ANTÓNIO JOSÉ DA SILVA
Guerras do Alecrim e da Manjerona

SEGUNDA PARTE
Cena II
(Entra Semicúpio com a caixa às costas).

Semicúpio: Quem toma conta deste arcaz?

Dom Tibúrcio: Quem a manda?

Semicúpio: Uma mulher já de dias grandes, porque era bastantemente velha.

Dom Tibúrcio: A mim me melem, se isto não é já alguma preparação para o casamento.

Semicúpio: Vossa mercê parece que adivinha, pois para casamento é, segundo ouvi dizer a um terceiro.

Dom Tibúrcio: Sabes, o que virá aí dentro?

Semicúpio: Cuido que é um vestido.

Dom Tibúrcio: E que tal?

Semicúpio: Belo na verdade, bordado com uns vivos brancos, e de cores tão vivas, que estão saltando.

Dom Tibúrcio: É de mulher ou de homem?

Semicúpio: Tudo o que aqui vem é para mulher.

Dom Tibúrcio: Cuidei que era para mim.

Sevadilha: (à parte). Aquele é Semicúpio; ele que carrega a caixa não é sem causa.

Semicúpio: (à parte). Sevadilha lá me está deitando uns olhos que se vão os meus trás deles.

Dom Tibúrcio: Já te pagaram?

Semicúpio: Não, Senhor, mas eu esperarei pela velha.

Dom Tibúrcio: Pois, Sevadilha, em que ficamos? Ajustemos o negócio!

Sevadilha: (à parte). É boa esta, ouvindo-me Semicúpio!

Dom Tibúrcio: Olha, Sevadilha, eu te quero tanto que fecharei os olhos a tudo, só por casar contigo.

Semicúpio: (à parte). Tome-se lá, o que estavam ajustando os dois! Eu o estorvarei.

Dom Tibúrcio: Que dizes, rapariga?

Semicúpio: Ah, senhor, pague-me o carreto da caixa.

Dom Tibúrcio: Espera, que logo vem a velha.

Semicúpio: (à parte). Sim, pois a moça logo vai.

Dom Tibúrcio: Tu ainda és menina, não sabes o que te convém.

Sevadilha: Eu não necessito de tutores.

Dom Tibúrcio: Olha, que eu sou Morgado na minha terra, e terás tantos e quantos.

Semicúpio: Senhor, pague-me o carreto da caixa, que não posso esperar.

Dom Tibúrcio: Logo, espera; ora, Sevadilha, isso há de ser, dá-me um abraço.

Semicúpio: Venha o carreto da caixa; é boa essa!

Sevadilha: É boa teima!

Dom Tibúrcio: Pois dá-me ao menos esse malmequer por prenda tua.

Semicúpio: Ora venha já esse carreto, senão tudo vai c'os diabos.

Dom Tibúrcio: Espera, homem; ouve, mulher.

Sevadilha: Vá-se daí, malcriado, aleivoso, maligno; é o que me faltava!

Canta Sevadilha a seguinte

Ária

Que um tonto jarreta,

Que um néscio pateta,

Me fale em amor,

Ou é para rir,

Ou para chorar.

Não cuide em amores,

Que nesses ardores,

Se pode frigir,

Se pode abrasar. (vai-se).

Semicúpio: Regalou-me esta Ária; vou dizer a Sevadilha, diga a Dona Clóris, que ali está meu amo, e finjo que me vou. Senhor, adeus, eu virei noutra ocasião. (vai-se).

>>>Entra Dom Lancerote com um castiçal e vela acesa

Guerras do Alecrim e da Manjerona
 
Página Principal - Poesia - Teatro - Ciberarte - Letras - Alquimias