Um livro e três ilustres personagens

ADELTO GONÇALVES

Adelto Gonçalves, jornalista, mestre em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-americana e doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP), é autor de Os Vira-latas da Madrugada (Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1981; Taubaté, Letra Selvagem, 2015), Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003), Tomás Antônio Gonzaga (Academia Brasileira de Letras/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2012) e Direito e Justiça em Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial (Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2015), entre outros.  E-mail: marilizadelto@uol .com.br

Danilo Gomes
Augusto Frederico Schmidt/Juscelino Kubitschek/Odilon Behrens, de Danilo Gomes,
com apresentação de Fabio de Sousa Coutinho.
Brasília: Gráfica e Editora Ideal, 100 págs., 2017.
E-mail: ideal@idealgrafica.com.br

 

I

            Cronista em tempo integral, colaborador de vários diários e revistas culturais de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Brasília, Danilo Gomes acaba de lançar um livro de crônicas cujo título reúne os nomes de três ilustres personagens que, por coincidência, foram também amigos até o fim da vida: Augusto Frederico Schmidt, Juscelino Kubitschek e Odilon Behrens (Brasília, Gráfica e Editora Ideal, 2017).

            Dessa “tríade de ouro”, na definição do cronista, o menos conhecido a nível nacional é Odilon Behrens (1901-1959), médico, hoje nome de um hospital e de uma escola estadual em Belo Horizonte, colega de sala de aula de Kubitschek e do memorialista Pedro Nava (1903-1984) no curso de Medicina da antiga Universidade de Minas Gerais (UMG), que seria federalizada em 1949. Formado em 1927, ao lado da carreira como médico, foi secretário da Educação e, depois, de Finanças em Minas Gerais e ministro e presidente do Tribunal de Contas do Estado, entre outros cargos.

            Como do mineiro Behrens, nascido na pequena Muriaé, não há muito a acrescentar, além dos cargos mais importantes que desempenhou em sua trajetória como médico e homem público, o mineiro Juscelino Kubitschek (1902-1976), nascido em Diamantina, e o carioca Augusto Frederico Schmidt (1906-1965) ocupam quase a totalidade de um livro constituído por uma centena de páginas.

        Igualmente formado médico em 1927, com especialização em urologia em Paris em 1930, Kubitschek, segundo Danilo Gomes, escrevia bem e deixou livros, mas, vivendo vida vertiginosa, não deve ter tido muito tempo para apurar a escrita. Antes de chegar à presidência da República (1956-1961), foi chefe de gabinete do interventor Benedito Valadares (1892-1973) em 1933, na sequência do golpe de Estado de 1930, e, depois, eleito deputado federal em 1934, teve o seu mandato cassado pelo golpe do Estado Novo aplicado por Getúlio Vargas (1882-1954) em 1937.

            Nomeado prefeito de Belo Horizonte por Benedito Valadares em 1940, permaneceu no cargo até 1945. Eleito governador de Minas Gerais em 1951, lançou-se candidato a presidente da República em 1955, tendo sido eleito com 35,6% dos votos contra Juarez Távora (1898-1975), que teve 30,2%. Senador por Goiás em 1962, teve seu mandato cassado em 1964 pelo regime militar (1964-1985).

            Morreu a 22 de agosto de 1975, num acidente automobilístico na Via Dutra, em circunstâncias até hoje vistas como suspeitas. Apontado como um visionário empreendedor, deu início à modernização do País e passou para a História principalmente com a construção de Brasília, a nova capital federal. Apostou na expansão da indústria automobilística, a partir da atração ao capital estrangeiro, investindo na construção da infraestrutura para o transporte rodoviário, permitindo, porém, o início do sucateamento da malha ferroviária.


II

            Literato, e de respeito, porém, só o foi Schmidt, poeta da segunda geração do Modernismo brasileiro, a quem Danilo Gomes dedica a maior parte de sua obra. Além de memorialista, Schmidt foi editor e empresário bem como político, como os demais homenageados. De Behrens, foi colega no Instituto O´Granbery, de Juiz de Fora-MG, dirigido por metodistas norte-americanos. Voltou ao Rio de Janeiro em 1922 e, em 1940, trabalhou num escritório em Nova York. Industrial e comerciante, Schmidt introduziu no Brasil a cadeia de supermercados Disco, a uma época em que predominavam no País os pequenos armazéns de secos e molhados.

            Tornou-se conhecido como homem público, assessorando Kubitschek. Representou o Brasil na Operação Pan-Americana (Opa), embrião da famosa Aliança para o Progresso, chegando a embaixador na Organização das Nações Unidas (ONU). Homem de confiança de Kubitschek, era o redator dos seus discursos presidenciais.

            Jornalista e prosador de mão cheia, foi também colaborador dos jornais Correio da Manhã e O Globo, no Rio de Janeiro. Destacou-se, porém, como poeta, publicando livros antológicos como Estrela Solitária, Canto da Noite, Babilônia e Saudades de Mim Mesmo, entre outros. Publicou ainda As Florestas, O Galo Branco e Paisagens e Seres, livros de memórias.

            Um dos poemas mais inspirados da Língua Portuguesa é aquele que leva por título exatamente a palavra “Poema” em que Schmidt, casado, mas sem filhos, resgata o dilema deixado por Machado de Assis (1839-1908), que em Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881) faz seu personagem principal lamentar, ao final do livro, o fato de não deixar “a nenhuma criatura o legado de nossa miséria”. E que vale a pena ser repetido aqui para deixar explícita a grandeza da poesia de Schmidt:

            Meu coração paterno está vazio./ Ninguém o virá habitar!/ A ninguém transmitirei esse amor/ Puro e perfeito, que nada exige ou reclama./ A ninguém poderei dar o meu carinho paterno./ E a minha experiência de criança voltará comigo/ Para a grande noite próxima/ Os meus pobres traços não os herdará ninguém./ E desaparecerei contigo – ó tu que não vieste jamais? E que sinto misterioso e vivo, ao afagar cabelos que não cresceram/ E mãos que não chegaram a se modelar.

            De acordo com Danilo Gomes, Schmidt “deixou uma legião de admiradores e amigos, além de um pelotão de invejosos patrulheiros ideológicos, pregoeiros da vanguarda do atraso”. Segundo o cronista, esse foi o preço que Schmidt pagou “pelo seu grande talento literário, sua aguda visão geopolítica e seu empreendedorismo empresarial”. Diz ainda o cronista que Schmidt, ao longo da vida, “sempre foi um melancólico, um nostálgico, um autor de cantos elegíacos, um siderado pela morte, que o ceifou cedo”.


III

            Como observou o escritor Fabio de Sousa Coutinho, presidente da Associação Nacional de Escritores (ANE), na apresentação que escreveu para este livro, Danilo Gomes assume-se como discípulo do Schmidt cronista e memorialista, gêneros em que este “também foi um dos expoentes na literatura de língua portuguesa”. Para Coutinho, Gomes alcança neste livro “o elevado patamar de seu paradigma, tornando-se um dos cronistas mais respeitados dos dias que correm”.

            Enfim, o que se destaca, além da vida fabulosa das três personagens, é o estilo do cronista Danilo Gomes, que, como diz Coutinho, nada fica a dever a mestres dessa nobre arte, como o próprio Schmidt, o recifense Nelson Rodrigues (1912-1980), o capixaba Rubem Braga (1913-1990), as cearenses Rachel de Queiroz (1910-2003) e Ana Miranda (1951) e os mineiros Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), Otto Lara Resende (1922-1992), Fernando Sabino (1923-2004) e Paulo Mendes Campos (1922-1991), para ficarmos aqui entre os mais representativos.


IV

            Danilo Gomes (1942) nasceu em Mariana-MG e estudou no Colégio Dom Bosco, de Cachoeira do Campo, distrito de Ouro Preto-MG, no Arquidiocesano, de Ouro Preto, e no Dom Frei Manoel da Cruz, de Mariana. Suas relações com Belo Horizonte são antigas.  Em Belo Horizonte, formou-se em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 1974. Começou a trabalhar no Ministério da Agricultura-Serviço Florestal, em Belo Horizonte, em 1961, mesmo ano em que começou a trabalhar no Diário da Tarde.

            Desde então, tem colaborado em jornais como Estado de Minas, Hoje em Dia, Diário da Tarde e Suplemento Literário Minas Gerais. Fora de Minas, tem escrito para o Jornal do Commercio e Jornal de Letras, do Rio de Janeiro, Correio Braziliense e Jornal de Brasília e em jornais de diversos Estados, assim como em revistas, como a Revista da Academia Brasiliense de Letras e a Revista da Academia de Letras do Brasil. Atualmente, escreve no Jornal da ANE, de Brasília, e nas revistas da Academia Mineira de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal (IHGDF).

            Em 1975, transferiu-se para Brasília, onde se formou em Comunicação Social-Jornalismo pelo Centro Universitário de Brasília (Ceub), em 1985. Trabalhou no Ministério das Minas e Energia. De 1985 a 2005, foi redator e assessor na Secretaria de Imprensa e Divulgação da Presidência da República.

            Pertence às seguintes entidades: Associação Nacional de Escritores (de que foi presidente), Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, Academia de Letras do Brasil, Academia Mineira de Letras, onde ocupa a cadeira n° l, sucedendo a Cyro dos Anjos (1906-1994), Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais, Academia Marianense de Letras, Casa do Escritor, de São Roque-SP, e Grêmio Literário Tristão de Ataíde, de Ouro Preto. É sócio-correspondente da Academia Norte-Riograndense de Letras.

            É autor de Escritores Brasileiros ao Vivo (entrevistas, dois volumes); Uma Rua Chamada Ouvidor; Água do Catete; Antigos Cafés do Rio de Janeiro; Em Torno de Rubem Braga, e Mineiridade que Sobrevive ao Tempo, celebrando os 80 anos do poeta Alphonsus de Guimaraens Filho (1918-2008). Tem participado de várias coletâneas de crônicas e poemas, como Crônicas Mineiras e Cronistas de Brasília.