VI ENCONTRO DE TEATRO IBÉRICO / RETRATOS DE ARTISTAS / Entrevista a Abel Neves, escritor e homem de teatro www.triplov.com 08-12-2008 |
Paisagens sonoras |
Estela Guedes - Que peças viu no Encontro? Abel Neves - “Das questões inerentes”, de Nelson Boggio; “On the road ou a hora do arco-íris”, de Carlos J.Pessoa; “Memórias de Branca Dias”, de Miguel Real; “Muda a tua vida”, de Luís Assis; “El angel de la luz”, de Miguel Murillo; “Mundos”, de Isidro Timon. Estela Guedes - Gostava que pusesse em confronto a peça do Teatro da Garagem e a do Nelson, em especial quanto à banda sonora. Abel Neves - Felizmente que não se trata de um comentário de analogia, este de pôr em confronto dois espectáculos. Não saberia fazê-lo. O tempo e o trabalho do Teatro Intenso é um e o tempo e o trabalho do Teatro da Garagem é outro. Ambos se justificam, e bem. Todas as comparações são odiosas (Kerouac dixit). Talvez que a paisagem sonora gravada no espectáculo da Garagem não seja, por aí além, um aspecto muito significativo se quero lembrar-me e ordenar alguns dos seus vestígios, convocando também alguns dos restos visíveis, e invisíveis, do espectáculo "Das questões inerentes".., mas se me pede, em especial, a impressão no que diz respeito à banda sonora, deixo o testemunho, muito breve. Se bem me lembro agora (e confesso que estou já com uma surdez na memória), o uso de trechos sonoros gravados no espectáculo do Nelson não tem nenhuma importância mais do que a de tentar ocupar a atenção do espectador nas transições de cenas e num ou noutro impulso para as situações dramáticas (nem sei se me perdoo a tal surdez...). Legítimo? Sim e talvez não. Eficaz? Sempre é. No caso do monólogo da Maria João, a “ilustração” sonora é activa durante as acções da personagem (o que de certo modo deixa de ser ilustração para passar a ser acompanhante da personagem) e interroguei-me algumas vezes se esse diálogo com os sons da paisagem não estaria a enfraquecer o impacto da viagem contada pela mulher. O meu pequeno desgosto (não chega a ser um problema) andou mais ou menos por aqui, sendo que o assunto maior será não a utilização dos sons gravados, mas o modo como a personagem afirma a sua história, o seu monólogo. Um monólogo (que muitas vezes não é solilóquio), no teatro, há-de ter a alma da personagem como motor da comunicação ou não me disponho, simpaticamente, a aproximar-me da sua história. Uma história contada, demasiada descrita, ainda que reportada de uma memória que não queira actualizar-se diante do público, deixa-me quase sempre fora do que me é sugerido. E se, por condição, já estou fora... Não há, nem obviamente poderia haver, uma única via para o monólogo. Creio que me são mais simpáticos os monólogos que descrevem menos e que jogam a vida a partir de dentro de quem se atreve, solitariamente, a enfrentar o mundo... no teatro (e digo creio porque sempre poderei ser surpreendido pelo que não me será... mais simpático). Há momentos deliciosos de utilização do som gravado no espectáculo da Garagem, de humor e divertimento, por duas vezes, p.ex., o esgar da criatura mal encarada ou as pedrinhas atiradas à água. Outros há que me distraíram e distanciaram. Mas todos cumprem o bom propósito artístico de criar um espectáculo coerente. E é um espectáculo coerente, tal como a interpretação do Nelson, da Mafalda e da Ana no espectáculo do Teatro Intenso. O diálogo do comedor de livros, por exemplo, é suficientemente belo para podermos pensar que independentemente de ser o seu autor a representar a cena, o texto terá boa sobrevivência noutros palcos, desde que... seja conhecido, mas o jogo do Nelson e da Mafalda é, felizmente, tão teatral que apetece rever ou apreciar novas aventuras. E espero bem que o Nelson continue a escrever para o teatro, para si ou para os outros. Um pouco mais de esforço e teremos mais um dramaturgo, dos que, sem vaidade e por gosto à arte dos gregos, querem, simplesmente, enriquecer o teatro. Apresentado que está este "Das questões inerentes", que terá os seus instantes menos perfeitos (também eu os tenho, quem os não tem?) fica-me o gosto de ter entendido diálogos bem ajustados e com um domínio, pouco habitual, de insólitas, poéticas e humoradas situações. O truque é a simplicidade. Estela Guedes - Qual pensa ser o principal benefício dos encontros de Teatro Ibérico? Abel Neves - Os Encontros de Teatro Ibérico estão a cumprir boa parte dos seus propósitos fundadores: apresentação de obras de autores portugueses e espanhóis, cá e lá. Para já, bastante mais cá. Mas o benefício está à vista: o teatro ibérico, o teatro todo. Estela Guedes - Que peça vista o impressionou mais? Porquê? Abel Neves - Não me senti mal com o aparato cénico de "El Angel de la luz" e de "On the road ou a hora do arco-íris", mas nenhuma peça do Encontro me impressionou mais. Dou notícia de dois espectáculos: alguns fragmentos de "Das questões inerentes..." (está aqui apresentada uma escrita - que eu não conhecia - que merece ser defendida e valorizada, e para outras e melhoradas dramaturgias) e "Muda a tua vida" (a fluidez e os articulados de sentido do texto do Luís Assis interessaram-me o suficiente e tendo em conta, além do mais, a temática do Encontro, “solos na multidão”). Em ambos os casos, foi-me simpática também a dinâmica da interpretação: do Nelson Boggio, da Mafalda Santos, da Ana Freitas, e do Luís Assis. Um Encontro de Teatro que permite conhecer o que não é possível apreciar nos circuitos normais da produção teatral só pode estar de parabéns. E, neste particular, permito-me um elogio especial às pessoas do Cendrev. |
“On the Road ou A Hora do Arco-Íris”, pelo Teatro da Garagem Local: Sala Principal do Teatro Garcia de Resende É uma peça sobre a viagem de uma mulher que, no percurso entre o Cabo de S. Vicente e o Pulo do Lobo, perfaz de memórias paradas a ausência que enche a sua vida e que brota da paisagem alentejana. Encenação: Ana Palma Interpretação: Maria João Vicente |
CENDREV
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