A escrita para teatro de GS está, então, ancorada sobre os conceitos de «landscape» e de «play». Esta escrita modernista que rompe, programaticamente, com as fronteiras canónicas de género literário (lírico, narrativo, dramático), procura, desde o início, num diálogo entre artes (pintura, música, etc.), a abstracção cubista, a ideia de “presente perpétuo” e, tudo isto, de acordo com uma técnica de escrita inspirada pelo conceito de “reminiscência” de Bergson – a “corrente de existência” – que difere da subjectividade da “corrente de consciência” exercitada por outras e outros modernistas, como Virgínia Woolf, por exemplo.
O conceito de paisagem (landscape) para GS, um conceito visual (e ainda não um conceito nuclear da geografia cultural como virá a tornar-se, sobretudo a partir das últimas décadas do século XX) (1), dirá respeito à realidade circundante (a gestos, às relações entre pessoas, às nuances detectadas nessas relações, a notícias de coisa nenhuma) o que tem consequências sobre o entendimento da noção de tempo que nada mais terá em comum com as noções de tempo das dramaturgias convencionais (mesmo que geniais) nas quais o tempo construído raramente está em harmonia com o presente, sincopado, do espectador. É que para GS a emoção decorre, sempre, nesse tempo sincopado que ou está demasiado antes ou demasiado depois do tempo da peça.
Mas como é que uma peça de teatro pode ser uma «paisagem»? GS responde qualquer coisa deste género: olhem para uma paisagem. Pode-se abarcar o todo, de uma vez só, e, no entanto, sabemos que aquilo que podemos ver é somente uma pequena parte do que existe na paisagem. Qualquer que seja a ordem e a quantidade de coisas que compõem a paisagem, a verdade é que a paisagem enche o campo do nosso olhar. A mesma coisa se passaria numa peça. Se a paisagem contém tudo o que contém e nós só vemos o que vemos, também na peça de teatro tudo e todos estão lá, podem estar lá, contidos no espaço e tempo em que a peça se desenrola e durante o qual qualquer coisa pode acontecer.
Anos mais tarde, GS ampliou, todavia, o seu foco dramático. Uma peça, defendia agora, é um espaço de tempo no qual acontecem coisas sem referência a espaço ou tempo. Começou então a mudar a austeridade e aridez do seu espaço-tempo cubista e passou a introduzir nas suas plays ideias e acontecimentos retirados da História e da Mitologia.
É o caso de Doctor Faustus Lights the Lights, uma fantasia que o público é obrigado, permanentemente, a ver o que se passa na mente de Fausto. A peça tem evidentes ligações às obras de Marlowe e Goethe mas é elaborada, sobretudo, com materiais retirados do seu próprio laboratório de escrita.
Um exemplo mais desta mudança, e uma das raras peças de contornos realistas da autora, e que é uma das que cita acontecimentos históricos, é Yes Is For A Very Young Man. Peça construída a partir de tipos e não de personagens, Yes. . . visa recriar o espírito da Guerra Civil Americana no espaço da França Ocupada pelos nazis na Segunda Guerra Mundial.
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(1) Cf. entre outros, Alexandre Melo, Globalização Cultural, Lisboa, Quimera, 2003 e Atkinson, Jackson, Sibley, Washbourne, edit., Cultural Geography: A Critical Dictionary of Key Concepts, London, Tauris, 2005. |