JONAS PULIDO VALENTE
(Tenho 30 anos, sou português e frequento o curso de Estudos Asiáticos na Universidade de Lisboa. Nunca fui publicado em papel.)
Dylan desce a Rue de Indochine, anónimo.
Desce, para não ter que subir.
Desta vez não parou nem na loja de talismãs e trinkets,
Nem no apotecário, nem no seu vizinho.
Uma vez de ressaca, ninguém o entende.
Nada de mais, nada de ilegal,
No entanto,
Se não faz nada, dizem que não tem carisma,
Se mostra entusiasmo, dizem que exagera.
Ontem à noite, era o único
De óculos escuros no apartamento centenário, onde
Aparou pontas de cigarro para fumar chá,
Com os seus amigos Beat, que queriam que tocasse o piano desafinado,
Com uma voz ácida, langorosa, pois ainda vamos a meio do século.
Será que está em Paris, em Victoria Station ou algures abaixo da 102Nd street?
Provavelmente na 102Nd street.
Dylan, na sua roda difusa, fez tudo a gosto.
Bebia bourbon com veteranos da guerra, agora
trabalhadores da Companhia de comboios.
Allen, lia um tratado budista.
O seu amigo angariava cigarros de Natal.
Estavam todos vestidos de maneira diferente,
A maioria seria tolerada numa entrevista de emprego
Com um patrão que não os percebesse.
Ele riu-se, não sabendo quais seriam fardas, quais seriam vestes.
As pessoas continuam a chegar,
Àquela pad, escura, cool e bafienta.
Para a maioria, estavam numa paragem das suas próprias histórias.
Aquele e outros pads, na Costa Este, eram o centro do mundo,
Para quem,
Queria novidade e civilização.
O sítio frio, antigo, estabelecido, imperioso e familiar,
Seria brevemente um lar.
Estradas para o húmido Sul ou para o soalheiro Oeste,
barcos para Port Said, para Singapura ou para o Malabar.
Faziam, com que se juntassem todas as tribos naquele porto,
E de todas as tribos, todos os amigos
Onde o vernáculo as distingue, ainda não o vestuário,
Nada mudou, excepto isso.
A principal avenida ao meio dia era coerente
Com os próprios tempos pré-revolucionários.
Os corpos sob os sobretudos eram radicalmente díspares,
Andavam em diferentes direcções, com diferentes intenções,
E Dylan ficava a observar.
Aquele sítio, com aquela batida, era o nervo
Um local de paragem onde
Se juntariam iniciantes do deboche,
Vindos de todas as direcções, e
trocariam notas, lições, planos, fluídos e sutras.
E ninguém dava na heroína pelos textos do Burroughs,
Excepto o Burroughs, que estava num canto a dar na heroína.
Não precisariam de ligar o gramofone, nem de correr à loja,
Pois naquele pad,
Poupam electricidade estando mesmo acima de um antro de jazz.
No mesmo apartamento, vivem metade dos músicos.
Faz parte da ‘cena’
Da cidade onde anjos bebem com demónios,
Onde gárgulas protegem os arranha-céus,
Por baixo da chuva, que torna a identificação do espaço anacrónica.
Onde pernoita Vishnu, migrantes do Sichuan, de Varsóvia, da Baja California.
E todos têm onde se refugiar.
Há quem goste das suas próprias músicas,
Dylan está farto delas.
Há quem se identifique com as suas roupagens negras,
Ele só agora as vestiu.
Aprendeu a tocar no carnaval itinerante, mas
Quando voltar a Nova Iorque, Dylan,
Jura que vai deixar de pentear o cabelo.
Jonas Pulido Valente