Tirteu

 

 

 

 

 

 

NUNO GONÇALVES RODRIGUES


Tirteu foi um poeta grego do século VII a.C. e um dos mais antigos poetas líricos conhecidos e considerado o preferido dos espartanos. Dele pouco sabemos, somente que se terá dedicado à elegia guerreira e que esteve ligado à II Guerra Messénica ocorrida em meados do século VII a.C. – entre Esparta e Messânia – não como soldado mas como poeta. De referir que a Messênia era uma região situada na Peloponeso e que atualmente ocupa consideravelmente a mesma dimensão no mapa grego.

Não nos podemos esquecer que quando referimos a Grécia temos que ter em conta que naquela época havia apenas Cidades-Estado no que é hoje o país que muitos estudiosos consideram o berço da democracia.

No primeiro ano da II Guerra Messénica (685 a.C. – 668 a.C.) e após uma batalha em Dorae (Messénia) os espartanos receberam no oráculo de Delfos (dedicado principalmente ao deus Apolo) um conselho de que deveriam arranjar um ateniense como conselheiro. Cumprindo o desígnio mandaram mensageiros a Atenas mas os atenienses não queriam ajudar Esparta a conquistar uma grande parte do Peloponeso, mas por outro lado, não queriam desobedecer à vontade do deus e como tal escolheram entre eles Tirteu um professor de letras mas que era considerado intelectualmente fraco e tinha como particularidade ser coxo (este pormenor é importante dada a forma de como os espartanos tratavam as pessoas que nasciam diferentes do seu restrito critério).

O que lemos acima vem dar razão a Platão (c. 428/427 a.C. – c.348/347 a.C.) que referia que ele era ateniense e que se teria tornado num cidadão espartano mas para outros, tal como Estrabão (63 a.C. – 23 d.C.), Tirteu era um espartano de nascença. Portanto a sua origem continua a suscitar muitas dúvidas porque não existe uma fonte segura que possa validar qualquer destas hipóteses.

Os seus versos exaltam as instituições da sua cidade e exortam a juventude espartana à coragem militar entendida como um valor próprio da ética da comunidade e serviam para serem entoados pelos jovens guerreiros aquando da caminhada para a batalha.

Tirteu escreveu elegias que são descritas como uma poesia triste, melancólica ou complacente e especialmente composta como complemento para música de funeral ou um lamento de morte. Mas no caso de Tirteu estas tinham como objetivo principal incentivar e aumentar o ânimo e o patriotismo dos guerreiros.

A sua inspiração é a guerra e há quem o considere reacionário mas também um revolucionário,isto porque, procurou estabelecer uma ética do Estado frente à ética dos nobres e ao defender a união dentro do Estado de todos os cidadãos considerados como guerreiros. A sua contribuição para a ética está no ethos educacional que ele imprime à sua obra. O heroísmo também permeia os seus versos. Mas em Tirteu o ideal  homérico da areté (virtude moral e ou excelência) transforma-se no heroísmo do amor à pátria.

É esse espírito que ele quer impregnar na vida de todos os seus concidadãos com o objetivo de criar um Estado de heróis porque morrer pela pátria é tornar-se herói perante os seus e a morte de um herói é bela.

Esta é apenas uma pequena biografia de Tirteu e não estaria completa sem referir como era Esparta na sua época e nos séculos anteriores para se compreender melhor as suas motivações para escrever as suas elegias.

Para compreender Tirteu é preciso entender Esparta e o seu envolvimento político-social.

À época Esparta era uma cidade-estado muito antiga do sul do Peloponeso e localizada numa região fértil graças ao rio Eurotas estando a norte,leste e oeste cercada por montanhas.

Esparta como capital da Lacónia surgiu nos séculos IX a VIII a.C. fruto da junção de quatro aldeias onde se situava um antigo santuário pré-dórico de Amicles que alguns estudiosos pensam ser de origem Micénica.

Vigorava no início da sua história a Constituição de 700 a.C. (também conhecida pela Grande Rethra) que estará segundo algumas correntes históricas associada ao legislador Licurgo (800-750 a.C.) mas que segundo outros historiadores esta constituição terá sido resultado de um longo processo de vários séculos. Esta constituição previligia a monarquia dual, ou seja, a diarquia, o mesmo é dizer que tinha o governo de dois reis em que, por exemplo, um rei podia exercer o seu poder através da parte militar e o outro no aspeto religioso.

A relação dos conquistadores Dórios com o povo que habitava aquela região teve um importante papel na estruturação de Esparta pois os espartanos consideravam-se os seus descendentes e partilhavam entre eles as melhores terras e lugares no poder.

Quem tratava das terras dos espartanos eram os ilotas que mais não eram que pessoas não livres – mas não escravas – mas que eram obrigados a dar cerca de metade do produto obtido na colheita. Por seu turno os dórios que não pertenciam à classe privilegiada dos espartanos vão estabelecer-se nos arredores e com terras mais modestas. Eram os chamados periecos (suburbanos). Muitos deles também se dedicavam ao trabalho como artífices ou comerciantes. Eram pessoas livres mas tinham que prestar serviço militar.

Esparta tinha a estrutura social baseada na aristocracia ou oligarquia em que um grupo muito restrito de pessoas com bens (terras) governavam a cidade baseados numa Constituição de ideais democráticos mas bastante díspar do que atualmente entendemos por democracia.

Em tempo de guerra os reis iam à frente do exército e em tempo de paz governavam como Sumo Sacerdotes e juízes, participando na gerúsia que mais não era do que um conselho dos anciãos (gerontes) sobre assuntos da cidade e havia-lhes sido concedido o direito de proposta na assembleia popular ou apella, que era constituída por cidadãos com mais de 30 anos e que elegia os magistrados também chamados de éforos cujo número de elementos eram de 5 e que começaram a exercer funções no século VIII a. C. tornando-se cada vez mais importantes no governo da cidade de Esparta. Eram os seus estrategas e superintendiam o poder e as suas instituições.

Por curiosidade e conhecimento a palavra éforos poderá ser descrita como :

– aqueles que olham à volta; aqueles que vigiam; os vigilantes.

Existiam em mais cidades e não só em Esparta mas com diferentes funções.

Ao início os Éforos tinham só funções relacionadas com a parte litúrgica mas ao longo do tempo foram adquirindo importância e influência cada vez maior. De referir que os éforos eram eleitos anualmente de entre todos os espartanos independentemente da sua posição económica.

Lentamente o poder real foi perdendo importância para a gerúsia que era constituída pelos 2 reis mais 28 cidadãos (gerontes) com mais de 60 anos que eram eleitos a título vitalício e que tinham funções legislativa e judiciais. A gerúsia emitia a sua opinião sobre os mais variados assuntos importantes para a sociedade antes de as submeterem à votação na Ápela que se reunia uma vez por mês por altura da lua cheia.

A Ápela tinha o direito de voto mas não podia propor qualquer questão para debate. Tinha como competências as leis, declarações de guerra, acordos de paz, etc. e decidia em caso de guerra qual dos dois reis iria exercer o comando supremo.

Os éforos tinham como função analisar se as leis eram cumpridas por todos incluindo os próprios reis e com esta vigilância começaram a limitar o poder real chegando a deter no século V a.C. o governo efetivo de Esparta, o mesmo é dizer da política externa, administração e finanças.

Esparta influenciava politicamente os seus vizinhos no Peloponeso devido ao seu modo rígido e severo de vida conhecido por kosmos a que estava sujeito todo o espartano.

Em Esparta os recém nascidos que tinham qualquer tipo de deficiência eram abandonados – segundo alguns estudiosos eram atirados do alto de desfiladeiros – para evitar um peso morto ao Estado. Quando completavam os 7 anos de idade os meninos eram separados das mães e juntamente com crianças mais velhas eram divididos em grupos no qual permaneceriam até aos 20 anos, idade em que eram declarados adultos, guerreiros e aptos no manejo de armas. A sua educação assentava nos exercícios militares que os tornariam grandes guerreiros acostumados a privações. Esta educação também abrangia a leitura e a escrita e uma pequena atividade musical mais concretamente em coros.

Com o decorrer do tempo Esparta foi-se fechando ao mundo exterior por causa do estilo de vida militarista e orientado para as necessidades comunitárias. Estava também vedado aos espartanos a prática do comércio e/ou a atividade artesanal. Esparta iniciou no século IX a.C. um movimento expansionista, primeiro dentro da própria Lacónia com a absorção das cidades vizinhas e quando já tinham o seu domínio dão o salto para fora das suas fronteiras conquistando a vizinha Messénia no final do século VIII.

Em finais do século VII a.C. depois de uma sangrenta e complexa campanha que denominaram de I Guerra Messénica puseram fim a um levantamento dos Messénios. Houve uma II Guerra Messénica por volta de 750 a.C. o que  mudaria o modo de vida de Esparta e seus cidadãos com a sua sociedade a priorizar a militarização.

Chegamos assim à época de Tirteu e compreendemos como Esparta evoluiu, avaliamos o contexto histórico no qual este autor viveu e que este estimulou o ânimo e o ardor guerreiro de seus compatriotas espartanos que lutavam há duas décadas com a Messênia e seus aliados na II Guerra (século VII a.C.) que durou cerca de 22 anos e da qual os espartanos saíram vitoriosos contra os inimigos messénicos e seus aliados de Argos, Arcádia e Pisa.

O historiador Tucídides (c. 460 a.C. – c. a.C.) destaca que antes dos espartanos irem combater os Argivos, Atenienses e Mantineus em 418 a.C., os guerreiros encorajavam-se uns aos outros com as canções de guerra de Tirteu trazendo à memória os feitos dos homens valentes. Prática essa que, para os espartanos, era mais importante do que quaisquer palavras de exortação por mais belas que fossem.

Denotamos que a excelência ou a areté militar suprema é a mais importante variedade de excelência porque em Esparta a coragem era considerada como a maior de todas as virtudes.

Para o poeta não importa se um homem é forte e alto como um ciclope, se é belo, rápido, rico, poderoso ou se tem o dom da palavra porque se não tiver coragem e bravura em batalha e não suportar a carnificina humana não é um homem valente.

Num dos seus poemas refere-se à corrida e luta, isto no meu entendimento é uma referência aos jogos olímpicos que aconteceram pela primeira vez em 776 a.C. e que tinha como vencedores, na maioria das modalidades, os espartanos e a razão destas vitórias são fáceis de explicar quando se tem em conta o modo de vida dos espartanos que se dedicavam muito ao exercício militar e como tal estavam mais aptos que os seus rivais. Uma das modalidades era o pancrácio, uma luta em que era permitido tudo menos arrancar olhos, expressão que chegou aos nossos dias.

Mas a partir da II Guerra Messénica os espartanos começam a fechar-se ao exterior e com isto o número de atletas diminuiu assim como as vitórias pois eles consideravam que era mais importante terem os homens no seu território a defendê-lo do que a ganhar provas olímpicas. Queriam ser heróis em combate e não nos jogos. Assim começa cada vez mais o seu culto pelo corpo -a cultura física – e a secundarização da cultura e das artes. Isto tornou-os cada vez mais distantes e rivais de Atenas.

Esparta outrora teve espaço para as artes não sendo de todo alheios à cultura, chegando a ter autores que escreviam sobre os prazeres da vida.

Para Tirteu um homem não podia ter maior glória do que combater por Esparta. Um guerreiro que dá a vida pelo seu povo, pela sua cidade e seu rei alcança o maior prémio que tem ao seu dispôr, alcançando a heroicidade. É também um herói imortal debaixo de terra e por eles choram os novos, os velhos, seus filhos e os seus descendentes ficarão para sempre notáveis devido aos feitos de seus pais. O seu nome e feito jamais será esquecido para aquele que durante a batalha perdeu a vida para o deus Ares (deus da guerra).

Mas quem tiver a dupla glória de ter combatido e saído vencedor da batalha terá os jovens e velhos a aclamá-lo e a honrá-lo e depois de ter vivido uma vida em pleno com tudo o que a vida tem de melhor descerá ao reino de Hades (deus do submundo).

Escreveu tudo o que uma pessoa quereria ouvir quando estaria prestes a entrar numa batalha. Lutar não só por tudo o que atrás foi escrito mas também pela glória pessoal, sempre com o objetivo de atingir o estatuto de herói.

Não posso deixar de referir o maior exemplo da maneira de como os espartanos encaravam a vida e a morte lembrando  que eles foram protagonistas de um grandioso momento histórico, o memorável episódio do Desfiladeiro de Termópilas, ocasião em que morreram o rei Leónidas I (540 a.C – 480 a.C.) e todos os seus 300 melhores guerreiros na defesa de Esparta e da restante Península Helénica, aquando da invasão persa.

Esta Esparta guerreira que Tirteu exulta será a Esparta que para sempre perdurará na História. Permitam que diga que Atenas formava filósofos enquanto Esparta formava soldados. Por esta razão Esparta tornar-se-ia na primeira potência militar da Grécia.

A influência espartana até na Revolução Francesa se fez sentir pois boa parte dos cabecilhas da Revolução Francesa acreditava que o passado da Antiguidade Clássica tinha algo a ensinar à França. A maioria de seus dirigentes manifestavam maior preferência por Esparta e os mais influentes e radicais têm no geral uma visão pouco positiva, para não dizer negativa, da democracia ateniense.

Dos numerosos exemplos, há este que destaco, tirado de um discurso que Robespierre (1758-1794) pronunciou na Convenção a 7 de Maio de 1794. Para ele o espírito oportunista de Sólon (638 a.C. – 558 a.C.) deve ser evitado e considera que, na História, Esparta “brilha como um clarão nas trevas imensas.”

Para concluir deixo-vos dois poemas de Tirteu para contextualizar tudo o que foi descrito acima:

“Morrer na primeira fila, lutar pela pátria
É o destino mais bonito e digno de um bom guerreiro
Mas deixar a cidade e os ricos prados,
Com o seu velho pai e sua mãe amada,
E as suas pequenas crianças, e a mulher casada,
E aos grandes mendigar,
É o mais triste destino que reserva a vida.
Todos aqueles a quem a se suplica desviam-se, desprezíveis
A miséria possui-vos, a necessidade odiosa,
A desonra cai sobre quem despreza a raça,
Dos que errantes vão toda a beleza se apaga,
E a miséria e o desprezo vão acompanhá-los,
Ah! se morre toda a estima para com estes vagabundos,
Se o respeito se vai, a consideração e a piedade,
Lutem pela pátria, orgulhosamente e morram
Pelos nossos filhos, sem querer o nosso sangue poupar!
A escuridão da morte
deverá ser tão bem recebida quanto a luz do Sol.”


“Era uma vez um espartano cujo escudo não apresentava quaisquer armas, apenas uma banal mosca pintada em tamanho natural. Quando os seus amigos troçaram dele, o espartano declararou que na linha de batalha se aproximaria tanto do seu inimigo que a mosca haveria de parecer tão grande quanto um leão.”

“Foi perguntado a um velho espartano porque motivo Esparta, ao contrário das demais cidades gregas, não tinha muros. Ele respondeu que os muros de Esparta eram os seus homens.”

“Um homem idoso estava a tentar encontrar um lugar para se sentar e observar os Jogos Olímpicos, à medida em que ia a cada ala. Todos os outros gregos riam enquanto ele tentava passar. Alguns ignoravam-no. Depois de entrar na ala espartana todos os espartanos ficaram de pé e ofereceram ao idoso os seus assentos. De repente o estádio inteiro aplaudiu. Todos os gregos sabiam que aquela era a coisa certa a fazer, mas os espartanos foram os únicos que a fizeram.””Perguntaram a Pedaritus, um espartano, que não fora escolhido para fazer parte dos 300 (a unidade de elite do exércto espartano), porque motivo continuava a sorrir apesar da rejeição. Pedaritus respondeu que estava fascinado por verificar que existiam na cidade 300 homens melhores que ele.”


Bibliografia

Lexicoteca – Moderna Enciclopédia Universal, Tomo XVII

                      Círculo de Leitores (1988)

Lexicoteca – História Universal – O Homem Nas Suas Origens; O Mundo Pré-Clássico;

                     Antiguidade Clássica, Tomo I – Círculo de Leitores (1989) 

 

Webgrafia 

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Esparta e o novo guerreiro

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Os Espartanos: Uma História Épica (crítica ao livro)

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Sangue, Honra e Glória – A disciplina Espartana

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Nuno Gonçalves Rodrigues (2012 & 2023)