ANTÓNIO JOSÉ DA SILVA |
SEGUNDA PARTE |
Cena II |
(Entra Semicúpio pela mão de Sevadilha) |
Semicúpio: Donde me levas, Sevadilha? Sevadilha: Ande, não me faça perguntas. Semicúpio: Não há uma candeia nesta casa que se me meta na mão, que estou morrendo por te ver? Sevadilha: Melhor fineza é amar por fé. Semicúpio: Como, se eu não dou fé de ti? Sevadilha: Ande, que o amor se pinta cego. Semicúpio: Muito vai do vivo ao pintado. Sevadilha: Assim estamos mais à nossa vontade. Semicúpio: Andar, supondo que tenho o meu amor na Noruega; mas ainda assim isto de estar às escuras, não é grande coisa para um homem dizer à sua Dama quatro hipérboles, pois se não vejo, como poderei dizer-te que és estatua de alabastro sobre plintos de jaspe neve vivente, e racional sorvete, mas só carapinha, pois negra te considero nesta Etiópia: oh, negregada ocasião em que por falta de uma candeia não sai à luz a tua formosura! Sevadilha: Pois o fogo de teu amor não basta para alumiar esta casa? Semicúpio: Se a luz excessiva faz cegar, também a minha chama por excessiva não alumia; mas com tudo isto não nos metamos no escuro; falemos claro: como estamos nós daquilo, que chamamos amor? Sevadilha: E como estamos nós do malmequer, que esse é o ponto? Semicúpio: Cada vez está mais viçoso com a copiosa inundação de meu pranto. Sevadilha: E teu amo com o alecrim? Semicúpio: Isso são contos largos, o homem anda doido; tudo quanto vê lhe parece que é Alecrim; est'outro dia estava teimoso, em que havia de cear salada de Alecrim, mais que o levasse o diabo. Olha, para contar-te as loucuras que faz, assentemo-nos, que isto se não pode levar de pé. |