Textos finais

 

 

VICTOR JORGE


Falo porque tenho que falar

 

Falo porque tenho que falar, sem razões, sem lágrimas, mesmo que o que diga não seja meu, falo.

São estas as minhas aventuras. Não estou portanto à beira de um fracasso. Não é importante o que falo, apesar de comportar largas doses de amor e ternura humana. Os padrões que regem a importância das coisas não se realizam nestes agenciamentos. O único encontro que tive foi há muito tempo. Não se repetiu. Tenho a alma seca. As palavras são importantes… diria… estão num nível intermédio … entre o silêncio e o pensamento. Falo para me manter acordado. Seja como for não tardarei em calar-me de vez. Talvez se gritar muito, perca a voz e me cale antes de repousar. Talvez consiga tocar num silêncio rápido antes de me entregar profundamente. A minha língua inerte afasta-me dos risos e das conjecturas festivas. Correr! Movimentar um braço, depois outro, acertar um compasso forçado ao falhanço. Não há certezas. Ao longe oiço um beijo. Há quem sinta a erva húmida a elevar-se da terra. Há quem na madrugada de um esverdeado fresco de orvalho se atreva a calar-se.


Podia ter começado assim sem princípio.

As idas e vindas davam  a ideia do movimento necessário para que eu permanecesse ali, imóvel.

Aqui estou…posso finalmente agir.

O ambiente estava criado. Nada mudará.

À minha existência devo a perfeita conjuntura de me deslocar de obstinação em obstinação.

Deus pouco ou nada tinha a haver com o assunto… logo, estava tudo de acordo. Fácil.

Não tenciono aborrecer-me.

Reconheço os pequenos bichos que ali se movem.

Falta-me desejar outro fim que não prosseguir o incessante rumo da esperança.

Parece-me, sem falhas, que toda a orientação está escropulosamente definida.

Uma vez que me sinto melhor… aguardarei em paz que outra seta se interponha no meu caminho e me lance na direcção certa…


…o suicídio é mais fundo que a morte…

Aceitar as ordens da natureza.

Inspirar o orvalho fresco da manhã…​fechar os olhos e deixar-me trespassar pelo toque dos seus lábios.

Tudo simples.

Faltava-me o derradeiro passo.

Sem ais…Ter a coragem de ali permanecer.

As solicitações multiplicavam se…

Um beijo…

Nos céus ressoava já a imoralidade da minha inércia.

Ao mais pequeno movimento o relatório seria conclusivo.

O suicídio é mais fundo que a morte.


O destino estava traçado

Os tempos de mudança eram isso mesmo,

Nada acontecer.

Os bichos procriavam sem acasalar.

A tensão era crescente e o universo não se alterava por causa disso.

Os gritos eram ocos e as vozes sem alcance.

A dor tinha-se instalado aqui como noutro lugar qualquer. Tudo parecia igual.

Um caldeirão gigante.

Nós não sabíamos.

A palavra vida era uma parca representação do que na verdade se diluia na frustação da lentidão.

Os acontecimentos esbatiam-se com o passar dos dias.

Instalara-se o tédio e com ele um novo conceito de desejo.

Sem nos apercebermos a transformação tinha tomado posse dos nossos quotidianos.


Victor Jorge (Lisboa, 1971) concluiu os estudos em cinema, imagem em movimento e som de autor no Ar.Co tendo paralelamente assistido ao curso avançado de artes plásticas tutelado por Manuel Castro Caldas. Frequentou aulas de desenho e história de arte no Ar.Co. Posteriormente concluiu um ano de “PROJECTO” autoral (pós graduação) também com Manuel Castro Caldas como tutor, apresentando no Palácio das Galveias o seu “Filme Super8 raspado à mâo”. Realizou o curso de teatro e performance pela Gulbenkian/Fundação Oriente e em Londres pelo estúdio do Método. Frequentou a pós graduação do curso complementar em filosofia da Universidade Nova em 2017 e conclui o curso de iniciação à preservação e restauro de película para cinema na Cinemateca Portuguesa/ANIM museu das imagens em movimento.

Tem desenvolvido projectos entre a imagem em movimento e imagem fixa, escultura sonora, video performance e escrita, tendo exposto em Portugal, EUA, Itália e França. Foi professor de cinema e vídeo no Ar.Co ( Prémio Gulbenkian Educação 2007) entre 2005 e 2019 e artista/professor convidado (2018) pela Fundação CGD departamento de educação para falar sobre cinema de vanguarda. Em 2018 deu aulas para o museu maat/Fundação EDP a convite da artista/curadora Ana Rito.

É presidente e director artístico da Associação Súbita Prácticas de Criação e Composição onde desenvolve projectos de composição directamente em película, com o apoio da cinemateca portuguesa e ANIM. Cria o projecto “CINEMA EM FAMÍLIA um retrato de um país” em 2017/18,  LET THEM TALK história-memória-esquecimento e prepara SÚBITA BIENAL de IMAGEM EM MOVIMENTO, SOM & ARQUIVO VIRTUAL para data ainda a considerar. Desenvolve regularmente trabalho de co criação em video performance com o performer e actor Victor Gonçalves.

Em 2005 foi selecção oficial no Festival de Cinema Independente de Los Angeles e posteriormente no de Nova York com uma criação a partir da peça de teatro para televisão “Eh Joe” de Samuel Beckett.

Em 2007 foi selecionado para a exposição “The next big thing” no “Lisbon Village Festival” no qual foi nomeado como um dos artistas da nova geração.

Em 2009 ganha 4 prémios. Melhor filme, melhor argumento, melhor personagem, melhor edição no exercício conjunto para o “The 48 Hour Film Project”.

Em 2012 foi selecionado com a peça de vídeo “Filme Apagado Pornográfico 1978, USA e pintado à mão” pela Universidade Nova em parceria com a Gulbenkian, CCB e Cinemateca Portuguesa para o concurso Klossowski, tendo sido um dos autores distinguidos.

Está representado nas Coleções Privadas do Ar.Co, FUSO e FUNDAÇÂO EDP ART/MAAT com as peças devídeo “Filme Apagado Pornográfico de 1978, USA e pintado à mão, “LANDSCAPE” e “AU CLAIR DE LA LUNE”.

Em 2013 venceu o Open Call FUSO/MAAT-FUNDAÇÂO EDP ART, com a peça de vídeo “LANDSCAPE”.

Em 2016 é convidado para participar na ARCO Madrid em Lisboa.

A FUNDAÇÂO EDP ARTE-MAAT convidou-o a integrar a exposição de inauguração do Museu MAAT com o nome “Segunda Natureza” comissariada por Pedro Gadanho e Luísa Especial e expõe ao mesmo tempo em Paris no espaço “Le Centequatre-Paris” em 2016.

Em 2017 é um dos artistas estudado numa tese de Mestrado da Universidade de Belas artes de Lisboa por Carina Fonseca.

​Em 2018 é convidado pelo MAAT / Fundação EDP arte a expôr no Kreeger Museum em Washington.

Em 2019 cria a peça de vídeo “I Wanted To Be An Artist” em super8, tendo sido escolha oficial para o festival de Veneza e Moscovo.

Actualmente é Chef/cozinheiro criou o projecto “Triunfo dos Porcos clube de cozinha” em Alvalade, Lisboa e desenvolve a sua actividade artística e como Chef no Resort Fletcher em Zutphen na Holanda escrevendo regularmente para o Blog Triunfo dos Porcos sobre gastronomia.


Victor Jorge