ANTÓNIO JOSÉ DA SILVA |
SEGUNDA PARTE |
Cena VII |
Entra Dona Clóris |
Dona Clóris: Senhor Juiz, logo declaro que eu de furtos não sei nada, e só que D. Gil foi um dos da capoeira, e está inocente, porque... Dom Gilvaz: Porque foi preciso obedecer-te, querida Clóris. Dona Clóris: Que vejo! D. Gil? Cobre alentos o meu coração. Dom Gilvaz: Não te admires dos sucessos de meu amor que os influxos do teu Alecrim sabem triunfar dos maiores impossíveis. Semicúpio: Aliás, que um Semicúpio sabe fazer possíveis as maiores dificuldades. Aí tem, Senhor D. Gilvaz, o seu bem de portas a dentro; tenho cumprido a minha palavras e, se não está bem servido, busque quem o faça melhor. Dona Clóris: Uma vez que me vejo em tua casa, não porei mais em contingências a minha fortuna. Semicúpio: Isso mesmo; quem disse casa, casa. (Entra Dom Lancerote) Dom Lancerote: Que é isto, Senhor Doutor? As testemunhas vêm e não tornam? Semicúpio: Já está concluída e sentenciada a devassa. Dom Lancerote: Quem são os culpados? Semicúpio: As Senhoras suas sobrinhas, que são umas finas ladras. Dom Lancerote: Minhas sobrinhas, ladras? De que sorte? Semicúpio: Desta sorte; vamos saindo cá para fora. (Vai Semicúpio trazendo a todos para fora, e diz o seguinte). Porque vistos estes sucessos, consta que a Senhora Dona Nize furtou o coração de Senhor Dom Fuas, e a Senhora Dona Clóris o de D. Gil; e assim é de razão que lho restituam, casando com eles; porque no matrimonio se entregam os corações com as vontades. Dom Fuas: Em cumprimento da sentença, eu a executo pela minha parte igualmente alegre e admirado desta rara inventiva de Semicúpio. Dona Nize: É de justiça esta ação: que alegria! Dom Gilvaz: Dona Clóris, dá-me o coração, que me tens, na mão que te peço. Semicúpio: Isso é falar com o coração nas mãos. Senhora Dona Clóris, case-se mas não se arrependa. Dona Clóris: Senhor D. Gil, o meu coração lhe entrego em recompensa do que lhe roubei, se acaso é furto o que se dá por vontade. Semicúpio: Dom Tibúrcio, tenha paciência e pague as custas de permeio com o Senhor Dom Lancerote, já que foram tão basbaques que se deixaram enganar de mim. Semicúpio, tantos de tal mês, etc. Dom Tibúrcio: Senhor tio, seja-lhe par abem, que aqui já não há para onde apelar. Dom Lancerote: Nem eu me posso agravar quando o matrimonio é o ditoso fim destes excessos. Sevadilha: Quem casa a tantos, por que se não casa a si? Semicúpio: Não me fales em remoques; já sei, Sevadilha, que queres casar comigo; e pois a sentença passou em coisa julgada, demos as mãos e a boa vontade. Sevadilha: Oh, discreta mão, que escreveu tal sentença! Fagundes: E que há de ser de mim, Semicúpio, que neste negócio também dei minha penada? Sevadilha: Em vindo a frota, virá teu marido. Dom Gilvaz: E pois te consegui, galharda Clóris, publique a fama os vivas do Alecrim, que triunfou de tantos impossíveis. Dom Fuas: Tende mão, que não é justo que roubeis a Manjerona a parte, que lhe toca no aplauso que merece; pois à sombra de suas folhas conseguistes muita parte da dita, que possuis. Fagundes: Isso é verdade; senão diga-o a escada e a caixa. Dom Tibúrcio: Foi boa caixa. Dom Gilvaz: Que importa que a Manjerona abrisse os caminhos aos favores, se a Alecrim serenava as tempestades na tormenta dos enleios? Semicúpio: E senão diga-o também o fogo selvagem, a Medicina, a Ministrice, e a mãe de duas filhas. Dom Tibúrcio: Pois que vai, senhor tio? É bico ou cabeça? Dom Lancerote: Paciência por força. Dona Clóris: Não se pode negar que venceu o meu Alecrim, pois ele tocou a meta, pondo fim a nossos desejos. Dona Nize: A Manjerona só merece aplausos, porque deu princípio a este fim. Semicúpio: Então, visto isso, venceu o Malmequer pois ele dói o meio entre o princípio da Manjerona, e o fim do Alecrim. Sevadilha: Pois viva o Malmequer. Dom Gilvaz: Tenho dito, venceu o Alecrim. Dom Fuas: Se a eficácia das razões não basta a convencer-vos, esta espada fará confessar o triunfo da Manjerona. Semicúpio: Deixe estar a folha, que as da Manjerona não são o Alcorão de Mafoma, para que se defendam à ponta de espada; e pois, estou feito Juiz, pela autoridade que tenho declaro que ambas as plantas venceram o pleito pois cada uma fez quando pôde; e para que se acabem essas guerras do Alecrim e Manjerona, mando que os dois ranchos façam as pazes e se ponha perpétuo silêncio nesta matéria, sob pena de serem assuntos de minuetos e andarem por boca de Poetas, que é pior que pelas bocas do mundo. Todos: Pois viva o Alecrim, e viva a Manjerona. Semicúpio: E viva todo o bicho vivo. Dom Lancerote: Vivamos todos, meu Sobrinho. Dom Tibúrcio: Essa é a verdade. Semicúpio: E como não há triunfo sem aclamação, enquanto o Coro não principia a festejar este aplauso, coroemos esta obra com as ramos de Manjerona e Alecrim.
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FIM |