ANTÓNIO JOSÉ DA SILVA |
Cena II |
(Entra Dona Clóris) |
Dona Clóris: Oh! Quanto folgo que já estejas bom! Semicúpio: E tão bom que parece que nunca tive nada. Dona Clóris: Com que saraste? Semicúpio: Com o mesmo mal; porque também há males que vêm por bem. Dona Clóris: Que dizes, que te não entendo? Estás louco? Semicúpio: Meu amo ainda o está mais do que eu, desde que te viu assim por maior esta manhã; e assim para significar-te a tremendíssima eficácia de seu amor, aqui me manda a teus pés, minto, aos teus átomos, para que com os disfarces do Alecrim possa merecer os teus agrados. Dona Clóris: Sevadilha, põe-te a espreitar não venha alguém. Sevadilha: Sim Senhora. Arrelá como ardil do homem! (vai-se) Dona Clóris: E quem é esse teu ano que tanto me adora? Semicúpio: É o Senhor Dom Gilvaz, cavalheiro de tão lindas prendas, com verbi gratia Londres e Paris. Dona Clóris: Que oficio tem? Semicúpio: Há de ter um de defuntos, quando morrer. Dona Clóris: E enquanto vivo, em que se ocupa? Semicúpio: Em morrer por vossa mercê. Dona Clóris: Fala a propósito. Semicúpio: Senhora, meu amo não necessita de ofícios para manter os seus estados , porque tem várias propriedades consigo muito boas; além disso tem uma quinta na semana, que fica entre a quarta e a sexta, tão grande que é necessário vinte e quatro horas, para se correr toda. Dona Clóris: Quanto fará toda de renda? Semicúpio: Não se pode saber ao certo; sei que tem várias rendas em Flandres, e outras em Peniche, e estas bem grossas; também tem um foro de fidalgo, e um juro de nobreza. Dona Clóris: Basta que é fidalgo? Semicúpio: Como as estrelas, que as vê ao meio-dia, e as estas horas não vê outra coisa; e certamente lhe posso dizer que é tão antiga a sua descendência, que diz muita gente, que descende de Adão. Dona Clóris: Se isso é assim, talvez, que me incline a quere-lo para meu esposo. Semicúpio: Venha a resposta, senhora, que meu amo está esperando com língua de palmo. Dona Clóris: Pois ouve o que lhe hás de dizer. Canta Dona Clóris a seguinte
Semicúpio: Vencido está o negocio; mas o capote do velha cá não há de ficar por vida de Semicúpio; que se a ocasião faz o ladrão, hei de sê-lo por não perder a ocasião. (vai-se com o capote). (Entra Sevadilha) Sevadilha: Espera, homem, onde levas o capote? E foi-se como um cesto rosto? Ai, mofina desgraçada, que há de ser de mim se meu amo não achar o seu rico capote? |