(As personagens vão emergindo da obscuridade, caminhando individualmente para a boca de cena, à medida que chega o momento de prestarem o seu testemunho.)
ANGE ROI: (Em tom de troça.) A mensagem do presidente amortalhado! (Ri-se.) Olímpio fez antes de morrer uma grande encenação... Bem ao seu estilo. Aquela história de nos acusar de traidores, de andarmos a conspirar nas costas do inocente ... Tretas! Para passar aos olhos do futuro como um pobre ingénuo, que fosse enganado até à hora de dizer adeus ao pedestal. Ele sabia mentir na perfeição; acho até que a doença lhe refinou a arte. [A fraqueza terminal inspira a empatia do público.] (Pausa.) É verdade que no meu Instituto desenvolvemos há dez anos um projecto secreto: estamos a criar um clone de Olímpio que tomaria o seu lugar quando ele morresse. Mas isto não era segredo nosso, antes pelo contrário: foi o próprio Olímpio que patrocinou o projecto, no momento em que soube do seu estado de saúde. O seu sonho era perpetuar-se no poder a todo o preço. Quando lhe fizémos colheita de células, Olímpio sabia o fim a que se destinavam, pois se havia sido ele a ordená-las! Vir agora com conversas de autómatos! Confissões de uma mente paranóide... Foi um duplo biológico de Olímpio, uma criança e não uma máquina, que gerámos, com a colaboração de uma mãe de aluguer, dado que há uma década atrás as incubadoras humanas estavam ainda em fase de arranque e não nos davam garantias de eficiência máxima. (Pausa.) Mas Olímpio morreu-nos demasiado cedo. Com as hormonas de aceleração do crescimento e alguma cirurgia plástica no rosto, para simular o peso da idade, conseguimos criar em dez anos um Olímpio reciclado, fisicamente adulto, mas o pior de tudo não sabemos resolver. Embora o corpo o desminta, o nosso clone manifesta a idade mental que realmente possui. Comporta-se como uma criança de dez anos e não reune condições para se fazer passar por presidente. Basta uma frase dita, um gesto seu e desfaz-se a ilusão das aparências. [Por mais infantil que fosse o verdadeiro Olímpio, ninguém admite a um alto dirigente que preencha as tardes a divertir-se com jogos de guerra electrónicos.]
FRANZ: Compreendo que Ange Roi se revolte com a última gravação de Olímpio, mas ele não estava louco, sabia bem o que fazia. Havia uma estratégia definida na decisão de Olímpio em pedir ajuda à drª. Steinshelley. Na semana anterior à sua morte, levámos o presidente a visitar o seu sucessor, que tem sido educado num espaço reservado do Instituto. Olímpio ficou transtornado com o que viu: um homem praticamente igual a si mesmo, mas com muito mais vitalidade, a mostrar-lhe os seus brinquedos novos e os seus sucessos de aprendizagem. O nosso Olimpiozinho até tinha dedicado uma redacção ao presidente, a quem chama de pai gémeo, por sentir-se tão igual a ele. Nesse dia, Olímpio vacilou nos seus desejos egoístas. Aquela criança com corpo e voz de adulto semelhante a ele não era ele, mas um outro, diferente de si. Ele arrependeu-se de lhe ter dado origem, mas os desejos não se matam com facilidade. Nós já tínhamos fabricado um corpo, mas faltava o cérebro compatível para ele. Olímpio sabe disso. E só a máquina criada por Nária pode substituir a mente infantil do clone pelo espírito de Olímpio. O presidente ficará na posse de um corpo reciclado. Mas isto é um crime, porque a consciência do clone será aniquilada. Olimpiozinho morrerá, sacrificado pelo seu pai genético. Olímpio já nutre sentimentos por aquele ser, e não consegue decidir-se entre a morte de si próprio ou a sua sobrevivência à custa da morte do outro. Essa dúvida consome as suas últimas baterias. Olímpio sucumbiu de um mal perigoso para um homem político: a hesitação aguda. (Pausa.) O que eu não compreendo é a razão dele ter guardado esse tormento só para si. Ele sempre me procurou para seu confidente... eu podia ajudá-lo a contactar Nária em tempo útil, para salvar-lhe a vida. Porque se teria ele fechado assim? E que razões o motivaram para fabricar aquele discurso de homem perseguido? São perguntas para as quais não tenho resposta... Acabo, não sei porquê, a sentir-me culpado, embora ele seja injusto comigo, pois nunca me passou pela cabeça administrar-lhe drogas letais. Tentei tão só salvar-lhe a vida pelos meios que a ciência dispõe.
LUCY PET: Fiquei profundamente chocada ao visionar a mensagem de Olímpio. O modo como ele se referiu a mim e vocês, como se fossemos delinquentes... Mas deixemos a consternação para outra altura. Agora é preciso agir. Pessoas estranhas ao nosso projecto estão na posse de dados distorcidos, e não adianta pensar em hipóteses radicais. Ange Roi, num primeiro impulso furioso, sugeriu que eliminássemos Nária e Hélio, disfarçando o homicídio, fazendo-o parecer-se com um lamentável acidente. Eu e Franz reprovamos as atitudes extremas. Nária e Hélio poderão tornar-se pessoas preciosas para nós, cada um na sua função; é uma estupidez livrarmo-nos deles da forma mais elementar, só porque conhecem assuntos interditos à opinião pública. (Gatinhando, em perseguição de um carrinho telecomandado, o clone de OLÍMPIO surge sob as luzes do palco, de fato e gravata; entretido que está com o brinquedo, não parece dar atenção às palavras de LUCY.) Neste momento, temos de jogar todos os trunfos, mesmo que eles obriguem a uma certa exposição da nossa parte. Lidamos com um par de cabeças inteligentes. Temos de explorar um ponto fraco a que não poderão fugir: Hélio e Nária são jovens e muito, muito ambiciosos. E nós (Segura nas mãos deANGE ROIe deFRANZ.), meus caros maridos, temos muito, muito poder nas nossas mãos. E quanto ao desaparecimento de Olímpio, é bom que saibamos fazê-lo reverter a nosso favor. Já decidimos e cada um decorou o seu papel. Em ti, Franz, delegamos a mais dura das missões, mas foste tu que a escolheste. Vamos pois, o tempo não se pode perder. (Fala comOLÍMPIOjúnior) Depressa, Olimpiozinho, guarda os teus brinquedos, a tia Lucy quer que tu conheças uns amigos dela.
OLÍMPIO júnior: (Sentado no chão.) E eles querem ser meus amigos também?
LUCY PET: Claro que sim, desde que te portes como uma pessoa crescida.
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