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Revista TriploV
de
Artes, Religiões e Ciências |
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NELSON BOGGIO |
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Fábrica do Vidro |
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ÍNDICE GERAL |
Terceiro acto |
Cena II |
(Laboratório. Fredi e o Espanhol entrando no espaço que é um laboratório
com vários objectos: tubos de ensaio, pipetas, etc. O personagem Homem
vai retirando objectos de vidro que coloca à vista dos outros. O Mestre
observa ao fundo, passando despercebido. )
Fredi:
Trabalhando desde o início é
uma coisa extraordinária. Apresentam-nos a maqueta, bastante tempo
antes...e depois é preciso trabalhar com afinco! E se os cristais
conseguirem essas formas...como as que estão nos desenhos...Ora aqui
está. Suspenso, intacto. E além um magnífico pingente. E aqui este copo.
Veja. Mas não é tudo. O melhor está para vir. E então? Tudo o que lhe
disse é verdade. Uma beleza, não acha? Objectos que são mais do que
objecto. A ciência do vidro. O vidro da ciência. E este som único que
nem o mais puro dos cristais consegue transmitir. Ouça. Uma espécie de
lamento. Aconchega-nos. Um único gemido e estamos na infância. Ora aqui
está. Quem comprar um, vai querer mais. A retenção de luz criando
universos espectrais soberbos. Veja como os cristais assobiam. O seu
componente básico provém de uma única gota de lágrima submetida à fusão
a altas temperaturas. Depois esse componente é colocado num pequeno
tubo. E depois é o que se vê. Mas por favor vamos ouvir quem sabe.
Mestre: ( Gestos amplos e reflexivos. Parece ignorá-los)
Aqui estou eu...sim. Tenho observado
esta terra. Sim, criei um verbo que tem a particularidade de exprimir a
essência das coisas para promover o fenómeno do choro. Sim, ultrapassei
a adversidade com a devida paciência. Sim, mas nem sempre me dedicara à
humildade dos mestres italianos, pois mais de uma vez subestimei o
exercício do esboço, a favor da impaciência do aprendiz. Assim nada
resultava. Dos abetos, nada. Ignorava eu, com a minha pressa, a hora
exacta em que devido ao calor moderado, os seus fluidos coalham. Quis
traduzir a resistência das coisas da forma mais rápida. Depois passei
por fases em que o cansaço se traduzia numa certa sonolência. Trabalhei
muito, mas com uma obsessão quase infantil, por vezes abandonava o
método. Apliquei um dia as frases julguei prontas. Gritei-as em todas as
minas mas nada parecia abalar os seres que aí habitavam. Aplicá-las no
Homem, quando? Depois tornei-me paciente e metódico: criei formas únicas
inspirado num herbário complexo com todas as formas vegetais. Recriei as
mais inimagináveis formas através do desenho. Mas também roguei pragas
contra a tolice do meu aprendiz. Obriguei-o a descer vales onde o acesso
a determinadas habitações provocava tonturas. Ali, ele colhia certas
plantas. Depois ganhava a confiança dos moradores e testava a fórmula.
Regressava com tinas vazias. De lágrimas nem sombra. Deitado, eu
emancipava a alma, inquieto, julgando encontrar a resposta através do
sono, mas nada. Houve dias em que a folha de estudo onde escrevi temas
tão relevantes – como os do uso da forma e das cores quanto ao grau de
emoção que suscitam- me levara a conclusões quase acertadas. Mas a
certeza de que um dia pudesse usufruir destas frases estava longe, até
que há duas semanas descobri no silêncio do meu aprendiz a resposta: o
timbre vocal apropriado.
Espanhol: Temos negócio.
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Nelson Boggio
nasceu em Proença-a-Nova, no distrito de Castelo Branco. Aos 16 anos
ingressa na escola profissional ACE no Porto onde teve as sua primeiras
experiências teatrais com o encenador Rogério de Carvalho, com os
actores e professores João Paulo Costa e António Capelo, entre outros.
Enquanto aluno da escola participou como figurante na peça de teatro O
Coriolano, de Shakespeare, dirigida por Jorge Silva Melo. Entrou em
peças encenadas pela escola. Desde Gil Vicente com direcção de António
Capelo, a peças como Os sete pecados mortais dos pequenos burgueses, de
Brecht com Kuniaki Ida com o qual desenvolve também a máscara neutra.
Tem também ateliers à volta do Clown com Alan Richardson. Aos dezanove
anos entra para a Escola Superior de Teatro e Cinema, onde volta a
reencontrar o professor e encenador Rogério de Carvalho, e onde começa
pela primeira vez a trabalhar em cena os textos clássicos gregos. Tem
também como professores o encenador José Peixoto, o Professor Luca Aprea
em corpo, o professor Francisco Salgado, Álvaro Correia, João Mota,
Carlos J. Pessoa, com o qual trabalhou três peças de teatro na sua
companhia O teatro da garagem. Participou na peça Os Anjos de Teolinda
Gersão a convite do professor e encenador João Brites, em Palmela.
Participou como actor na peça “Les Bonnes/ As Criadas” de Jean Genet com
encenação de Paulo Alexandre Lage, em Julho de 2005 na Casa Conveniente
em Lisboa. |
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