (Penalux, 2018), de Moema Vilela, um livro em abertura, que não conclui, mas uma “obra aberta”, como diria Umberto Eco com relação às artes em geral. Os pequenos contos desta autora nos levam para os caminhos da duplicidade, como o título indica. Os textos apontam para vários sentidos, uma multiplicidade de vozes ecoa deles, nos fazendo entrever o gosto delicioso de vários sabores, unindo realidades díspares, como comparece no primeiro conto, em que a sopa é, ao mesmo tempo, o sorvete. Octavio Paz, no texto “A imagem” já tinha dito que a linguagem poética pode nos encaminhar para a união de coisas opostas, criando-se, assim, uma terceira margem. Hofmannsthal disse: “A profundidade está escondida. Onde? Na superfície”. No livro de Moema, é na superfície da vida cotidiana que se dá a amplidão dos sentidos. Temos de escavar com a pá-lavra o que se esconde no chão da vida. Seus contos, ora humorísticos, ora trágicos, e, por vezes, com forte humor negro, desafiam o leitor a perceber na filigrana dos sentidos o que está em aberto em suas páginas.
Na própria origem do conto, o conto popular, encontramos este valor minimalista do gênero que é maximizado em potência no miniconto, como aqui proposto por Moema Vilela. Vejamos o que Italo Calvino diz em Seis propostas para o próximo milênio: “A principal característica do conto popular é a economia de expressão: as peripécias mais extraordinárias são relatadas levando em conta apenas o essencial”. E o conto, após sua evolução, revela o mesmo atalho, como explica Massaud Moisés: “No tocante à linguagem, o conto prefere a concisão à prolixidade, a concentração de efeitos à dispersão”. Moema Vilela leva a um grau elevado esta concentração, como podemos ver no conto que abre seu livro, “Sopa sorvete”, em que no preparo desta iguaria tivéssemos que colocar os ingredientes precisos e exatos para formar um belo prato. Metalinguisticamente, a “sopa-sorvete” é o texto, que precisa ser bem temperado com doses necessárias para que o gosto não saia inadequado.
Em outros momentos, é o jogo com a sonoridade que leva ao riso e ao desarmamento do leitor. Como podemos ver em “Meu reino por um brejo”: “Príncipe procura beijo da lua para voltar a cantar sem precisar de nada”. O duplo, o ambíguo, domina seus minicontos onde a autora se utiliza de recursos estilísticos para dar abertura à polissemia de sentidos. A primeira parte de seu livro é a mais minimalista de todas, com contos muito curtos, traduzindo no mínimo a dupla chama do literário, uma que aponta para fora, ao cotidiano das pessoas e outra que aponta para nosso interior, em que o impacto destes textos nos leva para a via aberta do imaginário. A imaginação é uma tônica forte de seus minicontos, trazendo para nós, leitores, um labirinto de possibilidades, em que os caminhos se abrem para várias direções nunca chegando ao destino que é o fim de tudo, um labirinto com as saídas fechadas, mas em abertura no seu interior.
A segunda e a terceira partes possuem contos um pouco maiores, não perdendo esta dinâmica de duplicidade e sugestão, não fechando o enredo em caminhos fáceis. Vejamos seu miniconto da segunda parte do livro “Tipos de chuva”, que dialoga com a metalinguagem do primeiro conto do livro: “A chuva feita por árvore não molha. Começa com uma garoa de folhas, fina como um pressentimento, aquilo que vem antes da compreensão. Sim, está chovendo, e vai aumentar. Os pingos se espalham no céu em coro. Temporais podem surgir, mas nunca trovões ou raios, pois a chuva de árvore vem do encontro entre audição e vento, então a chuva de árvore não molha”. Quanto de riqueza literária encontramos neste texto que revela a própria estrutura do miniconto! Aqui podemos perceber a linguagem tríplice do seu estilo literário: a poesia, a música e a dança. Poesia porque nos leva ao sabor abstrato do vento. Música, pela sonoridade da chuva e finalmente a dança, porque nos destina a várias direções. Paul Valéry já tinha comparado a prosa ao caminhar e a poesia à dança. E a prosa de Moema é dança, é chuva bailarina a nos encantar. Tem muito da pluralidade da poesia.
Na terceira parte, a menor, em que as partes não têm títulos, mas desdobramentos, encontramos no final dela um poema de Moema Vilela que nos mostra o quanto sua prosa está encharcada de poesia como a chuva tempestuosa assim requer. Nela, podemos perceber, novamente, uma “miniteorização”, e digo mínimo para não perder o viés de sua obra, sobre o minimalismo dos minicontos. Cita um nanoconto de Hemingway para embasar a exploração de sua obra em aberto: “à venda sapatos de bebê nunca usados”. Neste texto, temos o trabalho de elaboração do que é sugestionável e não explicável em pormenores ou extensões mais longas. O mínimo traduz uma gama de significados, levando o leitor a suspeitar sentidos, deixando a mente detetivesca do leitor trabalhar, até encontrar um sentido plausível ou aceitável dentro da economia do texto. O mais econômico é que é o mais difícil de se elaborar, pois a concentração e a contenção da escrita requerem perspicácia e sensibilidade, qualidades plenas nesta autora por ora aqui estudada.
Portanto, Moema Vilela possui todos os ingredientes de uma sopa textual, bem mexidos e ajeitados à mesa para os leitores não desavisados. Sua escrita conduz o leitor para caminhos variados, elevando o raciocínio do leitor a tentar decifrar os enigmas de seus textos que conduzem para além dos duplos sentidos, mas aos múltiplos caminhos do labirinto em que fio de Ariadne não é mais preciso, pois sua obra em aberto são os vários despistamentos que este labirinto conduz, levando a uma saída por dentro de sua própria arquitetura, nas vias de mãos múltiplas dos sentidos, um livro em abertura para o próprio interior das palavras, se adensando na sua malha, na sua carne ferida, mas não cicatrizada. Sua obra vai deixar caminhos a serem percorridos por outros escritores, servindo de exemplo para as futuras gerações de novos leitores.
“A dupla vida de Dadá”, minicontos.
Autora: Moema Vilela.
Editora Penalux, 72 págs., R$ 35,00, 2018.
Disponível em:
http://editorapenalux.com.br/loja/a-dupla-vida-de-dada
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