JOAQUIM JOSÉ DA CUNHA ROBERTO
Prefácio da 1.ª Edição a “Timor Anos 30” , de Maria da Conceição Valdez Telles de Menezes e Pedro Teixeira da Mota
Honra-me sobremaneira prefaciar o livro “Timor Anos 30” que trata particularmente um período muito importante de Portugal em contexto colonial e que se reflete na vida de Artur dos Santos Ferreira, especialmente aquando da sua passagem e permanência na Colónia de Timor de 23 de maio de 1924 a 15 de agosto de 1938.[1]
Faço-o de bom grado pela merecida homenagem ao homem e à sua vivência militar, que preencheu em grande medida a vida de Artur dos Santos Ferreira. Não poderia recusar o intento da autora, Maria da Conceição Valdez, que tão gentilmente me convidou para prefaciar a sua obra, sensibilizando-me pela sua vontade férrea e resiliência. Nessa perspetiva, apraz-me contribuir singelamente para a evocação da memória do seu avô materno.
Quem prefacia possui naturalmente uma posição de apoio de quem apresenta ou redige, apoiando-se na sua suposta capacidade e competência. É sempre a postura de quem pode julgar a obra que está a prefaciar e aquilatar para o público a quem se destina. Um prefácio é um texto repleto de tradição, implicitamente convertendo-se na legitimação ou na validação da autoridade. Desta vez, porém, este prefaciador coloca-se na situação de quem tem o privilégio da prioridade da leitura para anunciar o prazer do apreendido, do encontrado, do descoberto.
Trata-se de uma proposta de leitura e observação das imagens, através da análise do engenho, do mergulho dos sentidos e da emoção que se acumulam na subtileza e arte destas páginas repletas de imagens fotográficas de Artur dos Santos Ferreira, contextualizadas por Pedro Teixeira da Mota.
A primeira sensação na leitura desta obra é a primazia da imagem. Trata-se de uma busca histórica familiar, de uma construção de categorias num determinado contexto espácio-temporal da Colónia de Timor, enquadrado numa composição e tecido social. É importante revisitar o livro pois só numa abordagem mais atenta se apreende a virtude dos pormenores das imagens aqui publicadas. Esta dualidade tradicional das raízes e da conceção temporal remete para a visão de uma realidade em mudança, onde a realidade do militar se funde com o contexto colonial e a profunda vinculação familiar. É como se a autora procurasse destacar o quotidiano, o vivido e o vivenciado no plano das suas práticas de educação e de ensino, mas tudo isto refletido e elaborado critica e criteriosamente.
Familiarizado com o espaço de arquivo e da história, apreendo uma nova sensação de interdisciplinaridade ao mergulhar nos capítulos do livro, que me remete para os tempos da faculdade e da transcrição positivista do conhecimento, libertando-me do juízo político-social sempre presente nas análises. Nesta obra, a interdisciplinaridade, já anunciada, transporta-nos para o tabuleiro de jogo da reedificação de um homem, a oportunidade de começar de novo, o elogio ao homem militar, esclarecido e pedagogo.
Esta obra comunica ao leitor a visão panorâmica das imagens, sem descuidar a apresentação das abordagens antropológicas, da comunicação da experiência da autora, sem pretensões de maiores sistematizações e com uma posição quase fenomenológica de quem abre a janela para novos destinos.
E ainda uma outra sensação que nos salta aos olhos é o formato e a importância da organização do pensamento com vista à composição e elaboração da obra. Talvez seja este o fio condutor que une as partes, transmitindo-nos com entusiasmo a energia, a força e a luz.
No seu conjunto, a obra apresenta o percurso militar, a vida familiar e social em contexto colonial de Arthur dos Santos Ferreira. Sabendo que as décadas de 20 e 30 do séc. XX, foram um período muito conturbado em Portugal, tal não o impediu de viajar à aventura e à descoberta pelo mundo português, tendo servido ainda na Índia durante dois anos (1942-1944) e em Moçambique na 9.ª Companhia Indígena de Caçadores de Moçambique (1944-1946), terminando assim o seu percurso militar no Império Colonial Português.
A autora procura vivenciar a memória do seu avô, como o homem que nasceu na Guarda, uma cidade do interior de Portugal, no seio de uma família humilde, revelando a cada passo, o militar corajoso e empreendedor, que prosperou através das dificuldades da vida, percorrendo caminhos longínquos e reedificando-se como um homem do mundo ultramarino, libertando-se das amarras do destino e personificando exemplarmente o militar português dos anos 30 do séc. XX.
[1] Na época, a viagem de Lisboa a Díli demorou dois meses.
“Timor Anos 30”
Maria da Conceição Valdez Telles de Menezes e Pedro Teixeira da Mota
1ª ed.
Joaquim José da Cunha Roberto
Lisboa, 15 de dezembro de 2020