ANTÓNIO JOSÉ DA SILVA |
(Entra Semicúpio) |
Semicúpio: Já fica assinalada na carta de marear toda a Costa de Leste a Oeste, com seus cachopos, e baixios. Dom Gilvaz: Aonde moram? Semicúpio: são as nossas vizinhas, sobrinhas de Dom Lancerote, aquele mineiro velho, que veio das minas o ano passado. Dom Fuas: Basta que são essas! Por isso elas cobriram o rosto. Semicúpio: isso tem elas, que não são descaradas; antes são tão sisudas, que nunca encararam para ninguém. Dom Gilvaz: uma delas sei eu, que se chama Dona Clóris. Semicúpio: e a outra Dona Nize, isso sabia eu há muito tempo. Dom Fuas: e como saberei eu, qual delas é a da Manjerona? Semicúpio: isso é fácil, em sabendo-se qual é a do Alecrim, logo se sabe qual é a da Manjerona. Dom Fuas: grande sutileza! Vamos Dom Gil. Semicúpio: já que se vão, advirtam de caminho, que segundo as notícias, que tenho, bem podem desistir da empresa; porque o velho é tão cioso das sobrinhas como do dinheiro; a casa é um recolhimento; as portas de bronze; as janelas de encerado; as frestas são óculos de ver ao longe, que nem ao perto se vêem; as trapeiras são zimbórios tão altos, que nem as nuvens lhe passam por alto; as paredes do jardim são mestras, e as chaves das portas discípulas, porque ainda não sabem abrir, ma só um bem há, e é, que tendo tudo tão forte, só o telhado é de vidro. Com que, senhores meus, outro oficio, contentem-se com cheirar a sua Manjerona e o seu Alecrim; que amor que entra pelo nariz, não é bem que chegue ao coração. Dom Gilvaz: Semicúpio, não temo impossíveis, tendo da minha parte a tua indústria, que espero de ti apures toda a força de teu engenho para os combates dessa muralha. Semicúpio: Ah! Senhor Dom Gilvaz, o meu Aríete já se acha mui cansado com tanto vaivém, pois nem todo o artifício de minhas máquinas pode abrir brecha nessa diamantina bolsa, que tão cerrada se dificulta aos meus merecimentos. Dom Gilvaz: Semicúpio amigo, tem ânimo, que se montamos a burra de Dom Lancerote, saltaremos de contentes. Semicúpio: tal é a minha desgraça e a sua miséria, que ainda com esta burra me dá dois coices. Dom Gilvaz: Dom Fuas, ficai-vos embora, que me vou armar de esperanças, para que nos combates de amor triunfe o Alecrim. Dom Fuas: D. Gil, vamos a forro, e a partido pois que Semicúpio é tão destro na matéria. Dom Gilvaz: por ora não pode ainda ser; deixai-me primeiro tentar o vau, que vós também navegareis no mar de Cupido. Dom Fuas: isso não merece a nossa amizade. Dom Gilvaz: se vós sois do rancho da Manjerona, já me podereis conhecer por inimigo declarado, seguindo eu a parcialidade do Alecrim; e como nas guerras destas plantas havemos os dois ser contrários, mal poderei socorrer-vos; e assim, ficai-vos embora, Dom Fuas, e viva o Alecrim. (vai-se) Semicúpio: e viva o malmequer. (vai-se) Dom Fuas: viverá a Manjerona apesar do mais intensivo ardor de opostos Planetas. (Entram Fagundes com manto e capelo) Fagundes: e bom sumiço! Aonde estarão estas meninas, que há mais de quatro horas que foram à Missa, e ainda não há fumo delas? Meu senhor, vossa mercê acaso veria por aqui duas mulheres com uma criada? Dom Fuas: Que sinais tinham? Fagundes: Tinha uma delas uns sinais pretos no rosto, e a outra uns sinais de bexigas. Dom Fuas: E que mais? Fagundes: Uma delas tem os olhos verdes, cor de pimentão, que não está maduro, e a outra olhos pardos, com raiz de oliveira; uma tem cova na barba, e a outra barba na cova, uma tem espinhela caída, e a outra um leicenço num braço. Dom Fuas: Com esses sinais, nunca vi mulher nesta vida. Fagundes: Meu senhor, uma delas trazia um ramo de Alecrim no peito, e a outra de Manjerona. Dom Fuas: Vi muito bem, que são as sobrinhas de Dom Lancerote. Fagundes: Essas mesmas são: ora diga-me, aonde as viu? Dom Fuas: Promete vossa mercê fazer-me quanto lhe eu pedir? Fagundes: Ai, que coisa me pedirá vossa mercê, que lhe não faça, dizendo-me aonde estão as minhas meninas? Dom Fuas: Pois descanse, que elas aqui estiveram, e agora foram para casa. Fagundes: Ai, boas novas tenha. Dom Fuas: Ora, pois, em alvíssaras desta boa nova quero me diga como se chama... Fagundes: Eu? Ambrósia Fagundes, para servir a vossa mercê. Dom Fuas: Digo, como se chama a que trazia a Manjerona no peito? Fagundes: Chama-se Dona Nize. Dom Fuas: Pois, Senhora Ambrósia Fagundes, saiba que eu adoro tão excessivamente a Dona Nize, que me prêmio do meu extremo me franqueou este ramo de Manjerona. Fagundes: É verdade, que pelo cheiro o conheço, que é o mesmo. Dom Fuas: E como me dizem os impossíveis, que há de a poder comunicar, quisera dever-lhe a galantaria de ser minha protetora nesta amorosa pretensão; e fie de mim, que o premio há de ser igual ao meu desejo. Fagundes: Meu senhor, difícil empresa toma vossa mercê; porque além da excessiva cautela do tio, que nisto não se fala, uma delas está para casar com um primo, que hoje se espera de fora da terra, e a outra qualquer dia vai a ser freira; com que, meu senhor, desengane-se, que ali não há que arranhar. Dom Fuas: E qual delas é a que casa? Fagundes: Ainda se não sabe; porque o noivo vem à escolha daquela que lhe mais agradar. Dom Fuas: Como o vencer impossíveis é próprio de um verdadeiro amante, nós havemos intentar esta empresa, saia o que sair; que a diligência é mãe de boa ventura: favoreça-me vossa mercê, Senhora Fagundes, com o seu voto, que eu terei bom despacho no tribunal de Cupido; tenho dinheiro e resolução, e tendo a vossa mercê da minha parte, certo tenho o triunfo da Manjerona. Fagundes: Pois por mim não se desmanche a festa, que eu não sou desmancha-prazeres; esta noite o espero debaixo da janela do cozinha; sabe onde é? Dom Fuas: Bem sei. Fagundes: Pois espere-me aí, que eu lhe direi o que há na matéria. Dom Fuas: Deixe-me beijar-lhe os pés, ó insigne Fagundes, feliz corretora de Cupido. Fagundes: Ai! Levante-se, senhor, não me beije os pés, que os tenho agora mui suados e um tanto fétidos; descanse, senhor, que Dona Nize há de ser sua apesar das cautelas do tio, e das carícias do noivo. Dom Fuas: Se tal consigo, não tenho mais que desejar.
Fagundes: Estes homens, tanto que são amantes, logo são músicos; e eu neste entendo terei boa melgueira; e mais eu que sou abelha mestra, que hei de chupar o mel da Manjerona, e do Alecrim. |